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domingo, setembro 05, 2010

Rumos — 2

Falei na semana passada no enorme stock de habitações construídas, mais de 600.000, que em todo o país aguardam comprador, paralisando toda a cadeia da construção civil, com imediatas repercussões para as autarquias as quais se privam das taxas respectivas.

Qual a fundamentação para o país ter conseguido tão poderoso canal de financiamento da mais de 4.000.000 de fogos ao longo de 25 anos? Como se conseguiu construir e vender mais de 150.000 fogos anuais quando a população portuguesa está estabilizada? O ano passado já nasceram menos de 100.000 portugueses e já morreram mais do 100.000. Os programas de realojamento de bairros degradados e históricos absorveram certamente mais de 1.000.000 de fogos ao longo destes anos, mas concluíram a sua missão. O enorme êxodo dos novos licenciados e profissionais que ocorreu do interior para o litoral, Lisboa e Porto, também se pode considerar já estabilizado. Ao todo terão sido responsáveis por uma procura de cerca de 60.000 habitações por ano, talvez 1.500.000 ao todo. A politica de favorecimento estatal, municipal e bancário da segunda casa, para férias no Litoral, poderá ter sido responsável por mais uns 600.000 fogos. A elevada taxa de divórcios propiciou a entrada no mercado de mais um indeterminado número de fogos, sendo agora a tábua de salvação dos promotores.

Os centros históricos vão-se esvaziando, não se adaptando ao perfil da procura, enquanto crescem os centros periféricos. Agora que quase todas essas fileiras estão paralisadas, a construção sobreviverá se encontrar novos caminhos. As unidades de turismo anual ou sazonal poderão ser um sucesso em zonas de interesse lúdico cultural ou balneário. Tem-se falado muito no mercado da reabilitação urbana. É uma ilusão. Os altíssimos custos de construção (na reabilitação) e os recentes entraves normativos e legais fazem deste mercado um nicho insignificante e de rentabilidade duvidosa. A nossa economia sairá forçosamente da construção civil. Os actuais modelos de crescimento estão esgotados.

Frederico Brotas de Carvalho

terça-feira, agosto 31, 2010

Rumos — 1

NOTA PRÉVIA: este texto não é meu, mas sim de Frederico Brotas de Carvalho, um amigo com quem partilho há já alguns anos diálogos frutuosos sobre a crise portuguesa, os meandros da politiquice e as possíveis saídas para o bloqueamento do país. É pois com enorme prazer que aqui publicarei um conjunto de reflexões suas —sob o título “Rumos”— ao longo das próximas semanas. — O António Maria.

Muitas vezes interroguei o alto nível de vida que registávamos nas cidades. Exportamos menos do que importamos. Produzimos menos que consumimos. Se o modelo é desequilibrado qual o mecanismo que promove o seu equilíbrio e a alimentação dos circuitos de redistribuição?

Nos últimos 30 anos terão sido construídos e vendidos em Portugal mais de 4.000.000 de fogos com recurso ao crédito à habitação. Os 308 municípios através dos seus PDM’s aprovados e revistos viabilizaram 10.000.000 de fogos com cerca de 35.000.000 de camas para uma população que se sabia não iria aumentar até 2015.

A banca recorreu sistematicamente ao financiamento externo e hoje sabe-se que a dívida privada supera os 120% do PIB, ou os 200.000.000.000€.

Foi precisamente este canal de endividamento que assegurou o fluxo financeiro e os altos níveis de consumo nas áreas urbanas e que polarizou 80% dos portugueses num litoral desordenado.

Nascem e morrem aproximadamente 100.000 portugueses por ano. Sob um fluxo uniforme há um mercado avaliado em 60.000 novos fogos por ano. Contabilizam-se por vender mais de 600.000 fogos pelo lado do parque da oferta.

Significa isto que de uma forma mais ou menos adaptável teremos um stock de 10 anos de fogos por estrear. Toda a cadeia de promoção vai bloquear.

Qual era até agora o modelo de criação de riqueza?

Os municípios desagregavam terreno rural para terreno urbano, nos PDM’s, promovendo uma súbita multiplicação administrativa de valor de 1 para 30. O terrenos loteados eram vendidos com recurso ao crédito. Os construtores construíam também a crédito. Com lucros globais até 50% a propriedade horizontal era por fim vendida, com recurso a um ultimo crédito que cobria confortavelmente todos os precedentes. O que exportávamos em contrapartida? Hipotecas. Essa cadeia quebrou-se. Os municípios são já os primeiros a sentir brutalmente a paralisação do sector, não auferindo as taxas de urbanização. A seguir toda a sociedade vai sentir  o fecho deste canal. A implicações são imensas. Não esqueçamos que 85% do pão que comemos ao pequeno almoço é importado.

Frederico Brotas de Carvalho