sábado, junho 11, 2005

Arrastao

Carcavelos: praia a saque?

Praia de Carcavelos: arrastão ou provocação policial?


Enquanto António Costa dormitava ao som melodramático do bardo presidencial, uma multidão de pretos, negros, ou afro-lusófonos (1), com idades entre os 16 e os 20 anos, presumivelmente oriundos de bairros inumanos da periferia lisboeta (Amadora, Sintra, Cascais, etc.), desencadearam uma onda de assaltos, agressões e pânico entre os banhistas brancos que gozavam umas horas de Sol e mar na minha praia de sempre: Carcavelos. O número de atacantes estimou-se nas centenas e actuaram impunemente entre as 15 e as 18 horas, em toda a extensão da praia, continuando posteriormente a sua acção predadora pela Av. Jorge V, estação de Carcavelos e comboios. Os revoltados eram, como disse, negros e jovens. Os atacados foram, como disse, brancos de todos os matizes, tendo o incidente tido início num ataque violento contra um cidadão ucraniano. Estes são os factos e não vale a pena disfarçá-los com retóricas politicamente correctas que apenas revelam tibieza, cobardia e hipocrisia intelectual.

Esta cópia do modelo brasileiro conhecido por ‘arrastão’, pelo número e grau de organização, coloca-nos diante de um problema muito sério, que as agências de turismo internacionais não deixarão de explorar, e que merece ser discutido publicamente. Foi ou não o ataque desferido na praia de Carcavelos uma manifestação de ódio racista? Foi ou não o arrastão de Carcavelos resultado de uma operação meticulosamente preparada, e neste caso, como podemos analisar a completa inabilidade preventiva da polícia? (2) Estamos ou não a assistir ao início de uma guerra civil atomizada, fruto de uma política de imigração oportunista e irresponsável, cujos patamares de agressividade poderão escalar bem mais cedo do que alguns gostariam de prever? E se amanhã surgir um verdadeiro líder de extrema-direita a reclamar uma resposta olho por olho, dente por dente, de quem é a culpa?

Numa situação de crise económica, liberalismo selvagem e desemprego sistémico, as primeiras vítimas da miséria e da humilhação social e cultural tendem a ser todas as minorias étnicas que o poder político foi deixando entrar no País sem uma verdadeira estratégia de contingentação, acolhimento e protecção. Isto é, as minorias oriundas de África, da América Latina (sobretudo brasileiros) e da Europa de Leste. O liricoidismo ideológico que imputa aos portugueses uma natural ausência de preconceitos racistas não passa disso mesmo: de uma mentira piedosa. Se há pão para todos, Afonso de Albuquerque e o Catolicismo, sobretudo por razões tácticas, ensinaram-nos a ser tolerantes, e não claramente segregacionistas, com as demais raças. Todavia, quando faltam o emprego, tecto, o pão, os snickers da Nike ou o telemóvel de última geração, as coisas podem mudar rapidamente de figura! Se ainda por cima empurrarmos as várias minorias para ilhas étnicas de matiz concentracionário (o caso da Cova da Moura é a este título exemplar), então estaremos mesmo a preparar um caldo de cultura inevitavelmente explosivo.

No caso que nos toca, a rebelião não nasce de uma radicalização religiosa da humilhação social prolongada que, por exemplo, na Alemanha, França, Holanda ou Reino Unido, tem sido imposta às minorias turcas, argelinas e asiáticas que nesses países há décadas fazem os trabalhos mais duros ou rotineiros que os indígenas educados desses paraísos civilizacionais se recusam a fazer. Em Portugal, onde a maioria dos imigrantes é felizmente católica, o problema é outro. Se não houver uma acção inteligente e sistemática do Estado e dos governos face ao problema, sul-americanos, africanos e europeus de Leste, e sobretudo portugueses descendentes destas ondas migratórias, ao serem as primeiras vítimas das crises sociais (precisamente porque os preconceitos étnicos e racistas existem, de parte a parte), tenderão a reagir como puderem. Unidos pela miséria e pela humilhação, verificarão depois que há mais alguma coisa a uni-los: precisamente, a cor da sua pele, do seu cabelo ou dos seus olhos... Para os mais aptos, o mundo do crime (contrabando, tráfico de estupefacientes, armas e objectos roubados, e a exploração sexual) será cada vez mais atraente. Se continuarem acantonados em bairros sem lei, o vislumbre de micro-sociedades com leis próprias, desafiando o Estado e a sociedade dominantes, aparecerá como um cenário cada vez mais tentador. Numa palavra, se nada se fizer, teremos muito em breve nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não apenas cópias fidedigmas dos arrastões de Copacabana, mas verdadeiros contra-poderes sociais dominados por bandos de criminosos, tal como ocorre nas tristemente famosas favelas brasileiras.

Notas
1 — Nos Estados Unidos a palavra negro, ao contrário da palavra preto é considerada insultuosa quando usada para designar um indivíduo de origem afro-americana. Em Portugal, dependendo de quem utiliza o termo, qualquer das expressões acima empregues pode ser considerada politicamente correcta ou insultuosa. O termo empregue pelos próprios, no nosso país, é quase sempre ‘preto’, e não ‘negro’. O uso de qualquer dos termos neste blogue não tem, obviamente, qualquer intenção discriminatória, servindo apenas a necessidade de nomear sem hipocrisia indivíduos de uma determinada origem étnica ou rácica.

2 — Só um ingénuo poderia acreditar que as nossas polícias não têm agentes infiltrados nos principais bairros problemáticos da capital e arredores, e informadores infiltrados nos próprios gangs que se dedicam aos florescentes negócios do contrabando, contrafacção, tráfico de estupefacientes, prostituição, pequenos assaltos urbanos e... organização de ‘arrastões’. Só este facto explica como foi possível os corpos especiais de intervenção policial chegarem à praia de Carcavelos 20 minutos depois de dado o alarme. Mas este mesmo facto levanta uma dúvida: como é possível que os responsáveis pela ordem pública não tivessem tido conhecimento antecipado de uma operação com semelhante envergadura (número de actores envolvidos) e grau organizativo? Ou será que deveremos ler toda esta surpresa como um aviso premeditado dos lobbies policiais ao poder político, face às ameaças que pendem sobre os direitos adquiridos por estes corpos especiais da Administração Pública? E se assim fosse, não estaríamos perante uma manobra corporativa de matiz efectivamente golpista? António Costa precisa de todo o apoio para tirar isto a limpo e agir em conformidade. Alia jacta est...

3 — Algum tempo depois, viemos a saber que o arrastão teria sido mais virtual (quer dizer, teledramático) do que real. Houve problemas, a polícia veio (há quem afirme mesmo que o esquema nasceu na corporação...), a coisa demorou algum tempo a acalmar, mas depois, as televisões, como um enxame, não falaram de outra coisa, histericamente, durante horas e dias a fio! Seja como for, um aviso aos políticos profissionais: é urgente definir uma política de imigração e uma política de integração, racionais e justas. [5 Ago 2006]

O-A-M #78 11 Junho 2005

segunda-feira, junho 06, 2005

Europa referenda

Chirac e Schroder bebem por qual Europa?

A Multidão Europeia quer votar!


Recebi esta msg do artista holandês Peter Luining:
"ohnoqt@yahoo.com wrote:
'How do you explain the fact that a large majority of people who voted as you did (no), are very fond of populist, raciste and conservative ideas?'
Polls after the French vote show that this explanation is wildly incorrect:

Key paragraph:
'According to SOFRES [a polling institution], the "no" voters made their decision because "this treaty will exacerbate unemployment in France" (46%), "to show they're fed up with the current situation" (40%), "a 'no' vote will make it possible to renegotiate the treaty" (35%), "this treaty is too neoliberal" (34%), "this treaty is particularly difficult to understand (34%), "Europe threatens France's identity" (19%) or "because of Turkey" (18%). Among these reasons, issues of social protection and opposition to neoliberalism are clearly far ahead of xenophobic tendencies and worries about national sovereignty. This is confirmed by the IPSOS poll, according to which the three main reasons for the "no" vote are dissatisfaction with the current economic and social situation in France (52%), the view that the proposed treaty is "too neoliberal" (40%) and confidence in being able to get a better constitution after a renegotiation (39%). One last proof that at the heart of the "no" vote is the desire for another sort of Europe: according to most of the polling institutions, a very large majority of "no" voters (64% according to CSA) want France to ask for a new European constitution to be written.'"
Li entretanto o artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes". Aí encontrei alguns outros dados muito interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no Estado Providência.

Olhando para estes dois aspectos bem diversos do problema, penso que os NÃO da França e da Holanda forçarão finalmente um grande debate europeu sobre o futuro da Europa e a sua desejável identidade num mundo globalizado. Ora isto não pode deixar de ser encarado como uma boa notícia para todos nós, europeus!

A "multidão" europeia (Antoni Negri and Michael Hardt, autores deste novo conceito, usam a expressão "multitude") começou finalmente a mover-se como uma rede de "inteligência colectiva" alternativa, a qual obrigará os eurocratas e os velhos partidos políticos a redefinir os seus métodos de actuação e as suas prioridades.

Por este facto, julgo que deveremos todos exigir a realização dos referenda agendados em vários países europeus (República Checa, Polónia, Dinamarca, Reino Unido, Portugal, etc.)

A MULTIDÃO EUROPEIA QUER VOTAR!


O-A-M#77, 06 Junho 2005

domingo, junho 05, 2005

Aviso ao PS 3

Jobs for the boys 2


O PS alterou promessas eleitorais fundamentais (aumentou os impostos e promete mexidas abruptas no sistema das pensões e reformas) com base numa encenação caricata em volta do valor do défice esperado das contas públicas. Para isso, contou com a assessoria zelosa, mas suspeita, do Governador do Banco de Portugal. Ao contrário do esperado, a tónica foi para o aumento das receitas, e não para os cortes sérios na despesa pública. E quando digo cortes sérios nas despesas refiro-me, sobretudo, a uma diminuição drástica, mas faseada, ponderada e inteligente, do Estado, contemplando medidas como as que se seguem, e que me parecem inevitáveis, mais cedo ou mais tarde:

— encerramento de todos os Ministérios, Secretarias de Estado, Direcções-Gerais, Direcções de Serviços, Divisões, Institutos, Fundações e Organismos Autónomos manifestamente inúteis ou cujas funções, se não forem de todo inúteis, possam ser realizadas por outros organismos. Por exemplo, o actual Tribunal Constitucional não serve para coisa nenhuma (a não ser para alimentar de mordomias as clientelas políticas do PS e do PSD). Por exemplo, o actual Ministério da Agricultura poderia ser reduzido em mais de metade da sua esclerótica e paquidérmica dimensão. Por exemplo, os actuais Ministérios da Cultura e da Juventude e Desporto desempenhariam perfeitamente as suas funções enquanto Secretarias de Estado do Ministério da Educação. Por exemplo, os actuais Governos Civis, e a Guarda Nacional Republicana, sobrevivências do Estado Novo, não servem rigorosamente para nada, a não ser (no caso da GNR) para duplicar serviços e aumentar a descoordenação das acções, ou (no caso dos Governos Civis) para alimentar a voragem das clientelas partidárias. Etc, etc.

— reduzir drasticamente os postos de nomeação político-partidária na Administração Pública, acabando nomeadamente com todos os regimes de excepção. De Director-Geral para baixo, o acesso às posições de chefia deveria basear-se exclusivamente num sistema universal de concursos públicos.

— reduzir para metade o número das nossas representações diplomáticas (negociando ao mesmo tempo com alguns países comunitários acordos especiais de "out-sourcing" diplomático.)

— criação de duas novas regiões autónomas, dotadas de uma estrutura política e administrativa racional e eficaz, correspondentes às actuais regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.

— manutenção das restantes regiões administrativas sob a responsabilidade directa do Governo, pondo-se fim à demagógica fantochada da Regionalização. Num país com metade da população de Tóquio, só mesmo o triunfo da corrupção, da preguiça e da ganância ilimitada, poderia sustentar a peregrina ideia de aumentar o Estado e as mordomias à conta da tal Regionalização!

— redução radical do número actual de Municípios, adoptando o princípio de que a elevação a Concelho, ou a descida neste tipo de divisão político-administrativa, depende da existência efectiva de comunidades de cidadãos residentes superiores a 10 mil habitantes. As actuais Assembleias Municipais serviriam como ponto de partida da reagregação das comunidades populacionais em torno dos novos Concelhos.

— remuneração dos deputados, vereadores e presidentes de câmara de acordo com escalões de representatividade democrática (< 10 mil eleitores; < 100 mil eleitores; < 500 mil eleitores; < 1 milhão de eleitores; > 1 milhão de eleitores).

— definição do núcleo estratégico do Ensino Superior (Engenharias, Arquitecturas, Matemáticas e Computação, Biologia e Genética, Ambiente e Medicina), a ser sustentado com racionalidade e meios adequados pelo Estado, e correspondente e efectiva privatização de toda a restante fileira da formação superior (Direito, Economia e Gestão, Artes e Letras, etc.)

— imposição rigorosa dos regimes de exclusividade na Função Pública, nomeadamente nos sectores da Saúde, da Educação e da Justiça.

— fim imediato de todos os privilégios corporativos actualmente detidos por diversas Ordens profissionais em tudo o que se refere ao exercício de controlos sobre a formação e acessos dos licenciados ao exercício das respectivas profissões.

— imposição universal de prazos administrativos obrigatórios para todos os actos da Administração Pública.

— publicitação automática, sem excepção, de todos os contratos, subsídios e apoios realizados entre o Estado e a sociedade civil (indivíduos, associações e empresas.)

— responsabilização dos agentes e funcionários do Estado, bem como dos detentores de cargos públicos pelos actos ou omissões praticados, cujos efeitos prejudiquem o bem público, o Estado ou os indivíduos vítimas de má administração pública.

— fim imediato de todos os privilégios e mordomias injustificadas usufruídos pelos altos cargos da administração pública, nos governos, nas autarquias, nos parlamentos, nas empresas públicas, nos organismos públicos autónomos, etc.

— profissionalização e despartidarização imediata das representações do Estado nas empresas públicas e participadas.

— publicitação das declarações de rendimentos de todos os cidadãos residentes no País (medida anunciada que aplaudimos).

— imposição de colectas mínimas em todas as categorias fiscais (medida parcialmente adoptada, mas que necessita de ser aprofundada).

— imposição de taxas moderadoras lógicas e razoáveis no acesso aos bens públicos gratuitos, i.e. financiados pelos sistemas de previdência e segurança social.

— aumento das coimas e multas aplicáveis por infracções ao código da Estrada (nomeadamente no que se refere ao estacionamento ilegal, uso de telemóveis durante a condução, excesso de velocidade, condução sob o efeito de substâncias tóxicas e manobras perigosas).

— aumento das coimas e multas aplicáveis por desrespeito das normas ambientais em vigor.

— redução do serviço público de televisão e rádio à prestação de serviços noticiosos e educativos de interesse geral. Un canal nacional, un canal dirigido aos PALOP e um canal internacional bilingue (Português e Inglês) são mais do que suficientes para assegurar os interesses nacionais. Este serviço deveria ser integralmente suportado pelo OGE e não contemplar nenhum espaço de natureza comercial. Dizer que precisamos mais do que isto é o mesmo que dizer que precisamos de um Diário da Manhã ou de um Diário de Notícias sob alçada do Estado. A agência Lusa é mais uma gordura perfeitamente dispensável na imprescindível revisão estratégica do sistema mediático português.

Estas e outras medidas duras podem e devem ser equacionadas e discutidas. Há maior disponibilidade para mudar do que se pensa. O que não há é pachorra para aturar a arrogância do actual Ministro das Finanças e o clima de guerra civil instalado entre as classes privilegiadas e corrompidas pelo actual sistema político. O que ninguém que votou no PS aceita são as 900 e tal nomeações partidárias já publicadas no Diário da República (alguém sabe a quanto soma o montante das indemnizações previstas?), ou a nova frota de BMWs adquirida pelo Tribunal Constitucional, ou os casos Fernando Gomes, Luís Nazaré e quejandos. Jobs for the Boys 2 é um filme que ninguém quer ver (até porque as continuações são sempre piores — Marx dixit...). Os "nãos" da França e da Holanda foram apenas os primeiros avisos sérios às corrompidas democracias actuais. Algo começou a mexer na multidão de que falam Michael Hardt e Antonio Negri. O Senhor Sócrates que se cuide!

The multitude is working through Empire to create an alternative global society. Whereas the modern bourgeois had to fall back on the new sovereignty to consolidate its order, the postmodern revolution of the multitude looks forward, beyond imperial sovereignty.

in Multitude, Michael Hardt e Antonio Negri

AC-P

O-A-M#76, 05 Junho 2005

sexta-feira, maio 27, 2005

Aviso ao PS 2

Ouçam o Medina Carreira!


Não há pachorra nenhuma para as mesas redondas televisivas protagonizadas por porta-vozes partidários. Eu nunca compraria um carro em segunda mão ao Senhor Coelho, nem a nenhum dos outros e outras vozes de carreira que povoam, até à náusea, os intermináveis blocos noticiosos dos nossos canais audiovisuais. Eles falam sobre tudo como se soubessem do que falam e sobretudo não suspeitassem que nós sabemos que a sua única função ideológica é a de serem simplesmente demagogos mediáticos. Como demagogos que são nunca pensam pela sua cabeça, mas pela cartilha de ocasião do respectivo partido. No caso, os porta-vozes supostamente independentes do centro (PS e PSD) propõem basicamente meias-medidas: subir impostos devagarinho, mexer com muito cuidado nas despesas sociais e cortar simbolicamente alguns privilégios escandalosos. Os porta-vozes comunistas, esquecendo que falharam em toda a parte por onde andaram, insistem alegremente nos seus estafados cardápios maniqueístas (‘os ricos que paguem a crise!’). Os bloquistas (incluindo Francisco Louçã) continuam a revelar uma confrangedora falta de imaginação, num momento em que bem poderiam inovar em matéria de estilo de acção política e metodologias programáticas. Quanto à direita propriamente dita, não existe e ainda bem (mas por quanto tempo?)

Por uma questão de transparência, seria bom que as televisões e os jornais (e os porta-vozes informais eles próprios) esclarecessem em que condição emitem as suas putativas opiniões. Se, como me parece, não fazem mais do que ocupar tempo de antena partidário (ainda que disfarçado de opinião crítica), quem cobra pelo serviço: o opinador, ou o partido de que faz parte? Visto da perspectiva correcta, deveriam ser os partidos a pagar tais tempos de antena, não é verdade? Pelo menos no que toca aos canais públicos, este sistema pantanoso significa apenas mais um subsídio encoberto aos partidos políticos — pago pelos impostos de todos nós!

Vem tudo isto a propósito da cacafonia mediática em torno do anunciado relatório Constâncio e das correspondentes decisões do governo de José Sócrates. Do que ouvi, apenas Medina Carreira, na entrevista de esta noite ao José Gomes Ferreira (um excelente profissional), resumiu simultaneamente o essencial da crise em que estamos e o essencial das medidas a tomar. Dentro de 10 a 15 anos, se nada de sério se fizer, o Estado irá à falência. As medidas anunciadas por José Sócrates são necessárias mas muito insuficientes.

Estou completamente de acordo com Medina Carreira quando afirma ser necessário reduzir drasticamente, e já, o peso do Estado na sociedade portuguesa. A solução, tal como ele aflorou na dita entrevista, existe, pode e deve ser adoptada, a partir do momento em que se esclareça a sociedade portuguesa da verdadeira dimensão do problema.

Um país de 10 milhões de habitantes (menos que uma qualquer grande cidade mundial), 80% dos quais encostados ao litoral, precisa de 315 câmaras municipais? Não, não precisa. Um país desta dimensão precisa de 250 deputados para legislar a sua vida? Não não precisa. Um país destes precisa de 700 mil funcionários públicos? Não, não precisa.

Para governar este país bastam:

1 governo ágil e profissional, com 7 ministérios:

— Finanças
— Economia (secretarias de Estado: Obras Públicas, Indústria, Agricultura, Pescas, Comércio, Transportes e Mobilidade, Turismo)
— Educação (secretarias de Estado: Cultura, Desporto, Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico)
— Ambiente e Território
— Administração Interna
— Defesa
— Justiça.

4 regiões autónomas: Lisboa, Porto, Madeira e Açores

1/3 das câmaras municipais actualmente existentes

1 parlamento com metade dos actuais deputados

350 mil funcionários públicos (1)

Para resolver o problema do estacionamento selvagem (e de caminho o excesso de consumo automobilístico, consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa) bastaria condicionar a compra de qualquer automóvel à existência prévia demonstrada, por parte do comprador, do correspondente lugar de estacionamento próprio na localidade onde reside. Tal como sucede no Japão...

Quanto à dependência energética, uma medida apenas: reduzir para metade, nos próximos dez anos, a nossa dependência energética do exterior.

O resto, seria, ou deveria ser, uma forte sociedade civil, consciente dos desafios, dos limites e das suas possibilidades.

Mas haverá ainda gente interessada em discutir estes temas? Temo bem que o número de agarrados ao orçamento do nosso pobre Estado seja já demasiado elevado... e não haja retorno possível à racionalidade democrática.

AC-P

Notas
1 — O presidente do INA, Valadares Tavares, em artigo publicado na edição de 10 Jun 2005 do Expresso, propõe uma redução de 20% no número de funcionários públicos no espaço de duas legislaturas. Seria um bom começo, sobretudo se esse número fosse conseguido como resultado da supressão de serviços redundantes, ineficazes ou meramente dispensáveis, e ainda pela fusão e concentração de todo o tipo de instâncias burocráticas. Neste sentido foi também a posição da equipa do actual Ministro das Finanças durante o debate de ontem na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República, transmitido pelo respectivo canal televisivo (um dos poucos canais obrigatórios da repetitiva TV Cabo).
11 Jun 2005
AC-P

O-A-M # 75, 27 Maio 2005

sexta-feira, abril 01, 2005

Aviso ao PS 1


Promessas para cumprir


Conhecimento, Cultura, Entretenimento
Inaugura amanhã em Léon (Espanha) mais um museu de arte contemporânea. Custou 33 millones de Euros. Ocupa 21.178,15 m2, sendo de 9.700m2 a superfície construída. No tempo que durou a construção do edifício (2002-2005) foram gastos 5 milhões de Euros na aquisição de obras de arte. Não se pense, porém que estamos diante de um caso isolado. Muitos outros museus e centros de arte contemporânea foram recentemente inaugurados em Espanha. Apenas alguns exemplos de referência obrigatória: o Museo Picasso, em Málaga, a Fundación Jose Guerrero (2000), em Granada , o MARCO (2002), em Vigo, o ATRIUM (2002), em Victoria, o Museo Esteban Vicente (2002), em Segovia, Caixa Forum (2002), em Barcelona, Centro Parraga (2004), em Murcia, e a expansão do Museo Centro de Arte Reina Sofia, de Jean Nouvel (2005), em Madrid. E há mais exemplos em perspectiva: Gijón, Corunha e Córdoba. Em Portugal: népias. Ou antes, uma vergonha chamada Casa da Música.
Seria bom que o actual governo se pusesse a trabalhar num livro branco sobre as diferenças gritantes entre os investimentos culturais em Espanha e Portugal, em vez de se deixar tentar, uma vez mais, pela novela da invasão espanhola (como parece anunciar a sujeira em volta do negócio da venda da Lusomundo).
Eu já escrevi uma vez e volto ao mesmo: a socieade do conhecimento que aí vem é indissociável da cultura. Caminhamos para uma cultura cognitiva, e nisto estará uma das futuras vantagens comparativas da Europa face ao resto do mundo. Quem ainda não percebeu isto e continua a confundir desenvolvimento, com crescimento económico insustentável e construção civil, vai necessariamente conduzir o nosso país à desgraça. É preciso considerar o investimento cultural uma prioridade. E como tal prioridade terá que ser tratada por profissionais realistas e competentes, não por "inside traders" manifestamente incapazes. Precisa-se, basicamente, de muito mais dinheiro, de muito menos burocracia, de parcerias sólidas com a sociedade civil, de estratégias claras e transparentes e de marketing. Em suma, tudo o que actualmente não existe.

O-A-M #74, 01 Abr 2005

domingo, março 27, 2005

PSD reage

António Borges não vai deixar o PS em paz


Marques Mendes é o político de aparelho melhor colocado para ganhar o próximo congresso do PSD. De facto, não vejo como é que Filipe de Menezes, que não consegue manifestamente falar bom português, possa suplantá-lo no próximo conclave de aparatchics. Este juízo não passa aliás de senso comum. Pensa-o toda a gente que segue minimamente a televisão, e não vejo como poderia António Borges ter opinado de modo diferente quando Judite de Sousa lhe perguntou o que pensava sobre a futura liderança do PSD

Falta apenas saber se Marques Mendes será ou não um líder de transição. É bem possível que não resista aos efeitos da derrota eleitoral das próximas autárquicas. Mas também pode suceder que entre ele e a tendência liberal moderada formada em volta de António Borges e outra gente de peso no PSD haja uma aliança tácita com vista a suportar os próximos quatro anos de poder PS — minimizando os estragos e, se possível, capitalizando com eficácia os inevitáveis deslizes de José Sócrates.
A boa notícia desta nova conjuntura no PSD é a promessa de uma oposição adulta ao ciclo de governação que agora começa. O PS precisa dela. Para não cair na tentação, uma vez mais, dos jobs for the boys, e também para evitar a governamentalização do que deve ser deixado à iniciativa privada e à cidadania.

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O-A-M #73 23 Mar 2005

quarta-feira, março 23, 2005

Hora de Lisboa

Sasha by Baruca. Copyright © 2004-2005.

Com Durão em Bruxelas, Mourinho em Londres e Sócrates em Lisboa, bem podíamos estar mais optimistas!


A imagem que acompanha este artiguinho foi desenhada pela minha sobrinha de 18 anos. Pertence a uma categoria de arte chamada Anime, que não consta ainda do universo cognitivo dos nossos museus de ‘arte contemporânea’ (demasiado atentos aos restos da arte do séc. 20 e respectivos especuladores), mas que pode muito bem servir para compreender a missão do Governo que acaba de ver aprovado o seu programa de legislatura.
Ao contrário do que a floresta dos privilégios, da burocracia, do compadrio, da endogamia, da corrupção, da preguiça, da ignorância e da estupidez continua a pretender fazer-nos crer, existe entre nós a energia suficiente para colocar este País diante das suas responsabilidades históricas. Basta, para tanto, tomar um pouco de atenção aos sinais. O mais recente, insistente e óbvio, é a tempestade mental que atravessa grande parte dos decisores e opinadores portugueses desde a última campanha eleitoral. Nunca, como agora, parece ter existido tanta coincidência de pontos de vista sobre os males que nos afligem. Os efeitos obsessivos desta irmandade teórica agitam a generalidade dos canais mediáticos. Fala-se dos poderes corporativos que tolhem a nossa produtividade, e da falta de transparência dos processos produtivos e sociais. Numa palavra, chegou a hora de perceber que a mesada da História acabou. Os ciclos coloniais chegaram ao fim. O ciclo emigratório chegou ao fim. O ciclo do trabalho barato chegou ao fim. O ciclo do turismo bronco e trapaceiro chegou ao fim. O ciclo da integração europeia chegou, para nós, ao fim. O ciclo da energia barata chegou dramaticamente ao fim (e os portugueses pouco ou quase nada fizeram para precaver esta situação.) Enfim, o actual governo socialista sabe que o estado de graça facultado pelos eleitores corresponde muito mais ao medo generalizado de encarar os sérios desafios que temos pela frente, do que a uma verdadeira crença na redenção miraculosa dos nossos pecados culturais. Seja como for, há alguns sinais positivos no ar.

Tenho vindo a reparar nos surfistas que afluem à praia de Carcavelos (onde vivo há mais de trinta anos), na crescente comunidade artística que dá pelo nome de Anime.PT, ou no acréscimo evidente do número de doutorandos que esperam por melhores dias. Embora a endogamia espelhada nas nossas intituições e nos média mostrem o contrário, o país mudou e continuará a mudar rapidamente nos próximos anos. A este Governo, como aos políticos em geral, compete, sem mais adiamentos, preparar o terreno de acolhimento para tais energias. Serão estas, e não as clientelas instaladas, que nos poderão conduzir ao aumento da célebre produtividade. Mais e melhores artistas, mais e melhores cientistas, mais e melhores profissionais, mais e melhores desportistas, são algumas das metas ao nosso alcance e temos a obrigação de atingi-las no menor tempo possível.

Ao confrontar alguns conhecidos paquidermes corporativos, José Sócrates e o Governo deram o tom inequívoco da vontade política reformadora que os levou ao poder. Depois do interregno do inenarrável Santana Lopes, espero, esperamos todos, que Portugal comece finalmente a funcionar numa lógica cultural baseada na igualdade de oportunidades, na responsabilidade, na competência, na gestão por objectivos e na rotatividade funcional das pessoas, façam elas o que fizerem. A limitação de mandatos deve estender-se a todos os domínios do poder, seja ele político-institucional, académico, partidário, corporativo-patronal ou sindical (não é, senhor Dr. Carvalho da Silva?) A transparência de processos, também. Só assim poderemos esperar que o melhor das novas gerações contribua a tempo e horas para o rendimento do sistema.
A conjuntura actual apresenta uma configuração algo propiciatória. Durão Barroso foi para Bruxelas dirigir a Comissão Europeia, abrindo por outro lado a porta ao regresso do Partido Socialista (renovado) ao Governo. José Sócrates, Barroso e Maria João Rodrigues, uma das principais obreiras da Agenda de Lisboa e actual conselheira especial do primeiro-ministro luxemburguês, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, estão, no essencial, de acordo com a necessidade de espevitar a dita Agenda, aprovada em Lisboa quando António Guterres presidia ao mesmo Conselho. A crise energética, a necessidade de reformular radicalmente o modelo estratégico do desenvolvimento europeu (mais cognitivo, menos consumista, mais ético, menos liberal e mais sustentável) e a simplificação dos processos de decisão e organização democráticas, são as prioridades essenciais deste velho continente. Só depois virá a necessidade de uma política de defesa comum, em sentido estrito (uma visão estratégica de geometria variável serve, para já, o interesse geral europeu.)

Face a este cenário repentino e tão dinâmico, os partidos da Oposição que se sentam na Assembleia da República vão mesmo precisar de fazer um retiro espiritual. O PSD de Marques Mendes irá certamente mudar. O PP parece que vai mesmo desaparecer. Resta saber o que se irá passar nas fileiras do Bloco de Esquerda e do PCP. A era da política como táctica acabou. Ou vai ser ridiculamente imprestável nos próximos quatro anos. A Oposição tem pois que se preparar para exercer de forma criativa e responsável os seus contraditórios. O que dela todos esperamos são ideias e não bloqueios. Afirmar, como hoje (23.03.2005) ouvi a um deputado do Bloco, na SIC Notícias, que o âmbito das nomeações partidárias para o aparelho de Estado deve incluir os Directores-Gerais, brada aos céus! Não, Senhor Fazenda, as nomeações políticas têm que se circunscrever aos membros dos governos e nada mais! No Estado, tudo o resto deve ser conseguido pelo mérito sucessivamente confirmado de uma carreira profissional claramente definida e exigente. E mais: para evitar a instrumentalização partidária dos cargos directivos, aquilo que há a fazer é introduzir limitações temporais aos exercícios das funções (por exemplo, 8 anos em cada direcção de serviços, direcção-geral, etc.), e submeter as carreiras profissionais a uma avaliação regular.

Entretanto, com as autárquicas no horizonte, esperemos que o Manuel Maria Carrilho ganhe a Câmara de Lisboa, pois a cidade precisa urgentemente de um programa cosmopolita ambicioso e pragmático. Até lá, vamos todos aprender inglês, porque vai ser preciso, e porque assim poderemos interpretar o pesadelo da Vânia (a.k.a. Baruca), minha promissora sobrinha:

“ this character I saw in one of my nightmares... that my boyfriend became evil and that we could transforme in whatever we whanted and I transformed into this , so i could run as fast as a feline.... but my boy friend cought me by doing the same as I.... he was blue with stripes on hes eyes, lots of muscules ”

IMG: Sasha by baruca [ http://baruca.deviantart.com/ ]
O-A-M #72 22 Mar 2005 (actualizado em 23.03.2005)

domingo, fevereiro 27, 2005

FujiApple

Fuji Apple from China

O fruto da imortalidade

A China, depois de um programa parcialmente financiado pelo Estado Chinês e pelo Japão no início da década de 70, chegou ao final do século 20 como o maior produtor de maçãs do planeta: 40% da produção mundial; e 50% da produção conjunta dos 10 maiores produtores do mundo (China, EUA, Turquia, Irão, França, Polónia, Federação Russa, Itália, Alemanha, Argentina e India). O facto só é importante porque, se exceptuarmos o chá, este é um dos primeiros símbolos visíveis da qualidade e baixo preço dos produtos chineses que chegarão, a partir de agora, com a maior naturalidade (!) às prateleiras generosas do nosso consumismo. Esqueçam as lojas de lixo chinês. A qualidade desta gente vem aí à velocidade dos Airbus A 380!

Xangai 1999
Visitei pela primeira vez a capital comercial da China numa missão muito peculiar: descobrir se existia ou não uma vanguarda estética emergente no burburinho que então se começava a ouvir em volta da chamada arte chinesa contemporânea. Fora convidado para comissariar uma bienal de arte na cidade da Maia (de facto, um subúrbio cada vez mais embebido na malha urbana da Área Metropolitana do Porto) e a minha proposta passava por uma receita simples, mas que poderia transformar o evento num dos nós que fazem a actual rede planetária de bienais de artes plásticas: convidar, do meu comissariado em diante, uma grande metrópole mundial em cada edição da Bienal da Maia. Primeiro, Xangai. Depois, S. Paulo, Nova Dehli, Mexico DF, Lagos, etc... A receita não surtiu o efeito esperado e a bienal, nas edições subsequentes, definhou no eclectismo e nas meias tintas típicos do porreirismo lusitano. Mas o ponto desta referência é outro. Durante a primeira estadia em Xangai, a mais ocidental urbe chinesa, colonizada por franceses e ingleses, nas décadas de 30 e 40 do século passado, fiquei a saber onde Ridley Scott teria ido buscar os ambientes de Blade Runner... Uma Nova Iorque de tamanho real, mas de plástico, dourada, irreal, povoada por 15 milhões de formigas humanas e alguns milhares de Volkswagen Santana, de todas as cores metálicas possíveis e imagináveis, soando a lata de brinquedo electrónico, correndo entre milhões de bicicletas, carrinhos de mão apinhados de tralha, polícias sinaleiros e bandos de transeuntes em inacreditáveis agitações brownianas. O contraste entre os ambientes requintados dos hoteis de 5 estrelas e o resto da cidade, cujos hábitos culturais (por exemplo, de higiene) continuam a exibir uma marca bem camponesa, era abissal. Visitei museus, livrarias, estúdios de artistas e universidades de arte, de arquitectura e de têxteis. O ambiente, intenso mas espartano, de uma aula de dança (onde ter lugar é já de si prova de enorme esforço e vontade), numa escola velha, muito húmida e fria, às 9h30 da manhã, ficou inscrito na memória como um sintoma desse mistério chinês que apoquenta cada vez mais o Ocidente: uma vontade enorme de superar a miséria; saltar directamente do atraso medieval e do pesadelo maoísta para a sociedade do consumo, da tecnologia e da moda. Dos artistas contemporâneos, estratificados literalmente segundo os períodos da historiografia estética euro-americana (do Impressionismo aos restos do pós-Conceptualismo, passando por um intenso período Pop, tipicamente pós-Maoista), fiquei a saber, sobretudo depois de conhecer Zhou Thieai e a sua obra, que pressentiam já as suas futuras responsabilidades num mundo efectivamente à sua espera, mas cujos protocolos de linguagem só muito superficialmente podiam ser partilhados. Depois de Tianamen, a censura política voltava a regular as consciências no vasto Império do Meio. Apesar dos esforços contra a burocracia e a corrupção, persiste um autoritarismo invisível mas eficaz. Censura-se a Internet, censuram-se os média tradicionais (jornais e televisões), pouco se sabe dos novos e dramáticos fenómenos de desemprego, perseguem-se todas as formas de agregação ideológica independente, em suma, a arte pós-contemporânea chinesa está a braços com uma verdadeira crise cultural. Contém no seu seio uma potente energia criativa, mas teme desabrochar no seu próprio território, preferindo emigrar, quando pode, para Paris, Nova Iorque, Londres ou Berlim. Este assunto já era importante em 1999, como também percebera à época o agora desaparecido Harald Sczeeman, mas passou completamente ignorado entre os portugueses. Aturdidos pela sua insignificância, preferiram continuar a fazer salamaleques ao mimetismo tardio do museu de Serralves, bem como continuar a subsidiar a insustentável estupidez do Centro Cultural de Belém.


Xangai 2000
Voltei a Xangai no ano que se seguiu à bienal. Desta vez, a convite das autoridades chinesas, que retribuiram com a maior cordialidade o investimento da Maia. Foram dias de puro prazer! Tive então tempo de ver como Pudong, a antiga margem agrícola de Xangai, se transformara, em menos de uma década, num dos maiores centros de negócios do planeta. Um novo aeroporto, ligado ao centro da cidade por um serviço ferroviário de alta velocidade (35 Km em 8mn), ambos de concepção francesa, simboliza a verdadeira ambição de Xangai: tornar-se a principal metrópole comercial do Oriente! Em Pudong percebe-se o renascimento da China, feito de requinte tecno-oriental e de ansiedade cosmopolita, longe já dos rituais pautados por Hong Kong (cujo Governador acaba de ser demitido por manifesta falta de competência pós-colonial...) Como em Nova Iorque, os melhores restaurantes ficam invariavelmente depois do sétimo andar (de preferência no último) de um qualquer edifício de prestígio. Não me lembro do que comi, pois era, na realidade, gastronomia ocidental; não me lembro do ano vinícola do Bordeaux que escorreu dos nossos copos; mas lembro-me da atmosfera funcional e elegante do lugar, e dos rapazinhos chineses, impecavelmente vestidos de preto, que assessoravam com grande profissionalismo a bicha inglesa encarregada daquela sedutora orquestra. Noite dentro, uma outra Xangai emerge... Os bares cheios de raparigas de olhos sorridentes. Os ocidentais de meia idade, prontos a morrer a qualquer instante naqueles delicados braços de porcelana. As máfias da noite exibindo os seus Mercedes, Porche e Ferrari, como num episódio de Miami Vice. Mais tarde ainda, levado por algum intermediário simpático, visito as caves da mais solícita luxúria. Resisto, sorrio sempre, e ofereço cervejas Tiger aos circunstantes. Na manhã seguinte, depois de inspeccionar o buffet chinês, opto, uma vez mais, pelo pequeno almoço ocidental: ovos estrelados e toucinho fumado, sumo de laranja, água mineral, fatias de pão integral e chá preto. Os chineses que me acompanham fazem uma mistura de iguarias que não me atrevo a pormenorizar. Tinha levado comigo uns charutos cubanos comprados em Madrid (uma caixa de Famosos e seis inexcedíveis Fundadores), que partilhei com os meus anfitriões, obsessivos fumadores de cigarros.
Momentos memoráveis: um banquete chinês oferecido a três mil convidados na grande torre da televisão de Xangai, a que se seguiu um inesquecível passeio de barco no atarefado rio que atravessa a cidade. Na minha mesa há russos, alemães (se bem me lembro), três portugueses e dois chineses. Um dos chineses é uma autoridade (de província, suponho), e por cada vez que decide provar um intragável Cabernet Sauvignon made in China, faz-se silêncio, até que os russos entendam que é preciso fazer uma pausa na conversa, ou na mastigação, e brindar. Brindámos uma dúzia de vezes, pelo menos! Outro momento de antologia passou-se numa loja de chás, seguramente só para ricos, onde me foram dados a provar alguns dos melhores chás verdes da China. Ali percebi que havia de facto uma velha civilização chinesa à nossa espera. Comprei, entre explicações sucintas sobre o que faz realmente a qualidade de um bom chá (a quase ausência de cor, aroma e sabor muito delicados e duradouros...), duas porções escassas do precioso produto. Cada pacotinho de 50gr. custou mais de 15 Euros. O funcionário que me acompanhou nesta sessão de compras precisaria então de três salários mensais para pagar um quilo de qualquer uma daquelas bolinhas pálidas de chá. Fiquei depois a saber que alguns dos chás verdes, os oolong e os semi-pretos, de acesso reservado (quase sempre, por deferência muito especial das autoridades chinesas) chegam aos milhões de dólares por quilograma. E que outros há definitivamente inacessíveis aos mortais da nossa espécie, aplicando-se expeditamente a pena capital a quem ousar traficar com esta espécie de ouro leve, cultivado por mãos eleitas, nos Jardins Sagrados da China. Derradeiro facto memorável: paguei uma exorbitância alfandegária pelo excesso de bagagem provocado pelas inúmeras prendas recebidas das autoridades chinesas!

A provocação estatística de Belmiro
Esta crónica chinesa tem menos que ver com o facto de eu ter nascido em Macau, originalidade que gosto de exibir como marca de cosmopolitismo congénito, do que com a incorrígivel mania de querer emendar o País. Lutei contra a ditadura de Salazar e Caetano, fui trotskysta no momento próprio e voltei a preocupar-me com a Política quando o execrando Santana Lopes assomou ao poder deste País. Entretanto, o PS e a esquerda em geral ganharam as eleições. Ainda bem. Falta saber o que vai o Partido Socialista fazer com a extraordinária maioria que lhe foi oferecida. Num debate televisivo sobre o day after, nas difíceis circunstâncias em que nos encontramos, Belmiro de Azevedo lançou uma provocação oportuna e disse um grande disparate. Quando exclamou que, num Governo com menos pastas (por exemplo, sem secretarias de Estado) há menos probabilidade de errar, foi sibilino, confrontando José Sócrates com a necessidade implícita de explicar ao país a orgânica do futuro governo. A moral desta anedota tem sobretudo que ver com uma questão mais geral: a da necessidade de emagrecer o Estado, socorrendo-se, por exemplo, do mecanismo proposto pelo Bloco de Esquerda, chamado orçamento zero. Precisamos de menos Estado, mas também de melhor Estado. Precisamos, como dizia Manuel Alegre, de um Estado Estratégico. E precisamos tanto mais desta reformatação do Estado quanto, ao contrário do que afirmou Belmiro de Azevedo, a economia portuguesa depende muito menos dos empresários portugueses do que de uma acertada e sustentada estratégia governamental. O Estado não tem que se imiscuir nos negócios privados, é certo, mas tem que veicular regras cujo acerto depende exclusivamente da presença ou ausência de uma autêntica inteligência governamental. Se pensarmos nos casos irlandês, finlandês, ou chinês, ou ainda nos libérrimos Estados Unidos da América, constataremos que em todos eles a política governamental exerce um protagonismo decisivo na evolução das respectivas vidas económicas. O caso das maçãs Fuji é, por conseguinte, muito diferente do laissez faire sugerido pelo grande merceeiro lusitano.

Lisboa uma das mais competitivas metrópoles europeias?
A crise actual é antes de mais uma crise do modelo social de desenvolvimento a que nos habituámos ao longo dos últimos quinhentos anos. Desde o período das Descobertas que vivemos de uma produtividade expedita e maioritariamente alheia: as especiarias da India, os escravos de África, o ouro do Brasil, a colonização africana que se seguiu à Conferência de Berlim (até 1974), as sucessivas vagas de emigração para a América, e depois para a Europa, o turismo vândalo e, finalmente, os fundos comunitários. Esta sucessão de ciclos indolentes, essencialmente apoiados no triunfo de uma espécie de esperteza saloia, bronca e avessa ao Conhecimento e à Organização, chegou ao fim. Agora, ou mudamos ou passamos à história. O nosso destino depende, pela primeira vez em muitos séculos, daquilo a que Fernando Pessoa poderia ter chamado um factor de iluminação própria. Somos nós, e mais ninguém por nós, que teremos que saber encontrar, muito rapidamente, uma visão clara do futuro. A questão é demasiado importante para ser entregue aos economistas, ou mesmo aos políticos. Precisamos de uma origem mais forte para a solução das nossas dificuldades. A noção de povo eleitor poderia ser um princípio de solução... Por outro lado, precisamos de meia dúzia de ideias claras, simples e ambiciosas, para reencontrar o nosso caminho. A ficção do crescimento não passa disso mesmo, de uma ficção. O objectivo de Portugal não pode confinar-se a uma engenharia económica e social para a satisfação de uma minoria alargada de insaciáveis consumistas. O alvo tem que ser mais amplo e generoso. Mais inteligente e ambicioso. Mais convincente e eficaz. Não pode apostar nem na ignorância, nem na sobre-exploração dos recursos naturais e humanos, nem nas nossas proverbiais aptidões comerciais. Precisamos, isso sim, de encontrar a nossa maçã Fuji. Precisamos, por outro lado, de saber onde está o efectivo centro de gravidade do País.

ecotec: o Grande Estuário
Para governar bem é essencial fazer escolhas, decidir e executar. No caso, o futuro Governo tem toda a legitimidade para seguir em frente. Ninguém o desculpará se falhar nos sinais que vier a dar à comunidade nos próximos três meses. E que sinais poderemos esperar de José Sócrates e do seu Executivo? Francamente não sei. Mas creio saber uma coisa: precisamos de definir, no máximo, seis ou sete objectivos colectivos muito claros e mobilizadores. Quais serão eles? Apenas posso dar a minha opinião...
O principal problema da humanidade nos próximos 30 anos vai ser o problema combinado da mudança do paradigma energético e da sustentabilidade geral do sistema económico-social. Até ao final deste século, vamos ter que substituir o petróleo e o gás natural por energias renováveis (solar, hídrica, eólica, marítima, bio-diesel, despolimerização térmica e... fusão nuclear), e muito antes de 2030 poderemos assistir a verdadeiros dramas mundiais por causa das guerras territoriais em torno das regiões onde subsiste a metade remanescente da herança carbónica que temos vindo a usar intensamente desde de 1930. Se houver um curto-circuito energético global muito acentuado no decurso da próxima década, poderemos assistir à interrupção catastrófica da globalização capitalista actualmente em curso, com custos económicos e humanos imprevisíveis. Assim sendo, quer a Europa, quer cada uma das suas regiões e países tem que se preparar, desde já, para o que eu chamaria um regime de sustentabilidade forçada, i.e., no limite, cada país e região terá que se preparar para atravessar um período de seca energética e escassez abrupta de matérias primas oriundas do petróleo e do gás natural (pesticidas, remédios, vernizes, decapantes, pásticos, etc.), o qual pode muito bem vir a durar toda a segunda metade deste século!
Uma das consequências da seca energética e da extinção acelerada dos fósseis carbónicos e do gás natural será o colapso dos sistemas de transportes dependentes deste tipo de energias e matérias primas. A gasolina, o gasóleo, o ferro, os plásticos e muitos outros recursos não renováveis tornar-se-ão incrivelmente caros por volta de 2020, ou mesmo antes. Como consequência, o comércio mundial afundará numa série de crises cada vez mais profundas. Os mercados financeiros poderão, pura e simplesmente, pulverizar-se. E a probabilidade de conflitos bélicos de larga escala (nucleares, químicos e biológicos) aumentará exponencialmente. Assistiremos, em suma, a deslocações massivas de populações em direcção às grandes cidades e a todos os entrepostos comunicacionais. Prioridades para Portugal? As que se seguem, parecem-me inevitáveis.
— Preparar as grandes cidades, Lisboa e Porto, para este cenário.
— Criar redes de mobilidade humana e comercial de mercadorias altamente eficazes, velozes e sustentáveis em termos energéticos.
— Conferir poderes excepcionais de planeamento e execução às regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.
— Dar prioridade absoluta ao desenvolvimento estratégico de Lisboa nos próximos 20 anos, começando por alargar o respectivo centro de gravidade à margem Sul do Tejo (perpendicularmente ao eixo compreendido entre a Trafaria e Alcochete).
— Concentrar o máximo de recursos financeiros disponíveis em parcerias estratégicas internacionais, a sediar no nosso país, dedicadas ao desenvolvimento científico e tecnológico das energias alternativas e ao desenho experimental de sociedades pós-industriais e pós-carbónicas.

Para aqui chegar proponho, desde já, um objectivo táctico imediato: preparar uma candidatura aos Jogos Olímpicos de 2020 assente numa filosofia eco-tecnológica rigorosa.
No plano social, à semelhança do Banco Alimentar contra a Fome, deveríamos criar um grande Banco de Horas, dedicado a rentabilizar um recurso imenso e completamente desperdiçado: o tempo dos reformados, o tempo dos desempregados, o tempo dos que procuram o primeiro emprego, o tempo de quem gostaria de fazer algo mais, para além a sua particular rotina de trabalho convencional. O tempo da solidariedade e do compromisso civilizacional...
Sem querer ser pioneiro em coisa alguma, sempre adianto que levo estas ideias muito a sério desde há algum tempo. Em estreita parceria com o arquitecto Carlos Sant'Ana e um bom grupo de colaboradores, comecei mesmo há cerca de quatro meses um projecto cujas preocupações vão neste mesmo sentido. Chama-se o Grande Estuário e poderão acompanhá-lo no sítio web que entretanto estamos a montar para a sua melhor difusão na comunidade. LINK
Na China, o fim das refeições é frequentemente assinalado pela presença de pedaços de melancia e de maçã. A melancia simboliza a saúde e a energia, a maçã, representa a imortalidade. Curiosamente, os chineses de hoje, conscientes da cientificidade do chamado Pico de Hubbert (que atribui ao petróleo uma vida útil de 100 anos...), acabam de eleger a questão da sustentabilidade como uma das suas grandes prioridades estratégicas. Não foram os principais esbanjadores de energia e de matérias primas. Mas talvez possam vir a ser os mais importantes protagonistas no inadiável esforço de transição para uma globalização pós-carbónica e pós-consumista.

O-A-M #71 28 Fev 2005

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Maiorias absolutas 2

a rose is a rose

O PS a umas horas da maioria absoluta tem pela frente o terrível desafio da verdade, sobre a qual nenhum manto diáfano poderá amaciar a crua realidade das nossas dificuldades.


As últimas sondagens dão uma probabilidade altíssima à maioria absoluta do PS. Mas também dão grandes resultados ao PCP, e sobretudo ao Bloco de Esquerda, que, empatados, andarão à roda dos 7% cada um. Os partidos do Governo demissionário afundam, como se esperava, e Paulo Portas poderá muito bem avançar para uma cisão a prazo do PSD, levando consigo Pedro Santana Lopes e a sua pandilha (autarcas incluídos).
Mas como avisam Medina Carreira, Silva Lopes e Miguel Cadilhe, entre outros, a coisa não está para brincadeiras. O Estado da endogamia perdulária, da preguiça, da irresponsabilidade e da subsídio-dependência tem que dar lugar, quanto antes, a um Estado mais elegante e sobretudo mais eficiente. Os que pagam impostos não estão dispostos a suportar o descanso medíocre de quem não trabalha porque prefere a bicha dos subsídios e das bolsas sem fim. O Estado tem que se ater apenas ao que é essencial, e de forma diligente, poupada e eficaz. Temos todos que saber transformar o desemprego em desemprego criativo, i.e. em actividade e investimento. Por exemplo, um desempregado (porque perdeu o emprego, ou porque ainda não encontrou o seu primeiro posto de trabalho) poderia exercer a actividade para que está preparado a troco de um simples per diem e de um crédito de horas, cuja cobrança em tempo ulterior seria garantida por um banco de horas devidamente avalizado pelo Ministério das Finanças. As empresas, por sua vez, poderiam recorrer a empréstimos de horas de trabalho, dispondo assim de uma modalidade suplementar de financiamento das suas actividades. Em suma, tal como sucedeu na Argentina, temos que nos virar, e já! O próximo Governo, por si só, não poderá, mesmo que queira, resolver em tempo os gravíssimos problemas que temos pela frente. A herança, que dura desde a India, acabou. Precisamos, pela primeira vez, de trabalhar. E o primeiro passo a dar, da responsabilidade do futuro Governo PS, é moralizar a cidadania, acabar com as mordomias escandalosas e promover um Estado eficiente. Boa sorte Sr. Engenheiro!
PS — Só mais um aviso: a maioria absoluta é mesmo necessária à estabilidade relativa de que necessitamos para levar o nosso destino a bom porto. Está muito perto de realizar-se, mas ainda falta votar...

O-A-M #70 18 Fev 2005

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Bloco útil

simbolo IV Internacional

Debate televisivo.
Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação.


Regressei hoje de Madrid depois de uma semana algo agitada. A ETA fez explodir um engenho propagandístico a uns trezentos metros da porta principal do Recinto Ferial de Madrid, ferindo quarenta e duas pessoas com estilhaços provocados pela onda de choque. Ardeu por completo um dos arranha-céus emblemáticos da cidade (o edifício Windsor). PSOE e PP comungam argumentos e arengam picardias em volta das vantagens de votar Sim no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu, que terá lugar este Domingo. Os canais públicos e privados de televisão continuam a dedicar-se entusiasticamemte ao tele-lixo. A Gran Via tem cada vez mais putas e chulos africanos e latino-americanos. Os asiáticos, sobretudo chineses, continuam, como formiguinhas, a construir a China Town Madrid. A feira de arte continua no impasse. O El País dedicou duas páginas à crise portuguesa (adoram as nossas depressões!) Em suma, os restaurantes étnicos começam finalmente a oferecer alternativas decentes aos eternos calamares fritos andaluzes, à paelha valenciana, ao pulpo galego e à tortilha espanhola. Escutando uma conversa de Metro, fiquei a saber que, afinal, o alcoviteiro Santana não passa dum homossexual recalcado. A prova estaria nas tareias que o citado teria dado em todas as mulheres que foram ao castigo, excepto uma, que lhe partira o braço. “Está provado!” assegurava furiosamente o português pequenino à que parecia ser sua esposa, de meia-idade, bem fornecida de carnes, de peles e de muita laca, no regresso acalorado ao hotel, depois de uma peregrinação aparvalhada pelos pavilhões 7 e 9 do ARCO. Quando chego a Lisboa, naquele estado de semi-alucinação que caracteriza a última e terrível hora de uma condução nocturna depois de sete dias de trabalho, leio num cartaz do PS mais uma alusão soez à putativa homossexualidade do candidato a Primeiro-Ministro, pichada, seguramente, pela central de contra-informação e provocação da canalha santanista. Regresso à realidade. Fui dormir descansado.

A tarde anunciava-se magnífica. Depois de uma pescada com grelos e cenoura, sem sal e regada com azeite, fui dar um passeio pela praia de Carcavelos. Cães saudavelmente à solta. Temperatura primaveril. Corpos buscando o bronze fora de época. Gente linda. A companhia agradável dos surfistas esperando pelas suas ondas. O som do mar e do Sol. O horizonte cinematográfico. O decrépito Narciso ainda por demolir. O Ministério do Ambiente regularizando a orla, como que a pedir mais uns votos para Paulo Portas. Ouvir de novo a Cândida. Saudades súbitas da filha que deixara quinze horas antes em Madrid. A minha praia... Trocá-la por outro paraíso qualquer? Os 42 voos que saiem semanalmente para o Brasil bailam frequentemente no painel das opções anti-crise. Seria capaz de deixar a minha praia? Nunca se sabe...

O combate político das oito e trinta chegou finalmente. Atacado por uma afonia radical, o representante comunista viu-se obrigado abandonar o estúdio da RTP depois de balbuciar algumas palavras duras contra a hipocrisia da direita no que toca às pensões de reforma. O actual primeiro-ministro esteve igual a si próprio, e por isso não convenceu ninguém sobre as suas intenções (paz à sua alma política!) O futuro primeiro-ministro esteve francamente melhor do que nas aparições anteriores (mas só por uma unha negra conseguirá a almejada maioria absoluta). Paulo Portas, na pretensão idiota de conciliar a sua homossexualidade escondida, como um direito de privacidade indiscutível, com a devassa e o castigo que continua a pretender infligir às mulheres que se vêm forçadas à interrupção voluntária da gravidez, bem pode pregar às classes médias, que estas, cada vez mais empobrecidas e ameaçadas pela liberalização dos serviços de saúde, só se fossem completamente tontas, lhe dariam um voto sequer. Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação. Digo a um passo, porque para chegar a convencer-me a mudar a minha intenção de votar no PS teria que ter dito uma frase mágica: sim, se for preciso, o Bloco de Esquerda estará disposto a viabilizar os orçamentos propostos pelo futuro governo do PS, afastando por um razoável período de tempo a direita do poder, e garantindo um efeito moderador em todos os sacrifícios que vierem a ser pedidos aos portugueses na corrida económica que se avizinha.

Seja como for, Francisco Louçã foi o mais convincente líder político desta campanha eleitoral. Sempre teve uma formação marxista mais sólida do que a de Durão Barroso ou de António Gueterres. É um economista de formação. Já percebeu que o futuro que aí vem — no plano geo-estratégico mundial — é mesmo preocupante. Sabe que a sua voz vai ser marcante nos próximos anos da vida política portuguesa. Falta-lhe, tão só, arriscar-se a governar. Trotsky fá-lo-ia certamente nas actuais circunstâncias civilizacionais.

No boletim da IV Internacional (Trotskysta) pode ler-se, a propósito da transformação táctica do PSR em associação política: Le congrès a donc pris la décision de se transformer de parti en association, en ajustant l' intervention de la section de l' Internationale au changement de conditions qui avait eu lieu, et dans l' intention de donner à cette intervention une base plus solide et plus réaliste. Les textes votés répondent aussi à diverses questions politiques et d' organisation d'une actualité brûlante, en rejetant par exemple les tentations ministérialistes et en réaffirmant la validité du centralisme démocratique comme principe d' orientation du fonctionnement interne de l' association.

O-A-M #69 16 Fev 2005

domingo, fevereiro 06, 2005

Voto útil

Aqueles que hesitaram nestas últimas semanas sobre o acerto de votar no Partido Socialista, inclinar-se-ão proximamente para esta opção, independentemente de gostarem mais ou menos de José Sócrates.


Já todos percebemos que a situação económica e social é muito difícil. Que não há milagres ao virar da esquina eleitoral. E que são pouco credíveis as mensagens que apregoam facilidades (diminuição do Imposto Automóvel e outras barbaridades). Por outro lado, parece cada vez mais evidente a necessidade de uma solução governativa estável para os próximos quatro anos. Sobretudo, se pensarmos na evidente necessidade de assegurar alguns programas de acção governativa a médio prazo, tais como a redução dos efectivos da Função Pública, a redução da Burocracia, a reforma do Sistema Educativo, o aumento dos níveis de eficiência do Sistema Nacional de Saúde, o controlo estratégico da Dívida Pública, a Regionalização (ainda que sob a forma gradual de uma descentralização profunda e efectiva das competências, meios e responsabilidades actualmente sediados em Lisboa), a reordenação do território e a transição dos actuais paradigmas energético e de crescimento para um sistema de referências radicalmente novo (energias pós-carbónicas, criação de Regiões Metropolitanas dotadas de poderes supra-municipais efectivos e Desenvolvimento Sustentável.)

Seria desejável que uma coligação de esquerda (PS-BE), pontualmente apoiada pelo PCP, pudesse garantir a maioria política e social necessária ao difícil caminho que temos pela frente. Uma tal coligação poderia arrefecer o entusiasmo voraz das clientelas pró-socialistas (as partidárias de sempre, as oportunistas de sempre e ainda as que sempre brotam de novo nestas ocasiões), evitando assim a repetição do triste enredo dos “jobs for the boys”. Ultrapassando-se, deste modo, a caldeirada morna do Bloco Central, teríamos seguramente e pela primeira vez uma oportunidade de ouro para quebrar a espinha à endogamia promíscua e corrupta que há muito apodrece a eficácia e competitividade das nossas elites. Por outro lado, devido ao seu peso parlamentar, uma tal maioria permitiria ganhar balanço suficiente até às próximas eleições presidenciais, por forma a garantir, já agora, a eleição de António Guterres ou Freitas do Amaral (em vez de Cavaco, ou Rebelo de Sousa), reforçando desta forma um poderoso bloco político de mudança. Seria uma solução bem mais sólida do que a de uma simples maioria absoluta do PS. Mas para isso era preciso que o Bloco de Esquerda fosse mais ágil na percepção das rápidas mudanças actualmente em curso na sociologia eleitoral do País. O que não aconteceu até agora...

Aqueles que hesitaram nestas últimas semanas sobre o acerto de votar no Partido Socialista, inclinar-se-ão proximamente para esta opção, independentemente de gostarem mais ou menos de José Sócrates. Trata-se de um problema de voto útil. E também da confiança possível entre dois protagonistas: o líder do Partido Socialista e o patético Santana.

Ao contrário, na banda direita do espectro eleitoral, o voto útil pode muito bem repartir-se entre o PS e o PP. Se tal suceder, o PSD (vítima de um demagogo desastrado e imprevisível) mergulhará numa séria crise de sobrevivência. Paulo Portas, esse, seguirá um auspicioso destino. Estava escrito!


O-A-M #68 06 Fev 2005

domingo, janeiro 23, 2005

Socrates 5


Poderemos, desta vez, desfazer o bloco central que há 30 anos nos governa? Duvido. Os pequenos partidos, quando menos se esperava, continuam a decepcionar.


O Sapo e os principais partidos da actual disputa eleitoral (à excepção do Bloco, que recusou, e bem, aceitar o convite palhaçada do pior portal do mundo) anunciaram com pompa e circunstância que, desta vez, a batalha política se estenderá, qual virose entusiasta, à blogosfera. Uma visita relâmpago aos ditos blogues deu-me a pura imagem do analfabetismo tecnológico e comunicacional do nosso espectro partidário. O blogue de Santana Lopes, coitadinho, continua na incubadora e em branco, 48 horas depois de posto no ar. Os do PS, PCP e PP exibem umas notinhas de circunstância, supostamente assinadas pelos respectivos líderes, e ainda, para já apenas no blogue do PS, alguns despachos noticiosos cinzentos da respectiva máquina eleitoral. Como alguém já escreveu, isto não são blogues. De facto, são apenas sintomas de uma enorme indigência cultural. Não, não vos passo os links para coisa tão vergonhosa. Alguém terá um dia que acabar com a absurda protecção dada ao cartel PT-Telepac-NetCabo-Sapo-Diário de Notícias-e-quejandos... de que iniciativas mentecaptas como esta são exemplo.

Mas vamos ao resto da campanha. Depois de um exasperante silêncio PS (para já não falar do tristíssimo episódio Paulo Pedroso — uma vergonha!), eis que finalmente as Novas Fronteiras anunciam as principais intenções do partido melhor posicionado para formar Governo depois das eleições: crescer; reduzir a dependência energética dos combustíveis fósseis (e importados); emagrecer e aumentar a eficiência e transparência da Administração Pública, com base em regras declaradamente razoáveis, criar os famosos 150 mil postos de trabalho durante a próxima legislatura, rever os critérios de privatização da Saúde, reorientar as prioridades estratégicas da Educação (domínio generalizado de um segundo idioma e insistência nas disciplinas tecnológicas), avançar com a co-incineração dos resíduos perigosos, retomar o programa Pólis, e... convocar um referendo sobre o Aborto. Creio que os destaques ficaram por aqui. Temas, para já, intocados: a Justiça (uma ferida que continua a sangrar), a Burocracia, os Impostos, a Corrupção e aquilo a que chamaria problemas de Cidadania (carros em cima dos passeios, cartazes publicitários e partidários colados à toa e em toda a parte, pandemia futebolística, despolitização massiva das gentes, consumismo desmiolado, persistência da promiscuidade entre o Estado e meios de comunicação, reprodução endogâmica das elites e persistência das redes clandestinas de partilha do poder, etc.) Subscrevo, em abstracto, todos os destaques. Não creio, porém, que sem uma reforma drástica do sistema da Justiça e um ataque em força à inércia burocrática deste País, qualquer reforma possa avançar.

Devemos, no entanto, reconhecer que a descida das intenções de voto no PS, nomeadamente por causa da trapalhada Paulo Pedroso e da grande falta de à-vontade, rigidez e contradições exibidas pelo candidato a Primeiro Ministro, pode, depois do dia de hoje, iniciar uma esforçada corrida para retomar o tão desejado patamar da maioria absoluta de um só partido. A melhor ajuda vem, aliás, da mais completa falta de ideias exibida pelos restantes competidores, começando pela tourada eleitoral em que se transformou a campanha do PSD, e acabando na completa desilusão causada pelas campanhas de Francisco Louçã e Paulo Portas. O debate entre eles, na SIC, foi confrangedor!

Creio que faria bem ao sistema político português que estes dois pequenos partidos crescessem. Evitar-se-ia, finalmente, os malefícios evidentes do consistente e efectivo bloco central que há demasiado tempo nos governa (mal). Mas para isso, é essencial que estes partidos trabalhem. Isto é, que sejam capazes de desenhar modelos programáticos alternativos, originais, com substância, credíveis (mesmo quando são radicais). Ora disto, nada vimos até ao momento. Paulo Portas regressou inesperadamente aos trocadilhos e às graçolas jactantes. E Francisco Louçã, por sua vez, parece apavorado com a possibilidade de vir a ser Ministro, e faz tudo para desmerecer tal hipótese. Agarrado ideologicamente aos temas do aborto, do emprego e da guerra, para já não falar da manifesta alergia do Bloco ao Tratado Constitucional da União Europeia, esqueceu-se do principal: gizar uma visão própria do Mundo, definir um programa mínimo de actuação política para os próximos 10 anos, e estabelecer os limites de uma possível colaboração institucional com o Partido Socialista no caso de este vencer as próximas eleições sem maioria absoluta. Deixando-se ficar atolado na maré dos princípios e das divergências, o Bloco poderá crescer um bocadinho, mas acaba, no fundo, por abrir caminho à maioria absoluta do PS. O bloco central, agora na modalidade já experimentada pelo PSD, irá, como se vê, continuar.

Alguém terá que ter a coragem de propor uma nova agenda de prioridades civilizacionais para o futuro (de espanto e pavor) que nos espera no horizonte temporal de uma, duas ou, no máximo, três décadas. Não sei se já repararam que o maior jogo de guerra da história humana já começou. Não sei se já repararam que o motivo dessa guerra é muito sério (trata-se de dominar as principais reservas de petróleo e de gás natural do planeta, num quadro de ruptura eminente do actual paradigma energético nas sociedades industriais). Não sei se já repararam que a actual Administração americana pode muito bem protagonizar a transformação decisiva dos Estados Unidos no mais perigoso agressor mundial. Não sei se já repararam que a população portuguesa e europeia parou de crescer e envelhece a um ritmo insustentável. Não sei se já repararam que há centenas de milhar de casas vazias por essa Europa fora, incluindo obviamente Portugal, e que, portanto, se esgotou de vez o modelo do desenvolvimento derivado da construção civil. Não sei se já repararam nas consequências nefastas que o apetite de recursos energéticos e de matérias primas e alimentares, por parte dos EUA, da China e da India, tem actualmente, não apenas em África, México, América Central e do Sul, mas também no Canadá e na Europa! Já pensaram o que nos sucederá a todos no dia (provavelmente azul e completamente inesperado) em que se verificar o grande crash energético? Multipliquem-se, primeiro por 2, depois por 4, e depois ainda por 10, os actuais gastos mensais em gasolina e começaremos a ter uma pequena ideia do pesadelo que se avizinha. Se fizermos uma lista da quantidade e variedade de produtos, de que dependemos diariamente, oriundos da transformação do crude e do gás natural, então a sensação de desespero tornar-se-à quase inevitável. Proteger todos os recursos, mudar de economia e mudar de vida são as únicas e inevitáveis agendas políticas que poderão mitigar a dolorosa metamorfose que se avizinha, sorrateira mas inexoravelmente, como um maremoto bem mais terrrível do que aquele a que assistimos no mês passado. Os pequenos partidos bem podiam começar a discutir serenamente estes assuntos.

Notas

— Começa a ser descarado o apoio da SIC ao PSD; ao menos, assumam-no sem falsos objectivismos!
Margens de Erro, de Pedro Magalhães, um blogue a não perder sobre análise comparativa de sondagens.
— A reacção supostamente homofóbica de Francisco Louçã à hipocrisia vitalista de Paulo Portas, quando este se proclamou defensor da supremacia fetal sobre a vida humana constituída (como se o seu opositor fosse defensor da morte), tem causado algum espanto entre uma parte da comunidade homossexual. No entanto, a comunidade gay deveria perceber duas coisas muito simples: que a indignação de Louçã foi genuína e politicamente ajustada à provocação de Portas; e que a hipocrisia de Portas não merece qualquer solidariedade cor-de-rosa. Primeiro, saia do armário, e depois faça política coerentemente!

O-A-M #67 23 Jan 2005 [actualizado 24 jan 05]

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Cavaco Silva 1

Cavaco Silva

Os pedófilos continuam à solta, arrogantes e, pelos vistos com poder. Dos fracos não reza a história e parece que um destes irá parar a Primeiro Ministro sem saber ler nem escrever. O naciturno demitido continua a levar estaladas e a delirar. Teremos mesmo que votar no Bloco? Que venha o Cavaco, porra!


Depois do terramoto de 1755 a Europa nunca mais foi a mesma. Se Deus tratava assim os seus mais dedicados e submissos servos, ficava provada à evidência que, das duas uma, ou aquela enteléquia não passava de espuma metafísica, ou seria um ente sádico consumado. Como de nenhuma destas alternativas poderia decorrer a prova da existência divina, o melhor seria mesmo enterrar o respectivo dogma e começar a reduzir os vendilhões do templo à sua expressão mais simples. Napoleão, e antes dele Henrique VIII, compreenderam-no perfeitamente, e começaram assim a heroica tarefa de dar a César o que é de César (e depois ao Povo o que é do Povo), limitando com clareza os latifúndios, até aí escandalosamente vastos e laicos, dos vários cleros em exercício. A ironia permaneceu: enquanto isto se passava na Europa além Pirinaica, permitindo a essa Europa desemburrar e preparar-se para a liberdade democrática, pelas Espanhas, ao contrário, persistiram o poder, as mordomias e o atavismo cultural dos anafados vigários do Senhor. O resultado está bem à vista na pantomima em que se transformou a chamada política à portuguesa: continuação da interferência indevida da hierarquia católica na vida laica do País; endogamia persistente no seio das castas dominantes (onde continuam a predominar Ordens, Irmandades e Obras clandestinas); subsidiodependência; analfabetismo (literal e funcional); autoritarismo estatal e burocracia; corrupção; bloqueio mental generalizado; pequenez e, osso realmente duro de roer, uma incurável pandemia de social-porreirismo, irresponsabilidade cívica, laxismo e estupidez.

A democracia foi uma choldra durante a Primeira República. A democracia continua a ser uma choldra na Segunda República. No intervalo entre ambas ocorreu um espirro de ditadura de aldeia, isolacionista e fervorosamenmte católica (apesar da Concordata). Os condes de Abranhos dominaram sempre e continuaram a dominar enquanto houve mesadas generosas para gastar, longe da ralé de pé descalço, ranho no nariz e massa cinzenta atrofiada. O pior agora é que Papá faliu, as árvores das patacas secaram e parece que o Além vai deixar de subsidiar a nossa proverbial pacatez. Vêm aí os Espanhois?! Não, vem aí toda a gente!

Vamos ter novas eleições. E a pergunta pertinente é: servirão para algo? O PSD, entregue como está, a uma pandilha de “teddy boys” corre o risco de ser partido ao meio depois das eleições, indo uma das metades parar ao cesto de Paulo Portas, e a outra, ao regaço de Manuela Ferreira Leite. O PP de Paulo Portas tem aqui a sua grande chance de crescer até aos 10-15%, sobretudo se souber apoiar Cavaco Silva. O Bloco, cujo líder teve entretanto o cuidado de extinguir o PSR, pode igualmente crescer em movimento simétrico ao do PP, bastando para tal manter um discurso político europeu actualizado, por contraposição aos tiques primitivos de que enfermam boa parte dos restantes políticos em todo o restante espectro político. O Partido Socialista, se não conseguir derrotar a manobra provocatória de Paulo Pedroso, acusado uma vez mais de pedofilia, só que desta vez, em tribunal, pelo confesso Bibi..., bem pode começar a descontar da sua contabilidade eleitoral umas boas dezenas de milhar de votos, a começar pelo meu. O PCP já não conta, ou contará cada vez menos. E o pseudo partido dos salamaleques, capitaneado por esse indescritível pedaço de asno chamado Manuel Monteiro, não passa de um erro de casting televisivo. Resumindo, somos bem capazes de ter pela frente o cenário seguinte: um PS de novo em minoria, i.e. maioria relativa [20.02.2005], na Assembleia da República, dilacerado pelas suas actuais contradições internas (que a avaliar pelo caso Paulo Pedroso, têm que ser muito sérias e preocupantes); Santana, completamente estirado no tapete da noite eleitoral, murmurarndo umas frases astrológicas indecifráveis; e dois inesperados vencedores: Paulo Portas e Francisco Louçã. Deste último dependerá, muito provavelmente, a estabilidade governativa até ao fim do novo e curto ciclo governativo do Partido Socialista.

Alguém sugeriu que eu estava a delirar. É bem possível. Mas também é possível que os meus raciocínios façam algum sentido, e nesse caso, esperam-nos tempos muito curiosos. Se assim for, que mil novos partidos e organizações políticas floresçam por esse País fora. Precisamos todos de uma grande varridela cultural e de sangue novo à frente das engrenagens que fazem mexer esta praia solarenha e preguiçosa. Seria bem bom que isto, em vez dos pactos podres sugeridos por Jorge Sampaio, e das miragens de Salvação Nacional estremunhadas por Mários Soares, acontecesse antes do desejado Cavaco Silva ascender ao poder.
O-A-M #66 04 Janeiro 2005

sexta-feira, dezembro 31, 2004

Europa

Rapto de Europa, fresco, Palacio de Cnossos, 1700 AC

Lisboa está bem mais perto de Istambul do que parece.


Religião e autoritarismo caminharam de mãos dadas em ambas as culturas ao longo dos séculos. O nosso Catolicismo contra-Reformista e o Islamismo deles não são assim tão diferentes. O sangue Fenício e o sangue mourisco correm há muito nas nossas veias (e nas deles). A predominância cultural céltica que marca, ao longo dos tempos, o desenho da identidade Lusitana, Galega e finalmente Portuguesa, nomeadamente contra a expansão Maometana, não ignora nem renega a brisa de civilização e poesia trazida até à Península pelo Islão. Cairíamos, infelizmente, num grande logro, se não víssemos as semelhanças que há entre uma boa parte da Turquia e Portugal. Espero que o PS, o PSD, o PP e o Bloco de Esquerda entendam estes factos elementares, e não percamos todos, enquanto País, a oportunidade de patrocinar a lógica e necessária integração da Turquia na Comunidade Europeia.
Faço igualmente votos para que venhamos a ter brevemente uma Constituição Europeia, cuja redacção e conteúdo se devem restringir ao essencial. E o essencial é: definir a Europa como uma poderosa comunidade de cidadania livre e democrática, racional, sustentável, solidária e defensora da utopia humana.

O-A-M #65 31 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Embaixador arredio

Ilha Phuket

Quem já alguma vez passou pela desagrável experiência de precisar do seu Embaixador, Encarregado de Negócios ou simples Cônsul, sabe que eles nunca estão... Nem sei mesmo para que lhes pagamos. Não seria melhor acabar de vez com mais esta fantasia de Estado?


A SIC já lá está, a TVI e a RTP também, tal como a AMI e outras organizações de apoio e solidariedade, mas o Embaixador Português na Tailândia, que dá pelo nome de João Lima de Pimentel, não. Pior ainda, ouvimo-lo fazer declarações radiofónicas (não sei se televisivas também), sobre a evolução da tragédia provocada pelo maremoto que atingiu mais de sete países asiáticos, entre os quais a Tailândia, onde por sinal, se registavam já informações sobre turistas portugueses mortos e desaparecidos. O senhor embaixador estava, ao que parece, de férias. Mas não é precisamente nas épocas de maior afluência de portugueses à Tailândia que o diplomata lá deve estar?! Pelos vistos, não. E além do mais, ao senhor Embaixador não lhe apetecia passar o ano novo em Banguequoque, no meio daquela trapalhada toda.

Fiquei estupefacto com a displicência do homem. E mais ainda com a eufórica “célula de crise” capitaneada, muito tu cá tu lá, pelo jornalista assessor Carneiro Jacinto (enquanto o atendedor de chamadas em Banguecoque revelava em litania atroz a incompetência do próprio serviço). A fantástica “máquina” do MNE, anunciada em prime time televisivo pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros poderia ter sido uma ideia hilariante dos plagiaristas do Herman, mas infelizmente foi apenas mais uma demonstração da imbecilidade terminal do actual Governo. Seria difícil uma encenação mais caricata em volta de um Embaixador tão imprudente (preguiçoso e inconsciente!). Será que o intocável ouviu alguma vez falar da dimensão simbólica das representações e dos gestos diplomáticos? Passar-lhe-à pela mente vaga que os portugueses atingidos pela catástrofe, os seus familiares em Portugal e todos nós que vivemos vicariamente a tragédia alheia, esperavamos algo mais dos diplomatas — e sobretudo do seu sentido de Estado — do que um pequenino encolher de ombros?

Foram precisas 48 longas horas, ou mais, para que alguém deste Governo indigesto acordasse do turpor em que se encontra e, abanado insistentemente pelos média, lá tomasse a decisão de despachar o diplomata temeroso para a região. Que vergonha! Que inépcia! E as palavrinhas do PM! Coitado, também ele ficou sem férias... como se alguém tivesse direito a férias antes de cumprir um ano de contrato!

Nestes tempos de penúria orçamental, visto e revisto o panorama das nossas Embaixadas e Consulados por esse planeta fora, talvez não fosse má ideia privatizar o MNE, abrindo às leis da concorrência a prestação do inestimável serviço público implícito na necessária representação diplomática do nosso País. Os nossos impostos não podem ser desperdiçados com a decadente e inepta aristocracia que há tempo demais se acantona no Palácio das Necessidades.

O-A-M #64 29 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Instituto das Artes 1

dollarStrip

“Dêem-lhe bifes!” — terá sugerido alguém um dia, para calar a pena nervosa dum jovem crítico de arte. Deste memorável lampejo de lucidez mecenática à subsidiodependência e à subsidiomania resta um historial de 30 anos. Entretanto, esta borbulha está prestes a rebentar. Não há outra alternativa que não passe pelo domínio do famoso monstro da dívida pública.


Recebi ontem um e-mail muito irritado contra os critérios de atribuição de subsídios por parte do Instituto das Artes (caricatura terminológica do famoso ICA de sua Majestade britânica). Remeti a denúncia, como me era pedido, para as minhas listas de correio, não sem antes lançar algumas achas para a fogueira que consome inexoravelmente a amostra de Estado providencial que nos tocou viver. Assim, quando no dito mail se pedia a extinção do IA, por causa da bagunça que parece ter acompanhado a selecção de projectos a subsidiar este ano, eu acrescentei: já que estão com a mão na massa, o melhor seria editar um livro branco sobre o assunto. E que alguém o faça deixando em paz as desgraçadas artes plásticas e afins, que por junto receberam este ano menos 90 mil Euros do que o Teatro da Cornucópia (o qual só para si, servindo uma produtividade absolutamente exígua e ideologicamente cansada, receberá a módica quantia de 598.557,48 Euros! )
Um tal livro, fruto de tese inconvenientíssima dum doutorando de história de arte, deveria incidir, isso sim, no teatro e no cinema, e dar à coisa um ar sério, de quem não fez aquilo para ir parar à Culturgest ou ao CCB. Como todos sabem, o mercado vem impondo, pelos menos desde 2000, restrições orçamentais sérias em toda a vida económica do País. Qualquer produtor ou prestador de serviços (designer, arquitecto, banda de rock ou DJ) sabe como teve que reduzir os seus orçamentos e honorários para se manter dentro do mercado. Sabê-lo-ão os agentes do nosso teatro e do nosso cinema? Alguém terá muito brevemente que ter a coragem de levar a verdade a este limbo bem-pensante e melhor vivente da sociedade portuguesa. As regras duras (e injustas...) do mercado têm que começar a valer para todos. Se um galerista de arte vender menos pintura, ganhará menos, e logo não poderá trocar de carro. Se o director de uma companhia de teatro, ou um realizador de cinema, não vendem nada, deveriam adiar a construção da nova casa em Maceió! E por aí adiante...
Depois, ou de caminho, e muito antes de atacar os pobres artistas plásticos, galeristas e comissários, haveria que começar por poupar no CCB, em Serralves e no Museu do Chiado. Desde logo, sujeitando os respectivos cargos directivos e executivos especializados a concurso público internacional (no mínimo eurocomunitário). Depois, exigindo-lhes resultados. E finalmente, se não conseguissem melhorar as suas performances, operando uma reestruturação radical do sistema de museus e centros equiparados dependentes do erário público. Em tempos sugeri uma solução (ver Blog n.8), creio que razoável: concentrar todo o sistema museológico e de gestão das artes em dois departamentos: o da cultura analógica (metendo pré-históricos, medievais, modernos e contemporâneos no mesmo saco analítico) e o da cultura digital (dedicado à metamorfose da cultura e das artes nas sociedades democráticas, pós-industriais e tecnológicas). Podem ter a certeza que pouparíamos muito dinheiro e criaríamos finalmente um corpo vertebrado de funções, expectativas, ideias e resultados. Os pagadores de impostos, aturdidos pelo desemprego e pelos desvarios governamentais, agradeceriam o esforço de humildade e inteligência.

O aumento da transparência administrativa no que diz respeito à atribuição de subsídios é uma coisa boa, pois serve para moderar excessos e criar regras democráticas de acesso aos apoios do Estado. Permite, por exemplo, que se discutam publicamente os critérios de selecção empregues pelos júris, e permite também discutir os próprios critérios de selecção dos jurados. Neste particular, creio que ainda há muito por fazer. A formação de um júri, por exemplo, deve ter uma lógica representativa, e a repetição de personalidades nestes postos de decisão deve ser regulada de forma muito cuidada e transparente, de modo a não parecer que há uns jurados com assinatura vitalícia (a que correspondem, depois, uns eleitos sistemáticos que parecem também andar como um passe para subsídios no bolso.) A transparência democrática tem pois o mérito de permitir, a prazo, maior equidade e menos abusos.

O estado precário das nossas artes decorre, porém, menos da falta de subsídios, do que da sua má administração. A tendência de fundo em toda a Europa (em todo o Mundo!) é para o encolhimento do Estado providencial onde exista. Assim sendo, devemos exigir uma melhor administração, menos cabotinismo, menos clientelismo e menos endogamia. Finalmente, parece óbvio que o actual Estado providencial lisboeta ainda se não deu conta das minorias urbanas, suburbanas e étnicas que fazem hoje parte integrante e produtiva da nossa sociedade e da nossa cultura. O multiculturalismo tem que deixar de ser uma moda afectada para passar a ser um estado de activismo social e cultural efectivo. No campo cultural, como nos outros, o Estado tem que saber gastar os dinheiros de forma estratégica, e deixar, de uma vez por todas, de usar as artes como vitrina e écrã da sua vaidade politiqueira.
Esperemos que o futuro governo PS saiba mudar de agulha.

Link: Instituto das Artes


O-A-M #63 14 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 08, 2004

PP na corda bamba

Enola Gay

Paulo Portas também tem uma ‘bomba atómica’ e prepara-se para a lançar... sobre o epicentro do PSD: Santana Lopes.



Conjecturemos então um pouco sobre a actual crise política... O PP de Paulo Portas sopra para os meios de comunicação social que por menos de 14 deputados não aceita levar Santana Lopes ao colo até às urnas de Fevereiro. Suspeita que a procissão vai tresandar a incenso e quer beliscar o menos possível, se não mesmo recompensar, a sua excelente performance ao longo dos dois últimos governos, papando aos pontos tanto José Manuel Barroso, como Pedro Santana Lopes. Como? Pois mantendo a sua quota parlamentar, sabendo que se o PPD de Santana Lopes aceitar tal condição, o fará mordendo a sua própria cauda (até onde, ninguém sabe...) Ou então, se a isso for levado, concorrendo sozinho, fazendo tudo por tudo para não perder votos. É aqui que está o busilis da presente crise!

Santana Lopes vai inevitavelmente perder milhares de votos, dezenas de mandatos e muito provavelmente a sua própria cabeça política. Não deixará o lugar sem esbracejar, mas será concerteza empurrado para fora do núcleo duro da PSD pelo próximo congresso extraordinário do partido laranja. Nessa altura, Paulo Portas poderia captar para a sua banda boa parte dos populistas e ultra-liberais do PSD e avançar na consolidação do seu projecto partidário. Todavia tal passo é muito arriscado, pois uma derrota pesada da tal plataforma esvaziaria de conteúdo e alcance as manobras do PP. Muito melhor estratégia, tendo em conta os objectivos determinados de Paulo Portas, seria, na realidade, avançar sozinho, em nome do trabalho feito nos governos de coligação, demarcando-se da desorientação profunda que afecta o PSD actual, mas também em nome (e esta é a segunda bomba atómica desta crise) de uma reforma estratégica da Direita portuguesa. Apostar claramente na cisão do PPD/PSD é a única via que permitirá a Paulo Portas levar a cabo o ambicionado upgrade do PP no sistema de forças partidárias português. Eu se estivesse no lugar dele não hesitava.

Post Scriptum (15.12.04) — Para não desaparecer o PP terá agora que mostrar as suas verdadeiras intenções em termos de reestruturação do campo democrático da Direita.


O-A-M #62 08 Dezembro 2004

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Plataforma PPD


Santana sai da quinta e dentro em breve sairá de cena, para dar lugar ao verdadeiro estratega da direita portuguesa, esse mesmo: o Paulinho das feiras!


Há três protagonistas decisivos na política portuguesa actual: Cavaco Silva, Paulo Portas e António Guterres. Para além destes atractores estratégicos, vemos outros protagonistas de peso, cujas palavras e acções pesam na consciência crítica de todos nós: Mário Soares, Vítor Constâncio, Francisco Louçã, Belmiro de Azevedo, Marcelo Rebelo de Sousa e o recém chegado António Vitorino (brilhante na entrevista dada ontem a Maria João Avilez). Fora deste núcleo decisivo, as demais vozes começam a confundir-se com o ruído dos habituais comentaristas de serviço, de quem já não esperamos nada senão opiniões avulsas, pouco documentadas e expeditas, apesar de estimulantes no caso de Vasco Pulido Valente, por causa da sua incorrigível extravagância literária.

Para além disto, temos os episódios confrangedores da expulsão da Cinha, o esbracejar aflito do Primeiro Ministro na incubadora, o Senhor Barroso tirando água do seu capote de responsabilidades e a cáfila de barrosistas à beira da debandada. Ah, e o Presidente da República, que não só existe, como foi capaz de deflagrar a tal ‘bomba atómica’. Depois desta dissolução da Assembleia da República fica, por fim, aberto o caminho para o semi-presidencialismo, que Cavaco Silva aprova e saberá seguramente consolidar. Não acho mal para os tempos que aí vêm...

Paulo Portas, ao exigir 14 deputados a um Santana Lopes ainda tonto com o gancho presidencial, garante, sem ir a votos, o seu actual peso parlamentar e mantem intacta a sua estratégia de reestruturação da Direita. Para muitos, sobretudo num cenário de implosão santanista, o PP começa a ser uma verdadeira opção de vida. O que me pareceu em Junho passado parece-me agora mais evidente ainda: o PSD, sobretudo no cenário previsível duma derrota eleitoral, vai cair no regaço de Paulo Portas, que a seu tempo saberá tratar do astral de Santana com a mesma limpeza e crueldade com que outrora esborrachou Manuel Monteiro. Falta saber o que vai acontecer aos restos do PSD, uma vez renascido o velho PPD. Haverá alguém com a coragem e a autoridade suficientes para atalhar o óbvio, provocando uma cisão clarificadora entre o PPD e o PSD antes da limpeza étnica que Santana Lopes sem dúvida iniciará depois da sua derrota eleitoral?

Pensemos nas alternativas.

Em primeiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa. Sim, poderia ser uma alternativa de recurso, preciosa durante a primeira fase de reconstituição do PSD como futura força pendular da vida política portuguesa. Se tiver a coragem de avançar, mais tarde poderá passar a bola a Marques Mendes, que daria um bom chefe de partido e, daqui a alguns anos, um Primeiro Ministro decente.

Em segundo lugar, Marques Mendes. Sim, poderia avançar, mas estaria a queimar a possibilidade de voos futuros mais profícuos, o que para um político ainda jovem como ele, seria uma precipitação desnecessária.

Em terceiro lugar, António Borges. Não, não é sequer uma possibilidade partidária. O seu papel, caso o PS se espalhe, será suceder a José Sócrates com o beneplácito de Cavaco Silva.

Falta saber como tudo se irá passar...

Vamos muito provavelmente assistir a uma lenta agonia do PPD/PSD, com a probabilidade de um congresso extraordinário provocar a cisão do partido. Resta saber quem sairá: se o PPD do PSD, se o PSD do PPD. Uma coisa é certa: Cavaco Silva planeou e continua a planear cuidadosamente a sua estratégia presidencial, agora mais verosímil que nunca. Para a mesma ter sucesso necessita, porém, dum partido competente que o apoie. Nas eleições, terá pela frente o farrapo de Pedro Santana Lopes (prestes a sucumbir inconscientemente ao golpe de misericórdia preparado por Paulo Portas), um personagem circunstancial do PS, um candidato do PCP, outro do Bloco de Esquerda e os Ena Pá 2000!

Antes disso, lá para Março de 2005, teremos de novo o PS no Governo. Desejo-lhe sorte e ofereço-lhe alguns conselhos: +estratégia, +informação, +ideias, +flexibilidade, +mobilidade, +transparência, +coragem, +rigor, +justiça, +ousadia, +sustentabilidade, melhor educação, melhor crescimento; -ministérios, -endogamia, - compadrio, -nepotismo, -clientelismo, -elitismo, -retórica, -desperdício, -formalismo, -burocracia, -menos crescimento, -pessimismo.

Até lá, muito cuidadinho com os dois incendiários, agora à solta...

Feliz Natal para todos.





O-A-M #61 06 Dezembro 2004

segunda-feira, novembro 29, 2004

Santana Lopes 3


Cinha, porque me abandonaste?!


Quando todos pensavam que o actual Primeiro Ministro era a sério, soube-se ontem que não. Para espanto de todos os basbaques televisivos como eu, ele próprio confessou que o homúnculo de governante que porta o seu nome nasceu antes de tempo e encontra-se ainda em estado de gestação. Muito frágil, dentro de uma incubadora situada numa maternidade de que não fixei o nome, o Pedrinho Santana Lopes, futuro Primeiro Ministro de Portugal (aquilo que julgamos serem os factos, como já todos perceberam, não passa de uma ilusão televisiva) tem merecido o melhor dos tratamentos por parte do Partido Socialista. Naturalmente tolerante, o PS compreende o melindre ecológico que rodeia aquele corpinho engelhado, mas cheio de graça. Espera até que o seu exemplo de caridade se multiplique no regaço presidencial. — "Sr. Presidente, temos que salvar o menino, não acha?" O avatar dele diz cada vez mais disparates e alucina sobre cartas astrológicas, é certo. Mas temos que dar tempo ao tempo. O super-homem que lateja na incubadora está prestes a sair da bolha. E, além do mais, o Governo é dele, porra! Que nasça e que se amanhe, porra!
Entretanto, fora da incubadora, pululam os amigos, os ministros e os correlegionários do menino, todos aos pontapés na máquina! A Oposição, estupefacta. O Presidente, aflito. O Povo, rindo-se às gargalhadas (para não chorar). E o menino, cheio de nódoas negras, balbucia um murmúrio: "Cinha, porque me abandonaste?"
Entretanto, o lobo mau (Aníbal Cavaco Silva), vendo o seu partido prestes a cair nas garras de uma hiena desgraçada (Paulo Portas), uiva aos quatro ventos: imbecis para o lixo! Gente séria toca a trabalhar! Com o PS de Sócrates isto não vai lá! Temos que retomar o PSD nas nas nossas mãos. Ou então... Ou então... Se me chatearem muito faço outro partido, e pronto!
Coitado do Pedrinho, agora que parecia pronto a sair da maternidade, com o Partido Socialista a cuidar-lhe das nódoas negras, veio o lobo mau e estragou-lhe a festa. Nem a pulseira lhe valeu. Que pena. Aquele sorriso terno prometia. Mas os astros é que mandam. Essa é que é essa.

O-A-M #60 29 Novembro 2004

sábado, outubro 16, 2004

Petroleo 1

Out., 14, 2003: 1 barril de crude OPEP = 30 dll
Out., 14, 2004: 1 barril de crude OPEP = 54 dll

“Em 1979, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tinha um excesso de capacidade produtiva de 47.5 milhões de barris de petróleo por dia. Vinte anos mais tarde, em 1999, essa capacidade sobressalente tinha sido reduzida para 400 mil barris/ dia e a procura global subira para 77 milhões de barris/ dia. Hoje a OPEP não tem praticamente nenhuma nova torneira que possa abrir e a procura está nos 84 milhões de barris/dia — um salto de quase 10%.”
Kris Axtman, Why the rude oil prices?; The Christian Science Monitor, 15 Out. 2004

Observadores atentos e independentes afirmaram há já algum tempo que o barril de crude da OPEP pode chegar aos 60 dll antes do fim deste ano. Mesmo que depois regresse aos 40 dll por barril, tal inversão de tendência será passageira, dando lugar a novos ciclos altistas. A verdade é que este recurso energético, no qual repousou o essencial da segunda revolução industrial (1930 em diante) e a chamada sociedade de consumo, se aproxima a passos muito rápidos do chamado “peak of oil production”, isto é, do ponto a partir do qual todo o petróleo disponível será, para todos os efeitos, o último! Os Estados Unidos atingiram este ponto crítico na década de 70, e por isso têm que assassinar Presidentes na América Latina, financiar e armar o Estado de Israel, corromper e alimentar ditaduras no mundo árabe e desencadear guerras preventivas contra toda e qualquer ameaça às fontes petrolíferas onde se abastecem (salvaguardando o mais possível a sua própria Reserva Estratégica de Petróleo).

A produção de petróleo per capita começou a declinar de forma consistente em 1979, e o início da queda absoluta da produção a nível global começará, segundo Richard C. Duncan, em 2006 (a uma taxa de 2.45% ao ano, durante 34 anos!). Quer dizer, daqui a um ano e meio, poderemos estar já a lidar com preços de crude na ordem dos 100 dll/barril. Em 2008, ainda segundo as previsões de Duncan, as reservas de países como os EUA, México, Noruega, Angola, Rússia, Afeganistão, Urzebequistão, Azerbeijão, etc., começarão a decair mais depressa que as reservas da OPEC (Venezuela, Nigéria, Líbia, Argélia, Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Qatar, Kwait, Irão, Iraque e Indonésia), colocando estes países numa clara posição de supremacia energética, mas também no centro de gigantescas disputas estratégicas. Pior do que isso, como nada de substancial se fez quanto ao crescimento populacional, à poluição e à devastação dos recursos naturais não-renováveis desde que Donella H. Meadows e a sua equipa publicaram “The Limits to Growth”, em 1972, 2006 poderá ser também o primeiro ano do fim da presente era antropológica. As crises energéticas suceder-se-ão a um ritmo imparável e tendencialmente catastrófico. Com elas sobrevirão todo o estilo de guerras e conflitos: guerras mini-nucleares, guerras hiper-tecnológicas, guerras assimétricas aterradoras, golpes de Estado, Estados de Emergência, e um longo etc que qualquer um de nós pode ir começando a imaginar. Ponderando as várias previsões sérias existentes, podemos esperar com razoável probabilidade que a grande implosão civilizacional inicie o seu movimento de não-retorno entre 2020 e 2030.

Como se imaginará, as presentes disputas políticas, nomeadamente em Portugal, embora reflictam já o estado de pânico que subrepticiamente vai tomando conta de quem pensa e de quem tem que decidir, estão a anos-luz do discurso informado que é necessário elaborar para nos prepararmos para a hecatombe que aí vem. O mundo não se desboroará de modo homogéneo. Uns cairão estrondosamente e depressa, outros conseguirão adiar a tragédia por mais umas décadas, ou mesmo sobreviver e adaptar-se. Mas para redesenhar a civilização por vir, temos que conhecer a verdade sobre o presente. E se os partidos políticos forem incapazes de o fazer, outras formas de organização e acção política poderão e deverão fazê-lo, em nome da sustentabilidade, da sobrevivência civilizacional e da vida.

Post-scriptum

As Moai da Ilha de Páscoa — A população desta pequena ilha (descoberta pelos holandeses em 1722) ultrapassou o seu pico de sustentabilidade por volta dos 10 mil habitantes. Os recursos tornaram-se escassos e as outrora luxuriantes florestas de palmeiras foram destruídas, para uso como fonte de energia e para dar lugar a terrenos de cultivo. A avançada ordem social de que gozavam começou então a declinar rapidamente, dando lugar a guerras civis e ao canibalismo. Supõe-se que todas as grandes e impressionantes estátuas da ilha (as Moai) foram derrubadas pelos próprios ilhéus no decurso da prolongada crise que acabou com o seu equilibrado modelo civilizacional. A população, por efeito da exaustão dos recursos disponíveis (e das doenças e escravatura trazidas pelos colonizadores europeus), viria a reduzir-se até pouco mais do que uma centena de habitantes. O mais curioso desta história é que os sobreviventes desconheciam a profunda crise que os levara até à situação em que estavam...


O-A-M #59 16 Outubro 2004