Mostrar mensagens com a etiqueta crise governamental. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta crise governamental. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, janeiro 20, 2014

E depois da Troika?

G1—General government debt (% GDP)
Source: Eurostat (2012)
G2—Total government tax revenue (% GDP)
Source: Eurostat (2012)

Previsivelmente as coisas vão piorar. Defendam o que é vosso!

Vem aí mais inflação e impostos sobre a poupança e a propriedade, vem aí maior degradação da administração pública e do estado social, vem aí um ataque furioso à poupança e à riqueza acumulada de cada um. Um governo 'socialista' em 2015 seria, nesta ótica, um desastre completo. Só há, no entender de muitos, uma saída, embora estreita, para evitar o pior, isto é, para evitar uma convulsão social grave e a resposta autoritária que inevitavelmente provocará: diminuir o tamanho e o preço do estado. E de caminho, alterar o sistema político e reformar a democracia.

Europe’s Future: Inflation and Wealth Taxes
January 14th, 2014 by David Howden — Ludwig von Mises, Institute of Canada.

Tax burdens are so high that it might not be possible to pay off the high levels of indebtedness in most of the Western world. At least, that is the conclusion of a new IMF paper from Carmen Reinhart and Kenneth Rogoff.

Ao contrário do que a propaganda vem repetindo (reabriu a caça ao voto!), aquilo que realmente parece evidente na Europa é o efeito de contágio das crises de endividamento, da periferia sobre o centro (G1).

Os dois mapas do sucinto e claro artigo de David Howden mostram duas tendências em sentido contrário: G1—o endividamento alastra da periferia para o centro e G2—a pressão fiscal alastra do centro para a periferia.

Comum a toda a Europa é a destruição da poupança e a destruição das classes médias pela via da diarreia monetária, da destruição das taxas de juro, e da inflação escondida sob estatísticas cozinhadas que, em vão, tentaram manter artificialmente uma economia cada vez mais artificial e cada vez mais endividada.

Isto vai acabar mal :(

quarta-feira, novembro 07, 2012

Crescer, como?

William-Adolphe Bouguereau, Les Remords d’Oreste (1862)

Tirem-me estes partidos da frente!

António Seguro reafirmou a indisponibilidade do partido de cortar quatro mil milhões de euros na despesa do Estado. "O Governo pretende iludir os portugueses" e "criou problema ao País e aos portugueses", destaca Seguro. Este corte "não estava" na versão inicial do memorando de entendimento, assinalou, e vai resultar em "mais do mesmo da política de austeridade" — in Negócios online, 8 nov 2012, 21:18
O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) tinha 50,7% dos seus activos aplicados em dívida do Estado português — in relatório do Tribunal de Contas sobre a Segurança Social em 2011/ Correio da Manhã, 6 nov 2012.

Mesmo sem juros, a dívida pública portuguesa é um fardo insustentável

Este António José Seguro quer que o país cresça. Mas como, se não cresceu desde 2005, e o PS levou desde então o país à ruína, aumentando uma dívida que nem em vinte anos conseguiremos diminuir até aos famosos 60% do PIB?

A dívida portuguesa, que a "política de crescimento" do PS alegremente semeou —pelo estado hipertrofiado e ineficiente, pela interminável burocracia partidária, pelas empresas e pelas pessoas incautas— deu nisto: 715,229 mil milhões de euros de endividamento (1), ou seja, 418,4% do PIB.

Só a dívida consolidada do setor público somava, em dezembro de 2011, 235,964 mil milhões de euros (138,0 por cento do PIB).

Para amortizar esta dívida a metade, ou seja para 118 MM€ (69% do PIB), em dez anos, mesmo sem juros, precisaríamos de retirar anualmente das receitas do estado 11.800 milhões de euros.

O PS, o PCP e o Bloco querem menos juros. E querem mesmo não pagar! (2)

No entanto, mesmo não pagando juros, e adiando o prazo de ajustamento do endividamento público para 2022, ainda assim teríamos que desencantar 11,8 mil milhões de euros anualmente, durante toda uma década. Crescer? Como, se ainda por cima veremos os fundos de pensões evaporarem-se ao longo desta mesma década?

Se os partidos da esquerda, keynesiana, leninista e trotskysta, berram porque não podemos pagar sete mil milhões de euros anuais por conta dos juros, quando pensam que poderemos pagar a dívida?

É bem possível que uma solução mais radical tenha que ser encontrada, sobretudo a partir do momento em que a Espanha, a Itália e a França entrarem nesta dança macabra do endividamento exponencial. Mas não tenhamos ilusões: a Alemanha do pós-guerra era uma potência industrial de primeiro plano, numa era que iria sair da inflação, das recessões e das depressões que antecederam a guerra, através de um explosivo crescimento demográfico mundial, pelo uso de uma nova energia em fase de expansão (o petróleo), pelo desenvolvimento das agro-indústria químicas de larga escala, e pela manutenção de uma divisão internacional do trabalho feroz e muito favorável ainda à Europa e aos Estados Unidos.

Hoje, nada disto existe, nem existirá nas décadas mais próximas. O que temos, pelo contrário, é uma crise alimentar, energética, demográfica e de endividamento à escala global, que o crescimento acelerado dos chamados países emergentes não fará mais do que apressar e agravar.

O que nos espera são décadas (duas, três, não sabemos) de uma contração sem precedentes da riqueza mundial, reforçada ainda nos EUA e na Europa pela transferência inevitável de riqueza (sob a forma de pagamentos de dívidas acumuladas) aos países credores da Ásia, América do Sul e África. O empobrecimento de segmentos inteiros da classe média profissional e empresarial está em marcha. O alargamento do fosso entre os muito ricos e os 99% que engrossam diariamente as fileiras do novo precariado é visível, e apesar de escandaloso, nem Obama, nem Hollande, quanto mais o nosso Tó Zé, parecem capazes de levantar um dedo contra!

Quanto mais depressa ajustarmos a despesa pública portuguesa ao que somos capazes de produzir e de pedir emprestado aos mercados (que será cada vez menos...), maior probabilidade teremos de evitar que a crise sistémica para que fomos atraídos, mais depressa do que outros países, se transforme numa tragédia. O que puder ser cortado, distribuindo efetivamente os sacrifícios, entre aumento de impostos e diminuição da despesa pública, devemos fazê-lo tão rapidamente quanto possível.

Mas para que este dramático esforço ocorra será preciso que, em primeiro lugar, o PS assuma as suas responsabilidades e tome a iniciativa de criticar José Sócrates e a corja de piratas que este liderou, pedindo desculpa aos portugueses — em vez de andar a jogar ao gato e ao rato com o primeiro ministro de plástico que em má hora foi escolhido para tomar o leme de uma barcaça em sérios riscos de naufrágio.

Mais terrorismo fiscal é impossível. Resta reduzir de forma ordenada a dimensão obscena do estado insolvente que deixámos inchar e corromper.

Se a corja partidária continuar alegremente na algazarra a que temos assistido, ou corremos com ela, exigindo um novo regime, uma nova constituição, e uma democracia participativa, sem partidos, e apoiada nas freguesias e em novos reagrupamentos democráticos de governança, ou espera-nos um implosão catastrófica do atual estado de coisas.

Os que esperam a desgraça do resto da Europa, como uma espécie de oportunidade para continuar o bacanal da dívida, são os verdadeiros criminosos que ameaçam o futuro de Portugal e dos portugueses.

Pagar ou morrer!


NOTAS
  1. Valor do PIB considerado (2011): 170,968 mil milhões de euros. Para estes e outros números, algo diferentes daqueles que o OE2013 publica, consultar estes dois documentos:
    NIE End 20-02-2012_PT.pdf
    NIE AP 23-04-12_PT.pdf
  2.  
  3. Segurança Social perde 1,5 mil milhões na Bolsa
    O FEFSS reduziu em mais de 20% a sua exposição à dívida pública portuguesa: no final de 2011, o investimento ascendia a 3,7 mil milhões de euros, contra quase 4,7 mil milhões em 2010.

    Num ano, a fuga da dívida pública portuguesa atingiu 955,5 milhões de euros, a maior diminuição registada no conjunto da carteira do FEFSS. Mesmo assim, o investimento em dívida pública nacional representava 42% do total. Incluindo as aplicações em CEDIC e Bilhetes do Tesouro, o FEFSS tinha 50,7% dos seus activos aplicados em dívida do Estado português.  Correio da Manhã (6 de novembro 2012)
    Este é um dos resultados óbvios do não pagar, ou do pagar menos juros! Só estender as maturidades é vantajoso para quem comprou dívida soberana. No entanto, como se sabe agora de fonte segura, andamos a comprar a dívida pública portuguesa, que já ninguém quer, com os fundos da Segurança Social! Ora isto é uma burla!!!
Última atualização: 7 nov 2012, 14:56

sexta-feira, outubro 12, 2012

Que venha a Troika!

Durão Barroso já é o novo Primeiro Ministro de facto de Portugal

Que se lixem este governo e os partidos! Que venha a Troika, mas a 100% !

Governo terá de preparar um plano de contingência para cortar na despesa

A Comissão Europeia explica que os aumentos de impostos planeados pelo Executivo correm o risco de continuar a prejudicar os objectivos de receita fiscal em 2013. Nesse sentido, é necessário um “plano B” que consiga acomodar esses desvios.

“Para criar uma almofada para eventuais quebras de receita, o Governo preparará um conjunto de medidas de contingência no âmbito do Orçamento do Estado para 2013, predominantemente do lado da despesa, que poderão ser utilizadas em caso de necessidade”, escreve a Comissão Europeia.

in Jornal de Negócios online, 11 out 2012.

Eu prefiro, simplesmente, que o meu país seja administrado pela Troika, conferindo-se-lhe poderes executivos suficientes para colocar o país na direção do equilíbrio orçamental, ao calvário que a cleptocracia e a partidocracia dominantes nos estão a submeter. É a corja criminosa que nos trouxe até aqui quem, na realidade, se prepara para nos levar couro e cabelo —pela via do terrorismo fiscal— em 2013 e 2014!

Portugal tem a segunda pior dívida pública e privada do mundo desenvolvido, à frente da Grécia, e só atrás do Japão! 

Mas enquanto o Japão é um exportador gigantesco, Portugal importa mais do que exporta. A nossa dívida externa (acumulada sobretudo pela via da importação de capital) é tão insustentável quanto as dívidas pública e privada. É neste cenário de colapso que vejo a demonização da Troika como um truque de magia para proteger os devoristas insaciáveis de sempre. Os credores reunidos na Troika têm pensamentos divergentes sobre como prosseguir com devedores moribundos. Eles sabem que se desligarem a máquina que na Unidade Financeira de Cuidados Intensivos mantém os sinais vitais de Portugal, este apaga-se. Grécia e Espanha estão na mesma situação moribunda. Ou seja, qualquer destes três países estão a um passo de caírem, do estado de insolvência em que se encontram, para o rigor mortis da bancarrota.

E no entanto, são os povos e as suas elites lúcidas, onde as haja, que podem e têm o dever de mudar estes regimes degenerados e financeiramente exangues, não as Troikas. Estas apenas podem ajudar, ainda que no seu próprio interesse, e pressionar. Que se lixe a Troika! foi definitivamente uma má consigna, pois vira a indignação para o alvo errado.

Uma tabela medonha sobre o endividamento dos países desenvolvidos
© Cecchetti, Mohanty e Zampolli

Há um estudo fundamental do BIS, publicado em setembro de 2011 (ver extratos abaixo), que demonstra como dívidas públicas acima dos 85% do PIB, dívidas de empresas acima dos 90%, e dívidas das famílias acima dos 85%, provocam a paragem do crescimento e a recessão, agravando as próprias probabilidades de se sair do ciclo infernal da dívida acumulada > défice > juros,  e colocando assim em causa a solvabilidade do país que cair nesta situação.

O jogo da culpabilização não nos leva a lado nenhum. Do que precisamos é de agir, e de meter na prisão alguns responsáveis criminosos pelo despiste suicida das finanças públicas e privadas portuguesas. Alguns políticos e alguns banqueiros devem ser expostos, denunciados, julgados e presos.

Até na perseguição e condenação dos devoristas criminosos já estamos atrás do Brasil. Quem diria!


REFERÊNCIA

Vale a pena ler este estudo, publicado em setembro de 2011, entre outros motivos, para sairmos do jogo da culpa, um labirinto de espelhos alimentado pela partidocracia em nome da sua própria mais do que ameaçada sobrevivência.
Abstract

At moderate levels, debt improves welfare and enhances growth. But high levels can be damaging. When does debt go from good to bad? We address this question using a new dataset that includes the level of government, non-financial corporate and household debt in 18 OECD countries from 1980 to 2010. Our results support the view that, beyond a certain level, debt is a drag on growth. For government debt, the threshold is around 85% of GDP. The immediate implication is that countries with high debt must act quickly and decisively to address their fiscal problems. The longer-term lesson is that, to build the fiscal buffer required to address extraordinary events, governments should keep debt well below the estimated thresholds. Our examination of other types of debt yields similar conclusions. When corporate debt goes beyond 90% of GDP, it becomes a drag on growth. And for household debt, we report a threshold around 85% of GDP, although the impact is very imprecisely estimated.

[...]

Conclusions

While the attention of policymakers following the recent crisis has been on reducing systemic risk stemming from a highly leveraged financial system, the challenges extend beyond that. Our examination of debt and economic activity in industrial countries leads us to conclude that there is a clear linkage: high debt is bad for growth. When public debt is in a range of 85% of GDP, further increases in debt may begin to have a significant impact on growth: specifically, a further 10 percentage point increase reduces trend growth by more than one tenth of 1 percentage point. For corporate debt, the threshold is slightly lower, closer to 90%, and the impact is roughly half as big. Meanwhile for household debt, our best guess is that there is a threshold at something like 85% of GDP, but the estimate of the impact is extremely imprecise.

A clear implication of these results is that the debt problems facing advanced economies are even worse than we thought. Given the benefits that governments have promised to their populations, ageing will sharply raise public debt to much higher levels in the next few decades. At the same time, ageing may reduce future growth and may also raise interest rates, further undermining debt sustainability. So, as public debt rises and populations age, growth will fall. As growth falls, debt rises even more, reinforcing the downward impact on an already low growth rate. The only possible conclusion is that advanced countries with high debt must act quickly and decisively to address their looming fiscal problems. The longer they wait, the bigger the negative impact will be on growth, and the harder it will be to adjust.

It is important to note that our finding of a threshold for the effects of public debt on growth does not imply that authorities should aim at stabilising their debt at this level. On the contrary, since governments never know when an extraordinary shock will hit, it is wise to aim at keeping debt at levels well below this threshold.

As with government debt, we have known for some time that when the private sector becomes highly indebted, the real economy can suffer.47 But, what should we do about it? Current efforts focus on raising the cost of credit and making funding less readily available to would-be borrowers. Maybe we should go further, reducing both direct government subsidies and the preferential treatment debt receives. In the end, the only way out is to increase saving.

The real effects of debt
by Stephen G Cecchetti, Madhusudan Mohanty and Fabrizio Zampolli
LINK

Última atualização: 14 out 2012, 12:22

domingo, setembro 30, 2012

Petróleo no Beato?

O grande impulso dado pelo petróleo ao crescimento económico e demográfico ocorre entre 1950 e 1970

A festa acabou! Precisamos de aprender a crescer devagar.

“How much uranium or thorium would be required to power an industrial civilization comparable to that now powered by the fossil fuels? And does this quantity exist in a form that is readily obtainable?”

M King Hubbert (1956)

 A humanidade só começou a aumentar de número, acima dos meio por cento ao ano, depois do aparecimento das máquinas movidas a vapor gerado sob pressão em caldeiras aquecidas a carvão.

Esta época marca também crescimentos no consumo da energia e do produto interno bruto acima dos 1%. A fase de transição do carvão e do gás (usado sobretudo na iluminação) para o uso intensivo do petróleo (1920-1940) traduziu-se numa quebra acentuada dos ritmos de consumo energético e de crescimento económico, que só cinco anos depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), disparam para valores nunca antes alcançados na história humana. Entre 1950 e 1970 a população mundial começa a crescer a taxas anuais próximos dos 2%, ao mesmo tempo que os consumos energéticos e a produção crescem entre 3,85% e 5,02% ao ano. Mas depois deste período que coincide com a emergência da primeira crise petrolífera, todas as três taxas de crescimento —demografia, energia e produção— entram numa fase de declínio relativo, que só a especulação financeira e o endividamento ocorridos na década passada (2000-2010) permitiram ilusoriamente inverter, com as consequências agora conhecidas.

M. King Hubbert detetou em 1956, com grande exatidão, o pico do petróleo americano: 1970-71

M. King Hubbert detetou em 1956 o pico mundial do petróleo convencional:1995-2000 (na realidade verificou-se em 2008)

A partir de meados da década de 1980, cresce mais depressa o consumo do que a a produção de petróleo (ASPO)



Colin Campbell: o pico global do petróleo e gás em todas as suas formas exploradas ocorreu em 2008

O cruzamento das informações mais recentes (2012) confirmam a data do pico global da produção de combustíveis líquidos: 2008.

O tempo e os gráficos têm vindo a confirmar sensivelmente as previsões do geólogo americano M. King Hubbert (1), sendo pouco mais do que propaganda pueril o que António Costa e Silva escreveu esta semana no Expresso sobre a corrida ao xisto (2). Mas a melhor confirmação do acerto das previsões de Hubbert são as decisões estratégicas que o governo americano então tomou:
  1. criação de uma rede de centrais nucleares espalhada pelo território americano, com início em 1957 (3);
  2. criação de uma rede de bases militares destinadas a garantir o acesso e transporte de petróleo das principais bacias mundiais até aos Estados Unidos da América e reforço da aliança diplomática e militar com Israel;
  3. fim da convertibilidade do dólar em ouro (Nixon Shock, 1971), três anos depois da formação da OPEP, e dois anos antes do Embargo de 1973, responsável pela primeira grande crise associada ao fenómeno conhecido por Pico do Petróleo;
  4. acordo entre Arábia Saudita e os EUA sobre o uso exclusivo do dólar nas transacções e denominação do preço do petróleo, a troco de apoio militar americano — dando origem ao nascimento do chamado petrodólar (1973); OPEP no seu conjunto adere ao petrodólar em troca de armamento e protecção (1975).
     
Estas quatro decisões são inteiramente coerentes com a percepção das consequências do gráfico da Fig. 21 do estudo apresentado por M. K. Hubbert — o qual veio a revelar-se de uma enorme precisão.

Uma vez reconhecidos os limites das reservas petrolíferas americanas, nomeadamente das suas reservas de petróleo barato e de boa qualidade, a decisão só poderia ter sido esta: poupar as reservas, diminuindo a extração interna, e importando cada vez mais do exterior.

Mas para chegar aqui, com a garantia de que obteriam preços razoáveis pelo crude importado, os Estados Unidos teriam que conseguir preencher dois requisitos: ter muito dinheiro disponível e proteger os investimentos que viessem a realizar em países estrangeiros ricos em petróleo. Para além dos custos de prospeção, desenvolvimento e produção, os EUA teriam ainda que garantir a segurança diplomática e militar das novas fontes petrolíferas espalhadas pelo mundo. A que preço?

Bom, ao preço de uma desvalorização progressiva da sua moeda, ainda que retardada pela imposição do dólar como moeda de reserva mundial — nomeadamente através dos acordos que conduziram ao estabelecimento do petrodólar. No entanto, os custos reais desta substituição/proteção das reservas petrolíferas nacionais não deixaram de aumentar exponencialmente desde que a percepção do pico petrolífero americano foi tecnicamente reconhecido, com a consequente e imparável inflação da massa monetária e sobretudo do agregado conhecido por M3 (Williams, 2008).

O crescimento da massa monetária M3 (sobretudo em 1970-71 e 2006-08) dá bem a ideia do grau de monetização da economia americana.

Historical inflation adjusted oil price per barrel, (Brent equivalent in 2011$), based on amounts shown in BP’s 2012 Statistical Review of World Energy. Our Finite World, 26 set 2012.

Trabalho caro e energia cada vez menos barata fazem uma combinação fatal, só parcialmente compensada pela criação de dívida através da escrituração contínua e virtual de dólares, com a qual a América garantiu ao mesmo tempo uma capacidade aparentemente infinita de importação de petróleo, e a criação de um explosivo mercado interno de consumo conspícuo, alimentado por importações crescentes, já não apenas de matérias primas, nomeadamente energéticas, mas também e cada vez mais, de bens manufacturados. A perda crescente e irreparável de empregos foi temporária e parcialmente compensada por uma espécie de burocratização e terciarização mediática da economia, alimentadas pela especulação bolsista. Em 2008, esta bolha rebentava com estrondo, ao mesmo tempo que os sinais inequívocos do Pico do Petróleo adquiriam uma dimensão mundial.

M. King Hubbert desenhou em 1956 um gráfico assustador, através do qual a abundância energética que possibilitou os "tempos modernos" aparece como um brevíssimo episódio da nossa história.

Ao contrário de Donella H. Meadows e dos demais autores de The Limits to Growth (1972), para quem os limites do crescimento podem revelar-se catastróficos se a humanidade for incapaz de corrigir os custos e as distorções da sua própria expansão demográfica, M. King Hubbert viu na indústria nuclear (4) a única saída possível e duradoura para a inexorável crise de crescimento causada pela exaustão de recursos energéticos finitos.

Enquanto a China e outras economias emergentes podem suportar preços do petróleo acima dos $100-110 (5), já nos Estados Unidos e na Europa, quando os preços sobem e se mantêm acima dos $90 as economias entram em recessão ou crescem bem abaixo dos 3%. Em sentido contrário temos os países da OPEP, que precisam de vender o barril do petróleo acima dos $80, e cada vez mais perto dos $100, sob pena de verem degradar a sua estabilidade social e política. A solução, para países como os EUA, Japão e Europa, seria pois diminuir drasticamente a dependência do petróleo. Mas como, se 70-75% do petróleo que importam vai para o sector dos transportes (80-85% nos EUA)? A migração para o transporte eléctrico é uma saída, mas vai levar tempo, pois existem mais de 800 milhões de automóveis no planeta dependentes de combustíveis líquidos!

Sabemos hoje que muitas outras ameaças colocaram a humanidade em risco de desaparecer, ou ver diminuída a sua presença no planeta em algumas centenas de milhões de almas. E se os gráficos dos crescimentos exponenciais nos ensinam algo, é que as fases de colapso são muito mais desagradáveis do que as de expansão.

A dicotomia feliz entre "esquerda" e "direita" não serve para resolver nenhum dos problemas sérios colocados pela presente crise sistémica do capitalismo, a qual é antes de mais uma crise do modelo energético, tecnológico, social e cultural de crescimento e desenvolvimento da humanidade.

Podemos encher as ruas, mas se não percebermos o que realmente está em causa, apenas agravaremos a ansiedade em que as pessoas e as comunidades já se encontram neste momento. Sem procurarmos as causas profundas desta crise, acabaremos por perder as nossas energias na busca e castigo dos bodes expiatórios.

Porque que é que deixou de haver trabalho? Porque é que o trabalho que ainda existe é caro para a economia, e ao mesmo tempo mal remunerado e precário para quem trabalha, ou até manifestamente artificial e inútil? Para que servem os impostos quando os governos aumentam cada vez mais a pressão fiscal, e prestam cada vez menos serviços?

E se for necessário crescer melhor, mas mais devagar? Estaremos preparados para voltar a partilhar a herança comum à humanidade e às outras formas de vida com quem cooperamos neste planeta?


POST SCRIPTUM, 11 out 2012

“What matters is if our hourly wage once bought eight gallons of gasoline and now it buys only four gallons. This is called purchasing power, and rather naturally the Status Quo has worked mightily to cloak the reality that our purchasing power of the bottom 95% of wage earners has been declining for decades.”

in “Energy Higher, Earnings Lower” by Charles Hugh Smith (Of Two Minds, oct 10, 2012)

Mais um gráfico que ajuda a estabelecer a correlação entre o preço da energia e os rendimentos

Três gráficos muito importantes para percebermos o impacto do preço do petróleo na deterioração dos rendimentos americanos (o caso europeu é paralelo) ao longo dos últimos 43 anos, e uma ajuda para perceber a causa das coisas, nomeadamente no que se refere à Grande Depressão em curso nos EUA e na Europa....

“Despite the improvement from 1994, real wages are around the levels reached in 1969, 43 years ago, and 1980, 32 years ago.”

Alternativas para mitigar esta tendência irreversível na deterioração económica e financeira de Portugal, causada pelo Pico do Petróleo:

1) Estabelecimento urgente de um Plano Nacional de Eficiência Energética;

2) Liberalização e estímulo do uso dos veículos a gás e dos veículos elétricos (trolleys, tram-trains, elétricos, metros, comboios);

3) Impedir os monopólios energéticos, que fornecem combustíveis líquidos para veículos automóveis, e eletricidade às empresas e lares, de porem o pé sequer no abastecimento de gás às empresas e populações!

4) Rebaixar as rendas excessivas da EDP e empresas similares, eliminando das faturas todas as alcavalas oportunistas que o estado lá enfiou;

5) Rebaixar o imposto sobre os combustíveis (o estado hipertrofiado tem que encolher!);

6) Aumentar em mais 30% a desmaterialização da administração pública no prazo de uma legislatura;

7) Criar uma Fiscalidade Verde favorável à poupança energética, penalizando ao mesmo tempo os fatores condutores da excessiva intensidade energética da economia portuguesa;

8) Prioridade absoluta ao transporte ferroviário nacional e internacional, de modo a duplicar a quota deste modo de transporte nos próximos 10 anos, e triplicá-la nos próximos 20 anos.

9) Lançamento de um programa de investigação sobre a energia nuclear baseada no tório;

10) Criar um ministério da energia com igual ascendência sobre os demais ministérios e departamentos governamentais à do ministério das finanças.

NOTAS
  1. Nuclear Energy and the Fossil Fuels, M. K. Hubbert, Presented before the Spring Meeting of the Southern District. American Petroleum Institute, Plaza Hotel, San Antonio, texas, March 7-8-9, 1956 (PDF).
  2. O artigo "A revolução energética do gás de xisto", publicado por António Costa e Silva no Expresso de 29/9/2012, parece querer apenas induzir a substituição de uma bolha que rebentou —das eólicas subsidiadas— por um nova bolha de inspiração americana —a ilusória e muito perigosa bolha do xisto! A verdade é que o gás de xisto, tal como o petróleo de xisto, são dois monumentais fracassos comerciais, embalados por bolhas financeiras especulativas que irão rebentar nos próximos dois ou três anos! Travar qualquer operação nesta perigosa e ilusória área tecnológica de negócio, em Portugal, é uma prioridade. Já ouvi falar em buracos horizontais nas imediações do Mosteiro de Alcobaça. Se é verdade, é urgente denunciar e parar este crime! Sobre a bolha de xisto, vale a pena ouvir John Hemming sobre o tema.
  3. Rede nuclear energética americana
    • 1951 — primeiro reactor nuclear experimental destinado a produzir energia eléctrica
    • 1956 — Nuclear Energy And The Fossil Fuels, by M. King Hubbert.
    • 1957 — Shippingport, Pennsylvania, primeira central nuclear comercial para produção de electricidade.
    • 1960-70 — período de expansão da energia nuclear nos EUA.
    • 1979 — Three Mile Island, Dauphin County, Pennsylvania, EUA, accidente nuclear com derretimento parcial do núcleo.
    • 1991 — EUA têm mais de 1/4 de todas as centrais nucleares do planeta em funcionamento.
  4. Apesar da tragédia nuclear japonesa de Fukushima, há quem veja futuro numa energia nuclear limpa, desde que o ciclo produtivo passe reatores de tório, em vez de reatores de urânio. A China está na dianteira desta nova corrida pela energia nuclear verde
  5. An brief economic explanation of Peak Oil, Chris Skrebowski, ODAC, Oil Drum.


Última atualização: 11 out 2012, 0:20

sábado, setembro 22, 2012

Conselho vazio

ASN — "O Povo é Sereno". Para O António Maria

“Cachorro que come ovelha, só morto se endireita.”

O Conselho de Estado de ontem foi um não acontecimento. A saída de Mário Soares antes das 20h00 dá bem a nota da situação. A queda do governo ficou no tinteiro e a remodelação regressou à intimidade decisória do primeiro-ministro. Mas porquê?

Creio ter uma explicação plausível, embora se aproxime de uma teoria da conspiração. Resumindo, foi assim:

  • 28 de setembro de 2011
    • Um ano antes Cavaco Silva critica descida generalizada da TSU (1)
  • 6 de setembro de 2012
    • Draghi obtém apoio do BCE (2) para avançar com uma modalidade híbrida de Obrigações Europeias. As bolsas europeias e americanas disparam, e o euro valoriza, nomeadamente face ao dólar. Cavaco Silva abriu certamente uma garrafa de espumante e chamou os seus colaboradores para desenhar o cerco às duas peças-chave do governo: Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar;
  • 7 de setembro de 2012
    • O PM precipita-se para as televisões, sem reunir o Conselho de Ministros sobre o tema em cima da mesa (avaliação da Troika), comunicando telefonicamente — ao parceiro de coligação, ao presidente da república e ao líder da oposição—, escassas horas antes de receber a RTP na residência oficial, a decisão de “aumentar a contribuição para a Segurança Social exigida aos trabalhadores do sector privado para 18 por cento [e] em contrapartida, descer a contribuição exigida às empresas também para 18 por cento.” O país ficou estarrecido com as medidas e com a forma da comunicação. Da cartola do primeiro ministro, em vez de um coelho, saiu um ciclone. Por esta cronologia se percebe que, sem o anúncio de uma alternativa ao chumbo do TC, a Troika não divulgaria o seu relatório... (3);
  • 11 de setembro de 2012
    • Ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar, apresenta resultados da quinta avaliação do programa de assistência económica e financeira. Mas vale mais a pena ler o documento da Troika: “...A aprovação das conclusões da presente avaliação permitirá o desembolso de 4,3 mil milhões de euros (2,8 mil milhões da UE e 1,5 mil milhões do FMI). Estes desembolsos poderão ter lugar em outubro, dependendo da aprovação do Conselho de Administração do FMI, do ECOFIN e do Eurogrupo. A missão conjunta para a próxima avaliação do programa está prevista para novembro de 2012.” (4)
  • 12 de setembro de 2012
    • Tribunal Constitucional Alemão indefere os últimos obstáculos jurídicos levantados à aprovação interna do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEE), o qual contempla a ajuda condicionada aos países em crise, mas limitando a comparticipação da Alemanha até um teto máximo de 190 mil milhões de euros. Apesar de limitada, é uma vitória dos agarrados à metadona keynesiana (5);
    • Jean-Claude Juncker anuncia que a primeira reunião do MEE se realizará a 8 de outubro próximo no Luxemburgo — o entusiasmo dos keynesianos oportunistas cresce (6);
    • Gaspar reconhece que o défice real, se não forem tomadas medidas adicionais, ultrapassará os 6% — justificando assim a necessidade de medidas mais duras, incluindo implicitamente aquela que fora anunciada pelo primeiro ministro (7);
    • Por recomendação telefónica ou telepática de Cavaco Silva, Manuela Ferreira Leite desfere um ataque mortífero sobre a TSU e sobre o governo chefiado pelo seu colega de partido Pedro Passos Coelho, envolvendo naturalmente Vítor Gaspar: “Não se pode governar com base num acto de fé” e “destroçar” o País, disse numa entrevista à TVI24 que rapidamente se tornou viral nas redes sociais (8);
  • 13 de setembro de 2012
    • Entretanto, António José Seguro ameaça com moção de censura ao governo se este não recuar na TSU, reagindo um dia depois do ataque de Manuela Ferreira Leite, e uma semana depois da comunicação do primeiro ministro (9);
  • 14 de setembro de 2012
    • Confirmação do acordo político para a transferência da 6ª parcela do empréstimo da Troika. Repare-se que é depois deste anúncio que a festa de contestação da coligação vai realmente engrossar e assumir uma dinâmica multipartidária e de massas;
    • António José Seguro reconhece que soube das medidas anunciadas pela boca do primeiro ministro uma hora antes de as mesmas serem divulgadas;
  • 15 de setembro de 2012
    • Pires de Lima demarca-se da TSU e José Manuel Rodrigues defende que funcionamento da coligação está esgotado;
    • Paulo Portas mantém silêncio sobre TSU;
    • O CDS reúne-se no Porto para discutir as medidas de austeridade. Paulo Portas quer saber a opinião do partido e não fala. Vários dirigentes do CDS vieram dizer que o Governo deve recuar na proposta da Taxa Social Única.
    • Entretanto em Berlim... Wolgang Schaueble arrefece expectativas de um recurso imediato ao FEE: “I don’t see that there can be direct recapitalisation through the European Stability Mechanism already by January 1” (The Malaysian Insider);
    • Manifestação nacional sob o lema Que se Lixe a Troika, queremos a nossa vida!, enchem as ruas e praças do país;
  • 16 de setembro de 2012
    • Portas diz que não bloqueou TSU para evitar “crise de Governo” (10);
    • Pedro Passos Coelho terá confessado ao “seu círculo político mais próximo de que estava a ponderar a demissão, pois entendia que a discordância pública do líder do CDS lhe retirava autoridade perante o país para continuar a liderar as difíceis medidas de ajustamento orçamental e maior austeridade – e que, ao mesmo tempo, o líder do CDS acabara de destruir a coesão política do Governo.” (Sol);
    • “Jorge Moreira da Silva apareceu, ao fim da tarde, numa conferência de imprensa, a assumir que «as declarações do líder do CDS não são indiferentes para a coligação e, porventura, para o próprio Governo». Convocando, por isso, reuniões da Comissão Permanente do PSD para segunda-feira e da Comissão Política para quarta-feira, por forma a «analisar de modo muito detalhado» a posição do CDS.” (Sol);
  • 17 de setembro de 2012
    •  Emprego e TSU: estudo realizado por cinco economistas das universidades do Minho e Coimbra diz que TSU vai causar perda de mais de 30 mil empregos (11);
  • 19 de setembro de 2012
    • Wolfgang Schäuble apoia Vítor Gaspar. Num comunicado conjunto saído da reunião que ocorreu em Berlim, o poderoso ministro alemão das finanças e o seu "protégé" afirmaram que os ajustes económicos em Portugal, apesar de dolorosos, estão a dar resultado.  Na minha opinião, este encontro foi decisivo na reorientação tática do governo face à crise, e foi daqui que saiu a decisão de aguentar firme, sem remodelações que dessem mais espaço de manobra a Cavaco Silva, o inspirador, se esta teoria da conspiração estiver certa, da tentativa de golpe de estado presidencialista — destinado a reagrupar as tropas desorientadas do Bloco Central da Corrupção, que, como defendo há muito, capturou o PS, o PSD, o CDS/PP e país. 
    • Depois de esclarecida a posição da Wolgang Schaueble sobre os condicionalismos de acesso e calendário de entrada em funções do novo balcão de metadona financeira que dá pelo nome de MEE, e do apoio direto manifestado a favor de Vítor Gaspar, Cavaco percebeu a mensagem e começou de imediato a desfazer a gigantesca manobra montada a partir do Palácio de Belém.
  • 21 de setembro de 2012
    • Sol revela que “Passos quis mesmo demitir-se” no domingo, dia 16 de setembro, depois das declarações de Paulo Portas. Sol.
    • A reunião do Conselho de Estado é esvaziada de conteúdo depois das palavras de Cavaco Silva em Évora sobre o fim da crise política (Sol).
  • 22 de setembro de 2012
    • O Conselho de Estado reúne-se para coisa nenhuma. Às portas do Palácio de Belém, a manifestação convocada por um grupos de pessoas que assina Que se Lixe a Troika, Queremos as Nossas Vidas, é uma imagem pálida da mobilização de 15 de setembro.
    • Os críticos do governo perdem o pio de repente....

Há uma lição a retirar deste mini-PREC2: a nova liderança do PSD contemporizou com os seguidores caninos de Cavaco e em geral com a corja do Bloco Central da Corrupção, adiando sucessivamente as reformas estruturais recomendadas insistentemente pela Troika, fugindo do necessário confronto com os criminosos rendeiros do regime, deixando-os, sem excepção, confortavelmente instalados, com as rédeas soltas, na esperança de os ver colaborar. A revolução dos tachos, que toda a esquerda apoiou, veio, porém, mostrar que à mínima oportunidade, o cachorro que come ovelha, só morto se endireita!

Os que dentro do PSD e CDS/PP reclamam a substituição dos independentes por gente da casa são, depois do não evento que foi o Conselho de Estado, os maiores aliados de Cavaco Silva e de Almeida Santos, os verdadeiros padrinhos deste regime insolvente e a caminho da bancarrota.

Eu próprio fui iludido durante este Carnaval. Mea culpa :(

A revolta é genuína, mas esteve ao serviço de quê, e de quem?

Um jubileu moderno para os prisioneiros da dívida?

A ideia reparadora do perdão das dívidas, da queima dos livros de contabilidade, da libertação dos escravos e do descanso das terras é muito antiga. Encontra-se, aliás, registada no Antigo Testamento, como transcrição da palavra do Senhor a Moisés no Monte de Sinai.

“E se alguém comprar dos levitas, uma casa, a casa comprada e a cidade da sua possessão sairão do poder do comprador no jubileu; porque as casas das cidades dos levitas são a sua possessão no meio dos filhos de Israel. (Levítico 25:33”)

Resgatar bancos piratas, resgatar grandes, médios e pequenos especuladores, resgatar gatunos? Não! Mas resgatar as pessoas, empresas e governos das suas dívidas, ainda que sob condições, sim!

Esta ideia tem vindo a ser defendida por Steve Keen, um economista australiano adepto da teoria pós-keynesiana de Hyman Minsky, como provavelmente a única solução a que o Capitalismo, mais cedo ou mais tarde, terá que recorrer se quiser evitar uma autodestruição sangrenta.

Em Portugal, porém, antes de chegarmos a esta discussão, é urgente destruir o Bloco Central da Corrupção. Ora eu vi este bloco de interesses em alegre manifestação nestes últimos dias!

A partidocracia elegeu a Troika para bombo da festa, mas as pessoas apupam sobretudo os políticos e os governantes, sem fazer distinção!

A necessidade de garantir a próxima entrada de dinheiro da Troika, perante a manifesta incapacidade do governo de reduzir o défice público para os valores acordados, esteve na origem do desenho e anúncio desastrosos das alterações à TSU. No entanto, nem a Troika propôs a medida, nem, pelo que escreveu no balanço publicado sobre a quinta avaliação, sabia que a diminuição da taxa aplicada às empresas seria compensada com um aumento brutal da mesma taxa aplicável aos trabalhadores! Além do mais, basta ler o referido comunicado —que os opinocratas do regime nunca citam— para perceber até que ponto a Troika insiste nas críticas à impotência do governo perante as rendas excessivas pagas pelos contribuintes aos setores protegidos da economia, e à falta de coragem para reformar estruturalmente a despesa pública.

A transformação da Troika no bombo da festa é, na realidade, uma manobra indecorosa cujo único fim é desviar a atenção pública dos verdadeiros responsáveis pelo colapso financeiro, económico e social do país — os mesmos, aliás, que são incapazes de desistir dos vícios de bem-estar que foram adquirindo ao longo das últimas três décadas.

Um exemplo: Jorge Sampaio (o presidente da república que se opôs à obsessão do défice) é hoje o presidente do Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães, uma coisa obscura que preside aos destinos da falida Capital Europeia da Cultura de Guimarães, e que não presta contas, apesar de ser uma fundação pública. Houve uns problemas com honorários e mordomias escandalosas que acabariam por dar lugar à saída da anterior presidenta da instituição (confortavelmente indemnizada, claro) e à entrada de um novo personagem chamado João Serra. A notícia do DN sobre esta mudança diz que “João José de Sousa Bonifácio Serra, nascido em 1949, é licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.” E que “entre 1970 e 1978 foi professor do ensino secundário tendo ingressado no ensino universitário como docente em 1979, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.” Só não diz que foi também chefe da Casa Civil do ex-presidente Jorge Sampaio. O patrocínio dado a esta remodelação pelo transmontano e escritor de policiais que puseram à frente da secretaria de estado da cultura  também tem que se lhe diga — mas é uma história menor.

E a TSU?

Idealmente, a TSU, o IRS e o IVA deveriam baixar progressivamente, por exemplo 1% em cada ano de duração do programa da Troika, ao mesmo tempo que a sua progressividade fiscal deveria ser melhorada na perspetiva de uma maior solidariedade social e produtividade económica geral.

Por outro lado, estas medidas teriam que ser acompanhadas por incentivos à permanência no país das sedes das empresas que por cá realizam a maioria dos seus investimentos e lucros.

Por fim, deveria ser implementada uma fiscalidade verde que favorecesse a eficiência energética e ambiental da nossa economia.

No entanto, o aperto financeiro do país é tão grande que, a menos que haja um mudança radical na política financeira e orçamental europeia, é difícil baixar as receitas fiscais sem aumentar extraordinariamente o desemprego — um dilema dilacerante para quem governa.

De qualquer modo, sem avançarmos para numa redefinição lúcida das funções do Estado, que implicará sempre —quer seja bem feita, quer não— uma diminuição do peso asfixiante deste Leviatã na economia e na vida das pessoas, o problema da acumulação da dívida é insuperável.

Desde já é preciso atacar o excesso evidente de despesa na Saúde e na Educação. À quebra demográfica, que arrasta consigo a diminuição da população escolar, as burocracias sindicais e partidárias responderam com uma medida suicida: diminuir o tamanho das turmas! É por aqui que teremos que começar a reforma do Estado — introduzindo racionalidade, doa a quem doer! A política do medicamento é outro cancro que tem que ser imediatamente atacado.

Mas há mais:

— as PPPs rodoviária e hospitalares devem acabar quanto antes (é preferível indemnizar os eventuais prejudicados a manter a sangria gatuna que foi montada);

— as fundações pública devem ser, pura e simplesmente, encerradas, sem apelo nem agravo, e as fundações privadas devem deixar de ter subsídios do Estado;

— os observatórios devem ter uma duração limitada estrita e não prorrogável;

— as empresas municipais e regionais devem ser incorporadas nas administrações e orçamentos locais e regionais, imediatamente;

— e no plano europeu, certas políticas de apoio como a PAC devem ser drasticamente reduzidas, pois servem apenas para as regiões agrícolas ricas corromperem e em última análise destruírem as regiões agrícolas pobres, onde os subsídios que chegam são sistematicamente usados para tudo menos para melhorar a competitividade e produção agrícolas locais...;

etc...

A bolha

A maior bolha especulativa oriunda da expansão do endividamento privado e público até hoje registada rebentou em 2008. Desde essa data que os economistas convencionais, os keynesianos oportunistas, os especuladores profissionais, as vítimas —conscientes ou inconscientes— do crédito gerado pelos bancos a partir do nada, e os distraídos consumidores, esperam, desejam e apostam na reflação da dita bolha, e no regresso da Dona Branca. Mas a verdade é que nem já com juros negativos a economia arranca :( Segundo Steve Keen, poderá ser assim até... 2030!

Mais vale mudar de vida!




A mais recente apresentação de Steve Keen sobre o Capitalismo Ponzi


NOTAS
  1. “Na minha opinião, uma redução generalizada da contribuição patronal para a Segurança Social, que teria de ser acompanhada do aumento da taxa do IVA, seria um erro”, afirmou o chefe de Estado, em entrevista à TVI.

    Questionado sobre uma aparente indefinição do Governo quanto à descida da TSU prevista no memorando de ajustamento desenhado pela ‘troika’, Cavaco Silva considerou que uma descida generalizada dessa taxa “não teria o efeito desejado” no aumento da produção e teria um “efeito contracionista”, reduziria o consumo e aumentaria a fraude, lembrando que a taxa máxima do IVA em Espanha é de 18% (contra 23% em Portugal). DN/Lusa.
  2. Draghi gets ECB backing for unlimited bond-buying

    (Reuters) - The European Central Bank agreed on Thursday to launch a new and potentially unlimited bond-buying program to lower struggling euro zone countries’ borrowing costs and dra

    Draghi also said the ECB was prepared to waive its senior creditor status on bonds it purchased - meaning it would be treated equally with private creditors in case of default.

    The central bank hopes that by removing private investors’ concern about being paid back last in the event of a sovereign default, they will not head for the exits if the ECB intervenes and buys bonds.

    The ECB assumed preferred creditor status in Greece’s debt restructuring earlier this year, leaving private investors to suffer a writedown in the value of their Greek sovereign bond holdings while the paper it held was untouched.

    In another potential sop to the Bundesbank, Draghi said all bond purchases would be “sterilized” by taking in an equivalent amount in deposits from banks to avoid any risk of inflation.

    The ECB’s insistence on countries agreeing to strict conditions before it buys their bonds fed doubts about whether Spain would seek help, and led to disappointment with the new ECB bond-buying programme among some investors.

    Draghi said bond buys would be tied to “strict and effective conditionality” and focused on debt maturities up to 3 years.w a line under the debt crisis. Reuters.
  3. Comunicação de Passos Coelho ao país (anúncio de mudanças na TSU)

    “… na decisão do Tribunal Constitucional a lei do orçamento para 2013 deveria conter uma outra combinação de encargos e de sacrifícios que não poderia, no entanto, ser confundida com a igualdade estrita, já que isso equivaleria a tratar de igual modo aquilo que era objetivamente diferente.

    O que propomos é um contributo equitativo, um esforço de todos por um objetivo comum, como exige o Tribunal Constitucional. Mas um contributo equitativo e um esforço comum que nos levem em conjunto para cima, e não uma falsa e cega igualdade que nos arraste a todos para baixo. O orçamento para 2013 alargará o contributo para os encargos públicos com o nosso processo de ajustamento aos trabalhadores do sector privado, mas este alargamento tem diretamente por objetivo combater o crescimento do desemprego. Como sabemos, é esta a grande ameaça à nossa recuperação e é esta a principal fonte de angústia das famílias portuguesas. Foi com este duplo propósito que o Governo decidiu aumentar a contribuição para a Segurança Social exigida aos trabalhadores do sector privado para 18 por cento, o que nos permitirá, em contrapartida, descer a contribuição exigida às empresas também para 18 por cento. Faremos assim descer substancialmente os custos que oneram o trabalho, alterando os incentivos ao investimento e à criação de emprego. E fá-lo-emos numa altura em que a situação financeira de muitas das nossas empresas é muito frágil.” Público.
  4. Declaração da troika sobre a quinta avaliação em Portugal. É mencionada, sem usar a designação, e como medido do governo, a descida da TSU aplicada às empresas, mas nada é dito sobre medida similar aplicável aos trabalhadores.

    “Equipas da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) estiveram em Lisboa de 28 de agosto a 11 de setembro para a quinta avaliação trimestral do programa económico de Portugal.”

    “...o aumento do desemprego, a redução do rendimento disponível e uma deslocação das bases de tributação para atividades com menor tributação estão a ter consequências na cobrança de impostos.”

    “Neste contexto, as opções políticas têm de conseguir um equilíbrio entre progredir no ajustamento orçamental necessário e evitar a pressão excessiva sobre a economia. Continua a ser crucial a realização de progressos nas reformas estruturais...”

    “...Embora o comportamento da despesa em 2012 seja melhor do que o estimado no orçamento, as receitas são significativamente inferiores às previstas. A fim de permitir o funcionamento parcial dos estabilizadores orçamentais automáticos, os objetivos do défice foram revistos em alta para 5% do PIB em 2012 e de 3% para 4,5% em 2013. O objetivo do défice para 2014, de 2,5% do PIB, mantém-se abaixo do limiar de 3% estabelecido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Esta trajetória revista permitirá ao governo conceber e aplicar medidas orçamentais estruturalmente sólidas e, ao mesmo tempo, aliviar os custos económicos e sociais do ajustamento orçamental a curto prazo.”

    “... No âmbito das medidas destinadas a compensar a decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes nas remunerações do setor público e nas pensões, o governo tenciona também reduzir as contribuições para a segurança social das entidades patronais, o que irá melhorar a competitividade e apoiar o emprego. Serão tomadas medidas para atenuar o impacto negativo sobre os trabalhadores com baixos rendimentos.”

    “... Estão previstas mais reformas, nomeadamente através de uma revisão geral do regime de concessão de licenças, para aumentar a concorrência, reforçar o contexto empresarial, melhorar a eficiência e reduzir as rendas excessivas nos serviços e indústrias de rede.

    “...A aprovação das conclusões da presente avaliação permitirá o desembolso de 4,3 mil milhões de euros (2,8 mil milhões da UE e 1,5 mil milhões do FMI). Estes desembolsos poderão ter lugar em outubro, dependendo da aprovação do Conselho de Administração do FMI, do ECOFIN e do Eurogrupo. A missão conjunta para a próxima avaliação do programa está prevista para novembro de 2012.” Público.
  5. Decisão do Tribunal Constitucional Alemão
  6. Governadores do novo Mecanismo Europeu de Estabilidade reúnem-se a 8 de Outubro

    “Tenciono convocar a reunião inaugural do conselho de governadores do MEE à margem da reunião do Eurogrupo de 8 de Outubro no Luxemburgo”, anunciou Jean-Claude Juncker, numa declaração divulgada em Bruxelas. Público.
  7. Austeridade adicional de 1,6 mil milhões em 2013 para corrigir desvios. i online.

    Vítor Gaspar reconhece défice real superior a 6%

    Vítor Gaspar explicou esta manhã, numa reunião com os deputados do PSD e do CDS, que o défice real deste ano, sem medidas extraordinárias, ficaria acima dos 6%. Ora, como a tolerância admitida pela a troika foi apenas até os 5% este ano e os 4,5% no ano que vem, o Governo teve de pedir sacrifícios suplementares, disse o ministro das Finanças. Expresso.
  8. Manuela Ferreira Leite critica fortemente a decisão do governo de coligação PSD-CDS/PP. TVI24.

    Ferreira Leite arrasa Gaspar: “Não se pode governar com base num acto de fé” e “destroçar” o País

    “Manuela Ferreira Leite deu esta noite uma entrevista à TVI24, onde lançou duras críticas às medidas de austeridade anunciadas pelo Governo, centrando a reprovação na intenção do Governo em agravar a contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social, por contrapartida à descida da taxa social única das empresas para 18%.

    “Onde é que isto nos conduz?”, questiona Ferreira Leite, alertando para a necessidade de o Governo fazer uma análise e apresentar estudos sobre as medidas que pretende implementar e depois efectuar uma comunicação aos portugueses para dizer como estará o País em 2014.” Jornal de Negócios.
  9. “Há uma linha que separa a austeridade da imoralidade”, disse Seguro. TSF.
  10. O líder do CDS-PP, Paulo Portas, afirmou hoje que discordou da medida da TSU e defendeu “outros caminhos”, explicando que não bloqueou a decisão para evitar uma crise nas negociações com a ‘troika’ e uma “crise de Governo”. Jornal de Negócios.
  11. Emprego e TSU: Estudo diz que TSU vai causar perda de mais de 30 mil empregos

    Da Conclusão

    Em Setembro de 2012, o governo português propôs uma redução da contribuição para a Segurança Social das empresas de 5,75 pp e um aumento das contribuições dos trabalhadores de 7 pp. O principal argumento usado para promover esta medida foi o de promover o emprego.

    Neste trabalho, analisámos de um ponto de vista teórico e empírico, o impacto no emprego deste tipo de mudanças nos descontos para a Segurança Social. O modelo teórico levou-nos à conclusão de que os impactos são ambíguos.

    Para desenvolver a estratégia empírica, coligimos dados para 25 países da OCDE para o período 1982-2009. A escolha das variáveis seguiu de perto as sugeridas por Mooij e Keen (2012), que fizeram um estudo similar para uma política em que a redução dos descontos das empresas é compensada por um aumento do IVA.

    Os principais resultados a que chegámos apontam para uma quebra no emprego e um aumento do desemprego de longa duração decorrentes de um aumento dos descontos dos trabalhadores. Este efeito negativo no mercado de trabalho não é compensado por qualquer efeito positivo da redução dos descontos das empresas.

    Os resultados do modelo que estimámos não corroboram os impactos no emprego esperados pelo governo em resultado das políticas anunciadas para a TSU.

    Luís Aguiar-Conraria, Fernando Alexandre, Pedro Bação, João Cerejeira, Miguel Portela

Última atualização: 23 setembro 2012 16:38

terça-feira, setembro 18, 2012

Novo Governo

TOYZE — "Este não é o Ano do Coelho". Para O António Maria.

Passos Coelho perdeu a confiança de todos os portugueses... e da Troika!

Nunca em Portugal, e em tão pouco tempo, houve tal unanimidade contra o desempenho de um primeiro ministro, e contra a gaguez mental e insensibilidade social de um ministro das finanças.

Paulo Portas, certamente por ter começado a sentir o tapete a fugir-lhe uma vez mais debaixo dos pés, tentou uma manobra desesperada: descolar da coligação, mas mantendo-se dentro dela, em nome da estabilidade. Feio, muito feio! Ninguém gostou. O partido e os que ainda votam nesta criatura imprevisível e escorregadia já deram o suficiente para uma ambição pessoal claramente sem futuro.

Todos esperamos agora do CDS a mesma revolta que começou a alastrar no PSD e que não parará até que uma nova geração de dirigentes e militantes, mais jovens e honestos, conscientes das pesadas responsabilidades partidárias na insolvência do país, tomem internamente o poder, em nome da responsabilidade, da racionalidade, da cooperação e da decência política.

Prolongar esta coligação desfeita, nas circunstâncias que todos conhecemos, é impossível. A subida dos seguros, dos juros e das rentabilidades associados à dívida soberana portuguesa será mais do que eloquente ao longo do que resta desta semana e mais ainda da próxima. Portugal não resiste à deterioração rápida do pesadíssimo serviço da sua dívida.

Por outro lado, tanto o FMI como o BCE deram claros sinais de que este governo deixou de servir.

A bola já não está do lado de Wolfgang Schaeuble, mas de Draghi, Lagarde e Barroso, sobretudo depois do euro ter resistido a uma monetização apressada das dívidas dos PIIGS, pelo menos antes que semelhante caminho inflacionista fosse trilhado pelo dólar até ao fim — o que acaba de ser confirmado pelo anúncio do Quantitative Easing 3 (QE3) de Obama/Bernanke. Ou seja, antes de o BCE se ver forçado a engolir boa parte da dívida especulativa residente na zona euro, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse Financeiro (JP Morgan, Bank of America, Citi e Goldman Sachs) terão que começar a tomar o xarope que fabricaram, usando para tal a cada vez mais desvalorizada nota verde.

A desvalorização contínua do dólar tornará assim mais fácil à Europa cumprir as obrigações financeiras formais para com os grandes especuladores americanos que apostaram no fim do euro.

Na Europa, pelo contrário, a janela de oportunidade criada pelo QE3 tem que ser aproveitada para permitir compatibilizar a regularização das dívidas soberanas, com programas de crescimento dirigidos a partir de Bruxelas, sem quaisquer cerimónias; e também para reforçar a dimensão federal da União Europeia, nomeadamente no plano da supervisão bancária, e de uma radical convergência das políticas fiscais e orçamentais.

Seria pois vital não perdermos tempo na formação de um novo governo, para o qual não fazem falta, nem eleições, nem congressos. Bastaria que as comissões nacionais e executivas de ambos os partidos aprovassem o novo primeiro ministro e o novo vice-primeiro ministro do próximo governo, antes de estes serem indicados ao presidente da república.

A generosidade desta mudança é naturalmente exigível aos líderes partidários Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.


POST SCRIPTUM

Estado arrisca indemnização de quase 170 milhões por cancelar TGV — Jornal de Negócios.

O governo precisa urgentemente de dinheiro para alguns buracos há muito escondidos e que se revelaram mais claramente durante a última avaliação da Troika:
  • o buraco especulativo das empresas públicas Metro de Lisboa e Metro do Porto, os quais correm o risco de ultrapassar os 2,5 mil milhões de euros (ler artigo de Helena Garrido) soma-se às dívidas assumidas (porventura subestimadas ) destas empresas públicas, que são de 4 mil milhões, para o Metro de Lisboa, e mais de 2,5 mil milhões, para o Metro do Porto;
  • o buraco total da TAP, o qual, entre dívidas assumidas, dívidas esperadas e compromissos (ex: a compra em leasing de 12 aviões Airbus A350), supera, nas nossas estimativas grosseiras, os 6 mil milhões de euros;
  • o buraco da CP-Refer supera os 6 mil milhões de euros.
Por outro lado, o valor das empresas a privatizar não pára de cair, tornando-se um negócio especulativo cada vez mais apetitoso para os piratas indígenas — como ficou aliás demonstrado na venda criminosa do Pavilhão Atlântico a um genro do presidente da república, com a cobertua financeira no omnipresente banqueiro do regime: o grupo BES. Em vez dos 120 milhões de euros estimáveis, a coisa ficou numa pechincha de 10 milhões!

Consequência desta evolução previsível da crise de insolvência do país, é o pouco ou nenhum apetite internacional pela TAP, pela ANA, e em geral por ativos carregados de dívidas monumentais e de responsabilidades sociais sem fim à vista. Como sempre avisámos, sem o saneamento e até a reestruturação e partição antecipada das empresas públicas a privatizar, o resultado seria pífio, ou mesmo desastroso.

Como se isto não bastasse para explicar o desespero que levou a coligação a tentar assaltar milhões de portugueses com uma aplicação inconstitucional, ilegítima, ilegal e criminosa da TSU, temos ainda o preço a pagar por decisões estratégicas que foram revertidas sem qualquer debate público, ou parlamentar prévios. Refiro-me à suspensão do dito "TGV" e à substituição dos contratos já assinados pela quimera de uma linha ferroviária de "altas prestações". Dizia o governo, através do alucinado secretário de estado das obras públicas, transportes e comunicações, Sérgio Silva Monteiro, que a massa de Bruxelaa iria para a tal quimera. Não foi!

A suspensão do dito "TGV", confirmada pela suspensão do financiamento comunitário (que a imprensa em geral tem iludido nas suas notícias) custará aos contribuintes portugueses: 800 milhões de euros (o pacote comunitário previsto que, como sempre dissemos, seria intransferível) + 170 milhões de indemnizações ao grupo Elos por suspensão intempestiva e injustificada de contrato + os custos processuais que conduziram à suspensão do projeto, por pressão da máfia da Ota em Alcochete (a que Passos Coelho cedeu como bom ex-futuro empregado do BES) + os custos jurídicos da batalha judicial contra as empresas com quem o Estado contratou a realização da linha ferroviária entre o Poceirão e Caia e que agora reclamam a justa indemnização + a não criação de milhares de empregos permanentes em Portugal a que esta ligação ferroviária entre as duas capitais da península daria lugar + mais o prejuízo económico de atrasar a inadiável ligação de Portugal às redes europeias de transporte ferroviário em bitola europeia, para mercadorias e passageiros (incluindo os comboios de Alta Velocidade).

Tudo somado, estamos a falar num murro no estômago da economia portuguesa que pode superar até 2020 muitos milhares de milhões de euros. Só por isto este governo merece ser imediatamente despedido, e os seus ministros, a começar pelo Jota PM, interrogados em comissão de inquérito parlamentar e, se for o caso, em sede judicial própria, pois creio firmemente que este desenlace ruinoso para o país foi, uma vez mais, resultado da pressão criminosa da máfia da Ota em Alcochete junto do poder capitaneado por um político de plástico.

É por estas e por outras que este governo deixou de servir, e é preferível que as decisões estratégicas que beneficiam Portugal passem a ser tomadas em Bruxelas, sem contar com os corruptos que tomaram de assalto o país. Da corja financeira e partidária que se apropriou da democracia só podemos esperar um estado falhado.

Para escapar a este destino miserável e humilhante só temos uma saída: exigir uma Nova Constituinte e exigir a reforma radical do sistema legislativo e partidário que temos.


Última atualização: 18 set 2012 13:06

segunda-feira, setembro 17, 2012

Depois de Gaspar

A remodelação de Vítor Gaspar seria uma prova de inteligência da coligação

Despedido com justa causa?

PSD vai reunir órgãos dirigentes para responder a Portas

Os sociais-democratas convocaram os órgãos de comunicação social ao meio da tarde deste domingo. A comunicação coube a Jorge Moreira da Silva, primeiro vice-presidente do PSD. A declaração foi curta e fria.

“Como sabem o CDS apresentou hoje as conclusões em relação as medidas do Governo para a consolidação orçamental. O conteúdo destas declarações do líder do CDS-PP não são indiferentes para a coligação e, porventura, para o próprio Governo”, afirmou.

Por isso, anunciou que a comissão permanente do PSD reúne já nesta segunda-feira e a comissão política, “com a presença do presidente do partido”, Pedro Passos Coelho, na quarta-feira. Vão, acrescentou Moreira da Silva, “analisar de modo muito detalhado” as conclusões do CDS.

Público, 16 set 2012

Constâncio: “O que importa é que haja um Governo e uma maioria que executem” o programa

“Como noutros países acontece, o que importa é que haja um Governo e uma maioria parlamentar que executem os programas e as medidas, e o ajustamento continue a ser feito”, afirmou Vítor Constâncio aos jornalistas, em Nicósia, Chipre, à margem do Ecofin (conselho de ministros das Finanças) informal, quando questionado sobre as eventuais consequências da ausência de um consenso político em Portugal.

Jornal de Negócios, 15 set 2012

A coligação está a um passo de cair, e a dois de sofrer a primeira remodelação governamental.

Conjugando a afirmação de Vítor Constâncio sobre a presente crise da coligação, com o discurso sobre o Estado da União, de Durão Barroso, e a decisão do Tribunal Constitucional Alemão sobre a mutualização parcial das dívidas soberanas da União, pode adivinhar-se a fraca utilidade de Vítor Gaspar à frente da pasta das finanças em Portugal. Seria uma estupidez não aproveitar esta crise para substitui-lo. Ou será que a própria crise gerada pelos desajeitados discursos de Passos Coelho e de Gaspar já anunciavam um desfecho bem mais provável do que parece?

Espero que Jorge Moreira da Silva seja, neste transe, a luz que tem faltado a Pedro Passos Coelho.

Miguel Relvas (1) e Marco António deveriam ser substituídos sem apelo nem agravo, a par da ignara Cristas e do incompetente Pedro Mota Soares. Os independentes, salvo o aluno reverente do poderoso ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaeuble, deveriam manter-se, caso PPC pretenda salvar a capacidade de implementar as medidas mais positivas da Troika, e acolher com outra coragem as possibilidades entreabertas pela cedência parcial da Alemanha a uma maior partilha dos buracos financeiros, sobretudo depois de se saber que o Quantitative Easing 3 de Obama-Bernanke já está a desvalorizar o dólar e a fazer subir ainda mais o preço da energia e dos cereais.

Resta assim saber quem poderia substituir Vítor Gaspar (o anjo de Schaeuble caído em desgraça). Eu iria buscar um jovem aos Estados Unidos, mas que não seja aluno embevecido de nenhum Prémio Nobel, e pense pela sua cabeça. Sobretudo alguém que tenha aprendido já alguma coisa com a crise sistémica em curso

Há dois dias antevi desenvolvimentos adversos à coligação, quando escrevi Um joker chamado Portas.

Tomá-los de ânimo leve não é a melhor forma de prevenir um acidente, nem muito menos de preparar a coligação para resistir aos vários desafios que ainda tem pela frente. Enquanto não conseguirmos mudar de regime —para o que precisamos de lançar o debate sobre a necessidade de convocar uma Nova Assembleia Constituinte— esta coligação, com este ou outro PM, é o que temos, e é o mal menor.


NOTAS

Alert© merece seguramente a curiosidade pública
  1.  Alert® é uma empresa pouco transparente (no sítio da empresa não constam nem os sócios, nem relatórios e contas), embora se creia que entre os seus principais protagonistas estejam Miguel Relvas e o omnipresente BES. É verdade? Esclareçam-nos por favor.

    A dita empresa teve um crescimento fulminante durante o consulado de José Sócrates, tendo passado dos zero aos 46,9 milhões de euros entre 2000 e 2010. “Só ao hospital de Famalicão levaram 1,2 Milhões em software, com 55 mil euros mensais de manutenção”. São as tais gorduras que muitos não querem perder...

    Curiosamente, o QREN, que em Portugal se tornou numa das sucursais do poder escondido do PS, não sofreu quaisquer incómodos por parte do novo governo azul-laranja, graças, segundo fontes bem informadas da Blogosfera, à mãozinha atenta de Marco António — o tal que quer ser presidente da falida câmara de Gaia, ao mesmo tempo que coloca toda a sua influência local para colocar Menezes no Porto, apesar de ter já esgotado o número de mandatos como presidente de câmara num país democrático e que quer, um dia, ser decente.

    O polvo é isto mesmo: uma rede de destacados dirigentes e ex-dirigentes partidários com ligações fortes à banca, envolvidos em negócios de origem ilegal ou ilegítima, obtidos sem sombra de dúvida ao abrigo de um intenso, contínuo e descarado tráfico de influências, e onde residem as principais causas da captura criminosa do Estado, do sistema partidário e, em última análise, da ruína escandalosa do país.

    É esta mesma corja que, ao mesmo tempo que prossegue as suas atrocidades predadoras, procura derrubar os ministros mais incómodos do governo chefiado pelo ex e seguramente futuro colaborador do BES, Pedro Passos Coelho. Os ministros visados pelo Polvo são, obviamente, os que têm nas mãos as pastas da Saúde, da Educação e da Economia, Obras Públicas e Transportes.

    Ao que parece (esclareçam-nos!) Miguel Relvas e José Sócrates são sócios em negócios no estrangeiro. A ida de Miguel Relvas ao Brasil não terá, por conseguinte, sido motivada apenas por razões de Estado. Nem a de Paulo Portas. Claro que a verdade destas suposições leva tempo a comprovar.

    Temos, em suma, que ter muito cuidado com as manobras que visam derrubar alguns ministros do governo, mesmo quando as motivações da ira popular são genuínas. É preciso deitar fora a água suja da coligação, mas convém não confundir os ministros úteis com os inúteis e perigosos.

    A rata sábia do DCIAP não sabe nada disto, claro!