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quarta-feira, dezembro 19, 2007

Tratado Europeu 4

Mapa Parcial dos Eixos de Transportes na Europa e Regiões Vizinhas
Mapa Parcial dos Eixos de Transportes na Europa e Regiões Vizinhas (doc. integral)

É preciso ver a floresta!
Razões que fizeram cair a oportunidade do referendo constitucional europeu.

Do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007:
ARTIGO II-101.º
Direito a uma boa administração
  1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
  2. Este direito compreende, nomeadamente:
    a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
    b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
    c) A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
  3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
Basta ler este fragmento do Tratado de Lisboa para percebermos até que ponto, pelo menos nós, os portugueses, ansiamos por uma Europa estratégica e com horizontes largos. É o único empurrão que nos pode livrar da pequenez, indolência, endogamia e corrupção localmente instaladas. É a única janela de esperança para os que vierem depois dos burocratas do quotidiano que há trinta anos, em nome de uma revolução que não fizeram, sentados avidamente à mesa do orçamento, presumem de democratas bem pensantes. Para se perpetuarem num poder que não merecem, puseram 60% da população do rol de dependentes do Estado, endividaram o país, mantiveram boa parte dos sistemas corporativos herdados do Salazarismo, fomentaram redes descaradas de nomenclatura ideológica e partidária, em suma, sequestraram o regime democrático para seu uso e proveito. A nata deste regime imprestável tem uma única aspiração em mente: entrar no restrito grupo de plutocratas que manda em Portugal. Qualquer português inteligente, honrado e que disponha de alguma informação sobre o que se passa, não pode senão desejar ardentemente entregar o que for preciso da nossa soberania para que alguma racionalidade e decência se instalem, de uma vez por todas, neste sítio indecoroso. Há um Portugal febril de iniciativas e de ilusões generosas, e há o Grande Albergue do Zombie Lusitano, onde habita esta sub-espécie social manhosa, imbecil e protegida, que teima em fazer definhar a esperança onde exista. Nesta guerrilha surda entre a inércia e o movimento, a divisão tradicional entre esquerda e direita deixou de fazer sentido. A nova divisão vai sendo estabelecida entre os que pensam, criam, produzem e amam, e aqueles que especulam, apodrecem nas burocracias, vivem para o poder ou roubam.

O tam-tam mediático anda entretido com os ossos que o poder político e financeiro lhes lança para roer. Na semana que corre, por exemplo, em vez de se perguntarem sobre o que terá levado um juiz a decretar prisão domiciliária para o assassino confesso de uma personalidade com conhecidas ligações políticas (refiro-me ao caso do "Director dos CTT decapitado", Maurício Levy), satura o espaço noticioso com o processo policial e jurídico que conduziu à presunção de "associação terrorista" (!) relativamente a uns provocadores profissionais, supostamente a soldo de máfias portuenses. Em vez de vermos os políticos a exigir do Banco de Portugal, da CMVM e da Polícia Judiciária uma rápida investigação das actividades aparentemente ilícitas e danosas da banca privada portuguesa, exigindo que os casos que envolvem nomeadamente o BES e o BCP sejam levados até fim e sejam, desde logo, matéria de interesse para a Assembleia da República, temos os tímpanos a zumbir com os argumentos demagógicos a favor do referendo ao Tratado de Lisboa.

O fracasso do referendo ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (também conhecido por Tratado da União Europeia), por motivos que deveram mais às situações internas da França e da Holanda, do que a uma rejeição conscienciosa do conteúdo do texto constitucional referendado, colocou a burocracia de Bruxelas e a generalidade dos políticos europeus interessados no avanço da União perante uma escolha difícil: ou recuar simplesmente, deixando a Europa estrategicamente desarmada perante parceiros, concorrentes e rivais mundiais (Estados Unidos, Rússia, China, etc.), ou reagir prontamente, procurando uma forma expedita de mitigar a impossibilidade de fazer aprovar uma verdadeira constituição europeia. O resultado final tem um aspecto horrível!

Chama-se Projecto de tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Este documento, assinado pomposamente em Lisboa, é virtualmente ilegível como está, na medida em que se trata basicamente de uma errata do tal Tratado Que Estabelece uma Constituição para a Europa, que foi chumbado em dois referendos e aprovado em vários outros. Porém, se a errata tivesse sido previamente vertida no texto do Tratado, como deveria se vivêssemos num mundo razoável, por-se-ia de novo a questão terminológica de se estar a aprovar um Tratado Constitucional. O que se fez então (parece que sob inspiração de Sarkozy) foi aprovar alterações, supressões e acrescentos ao suspenso Tratado da União Europeia, bem como ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, esperando-se agora que os diligentes funcionários de Estrasburgo compilem o documento final a ser presente, para discussão e aprovação, aos 27 parlamentos da UE. A Irlanda submeterá a referendo o agora chamado Tratado de Lisboa, nome suave e bonito que evita o fantasma federativo por mais algum tempo. Veremos se outros países seguirão as suas pisadas (no caso, decorrentes de obrigação constitucional própria.)

Como bem observou o primeiro ministro das finanças de José Sócrates, Luís Campos e Cunha, a alternativa ao SIM, neste caso, é apenas o vazio, um grande e desestabilizador vazio constitucional. Que alternativa realista resta pois a um pequeno ou mesmo médio país europeu que resolva rejeitar o Tratado de Lisboa? Em bom rigor, apenas a porta de saída da União, prevista no Tratado! É isso que os irresponsáveis do Bloco de Esquerda e do PC querem? Se é, digam-no francamente, para que todos fiquemos a saber. Se têm propostas concretas de alteração do documento, digam quais são. Ou será que pretendem apenas delapidar mais erário público e obter tempo de antena extra para repetiram ad nauseam desconexas cartilhas? Não sabem já que a maioria dos portugueses aprovaria o Tratado de Lisboa se, por conveniência própria, Sócrates resolvesse optar pelo referendo? E a quem serviria a mais do que certa e humilhante derrota destes partidos? A estupidez política revelada por uma tal insistência demagógica ficaria escancarada. Não se livrariam sequer da acusação de irresponsabilidade e insensibilidade fiscal. Acaso referendámos a Constituição Portuguesa ou alguma das suas alterações? TENHAM JUÍZO!

Não creio que o pragmático primeiro ministro que temos caia na grosseria de romper o acordo tácito estabelecido com os demais governantes europeus nesta delicada matéria. Mesmo tendo a certeza de que venceria o referendo, uma tal guinada para mero consumo interno (e preparação/teste da Oposição) seria um tiro fatal no prestigiante contributo dado pelo governo e pela diplomacia portuguesa à Europa nestes últimos seis meses.

Em 6 de Junho de 2005, depois do fracasso dos referendos francês e holandês, tomei nota de algo que pode servir a presente reflexão:
Num artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes" encontrei alguns dados interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no futuro do Estado Providência. -- in A Multidão Europeia quer Votar!
A discussão forçada sobre a necessidade imperiosa de um referendo para legitimar a actualização dos tratados da União Europeia acordada em Lisboa não tem nenhuma justificação, nem formal, nem de princípio, nem substancial.

Formalmente, o novo documento não se reveste de nenhuma característica que o distinga dos tratados anteriores, cujas assinaturas tiveram sempre lugar entre representantes dos países aderentes. Na perspectiva dos princípios, a redacção e aprovação de tratados internacionais sempre foram competências de governos e instâncias parlamentares, pelo que o recurso a campanhas referendárias como forma de legitimação democrática acaba por ser a excepção e não a regra. Por fim, no que se refere à substância, são óbvias três realidades:
  1. 99,9% dos cidadãos portugueses não leram, nem vão ler tão cedo, os documentos que constam da síntese que deu lugar ao Tratado de Lisboa;
  2. apesar disto, a maioria dos portugueses confia no objectivo geral do Tratado de Lisboa: fazer da Europa um grande espaço de liberdade, de igualdade perante a lei, de tolerância, de democracia, de paz e de prosperidade económica;
  3. sendo certo que os principais partidos do arco parlamentar, nomeadamente aqueles que formam o arco da governação, apoiam o desígnio estratégico da União Europeia, e no caso vertente, aprovam mesmo o Tratado de Lisboa, não se vê porque motivo deverão os cidadãos exigir a realização de um referendo para nele reiterar aquele que é consabidamente o seu sentimento sobre a matéria, ainda por cima conforme às posições amplamente expressas pelos partidos que formam uma clara maioria de 2/3 na Assembleia da República.
Levar o Tratado de Lisboa a referendo seria apenas uma maneira manhosa de obter um cheque em branco à ordem da peculiar indolência partidária e parlamentar que caracteriza o estado actual do regime democrático. Se houvesse referendo, o SIM venceria. E vencendo o SIM, os nossos queridos deputados e os nossos queridos ministros teriam mais uma justificação para a sua proverbial passividade política em tudo o que diz respeito à defesa dos interesses nacionais no caleidoscópio de interesses e matizes culturais da União. O lema da União é: "Unida na diversidade". Ora, para defender esta diversidade, fonte primordial das vantagens competitivas da União, como declaradamente o fazem países como a Dinamarca e o Reino Unido, o país precisa de políticos cultos, imaginativos, enérgicos e trabalhadores. Não precisa de uma ganga de penduras, cujo único objectivo é levar para casa todos os meses, trabalhando quase sempre em regime de part-time, 10 a 15 salários mínimos!

Defendi a realização do referendo ao Tratado Constitucional quando o mesmo prefigurava de facto uma aceleração federalista (que propugno) dos tratados, em direcção à criação de uma verdadeira Constituição Europeia. O documento de então, que acabaria por ser rejeitado nos referendos francês e holandês, era explicitamente definido como um "Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa". Não é pouca a diferença com o Tratado de Lisboa! Por isso, num caso, se justificava a realização de referendos em todos os países europeus da União, e noutro, não.

O governo português deve disseminar o Tratado de Lisboa, desde logo editando-o e pondo-o à disposição dos cidadãos, em formato electrónico no prazo de poucas semanas, em forma de livro tradicional, no prazo máximo de dois ou três meses. O parlamento deve trabalhar, discutindo substancialmente o documento, por forma a que o essencial das ideias contidas no documento e as objecções de quem se lhe opõe fiquem concreta e limpidamente explicadas aos cidadãos.

Post scriptum (12-02-2008) -- Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia: "versões consolidadas do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que passa a chamar-se Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com as alterações neles introduzidas pelo Tratado de Lisboa".

OAM 296 19-12-2007, 05:05

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Tratado Europeu 3

Açores, São Miguel, Vila Franca do Campo, Ilhéu, 2006.
Açores, São Miguel, Vila Franca do Campo, Ilhéu, 2006.

Tratado de Lisboa

A diplomacia portuguesa está de parabéns. O governo de José Sócrates, Durão Barroso e Cavaco Silva remaram bem. Foi mais um pequeno passo para a Europa que talvez não faça mal à humanidade. Mas significa a assinatura do Tratado de Lisboa, no belíssimo claustro dos Jerónimos, num magnífico dia de Sol, e numa cidade falida mas bela que a todos oferece, ao menos hoje, museus e transportes à borla, um bom augúrio? Oxalá que sim! Haverá problemas pela frente, depois da festa de hoje? Infelizmente, sim.

A questão europeia é sobretudo uma questão de espaço e de transição civilizacional. Duas guerras mundiais e dezenas de milhões de mortos chegaram para a Europa perceber que tinha que se reorganizar e rumar noutra direcção. Por um lado, ficou demonstrado que nenhuma das velhas potências europeias, dos Habsburgos a Napoleão e deste a Bismarck e Hitler, seria capaz de dominar e muito menos unir, pela força, a Europa Ocidental. Por outro, o fim dos vários impérios coloniais europeus e a emergência paulatina dos grandes estados continentais e sub-continentais da América, de parte da Eurásia e da Ásia, colocou as mentes lúcidas da Europa num verdadeiro estado de emergência geo-estratégica. As guerras intra-europeias arruinaram por várias vezes uma Europa cuja consciência de si foi sendo adquirida, contraditória e tardiamente, por reacção ao protagonismo sucessivo e crescente de novos actores estratégicos com capacidade de influenciar de forma determinante a agenda política mundial: Estados Unidos, União Soviética, China...

As óbvias vantagens culturais, tecnológicas, organizativas e militares da Europa pós-Renascentista e Moderna estão prestes a terminar. Acumuladas ao longo de quinhentos anos, serviram-nos para aguentar, durante todo o século 20, o previsível embate da concorrência movida pelo Novo Mundo e pela subsequente ressurreição económica da Ásia (sobretudo Japão, China e India.) Esgotado o ciclo da exploração directa e colonial das matérias primas e dos mercados situados na América, em África e na Ásia, não restou à lógica do Capitalismo outra solução que não fosse auto-expatriar-se para os novos mercados, assentando aí as suas fundações e estratégias com o objectivo de contrariar a Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro, cada vez mais ameaçada numa Europa desfalcada de matérias primas, de capital humano barato e dócil, e de vontade.

As economias da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e Canadá, sobretudo a partir da década de 70, foram-se transformando em economias virtuais de serviços, consumo e especulação financeira. O acesso negocial às fontes de energia, reservas de matérias primas, solos férteis e mão-de-obra barata levou os "países ricos" a exportarem cada vez mais indústrias, conhecimentos e fatias crescentes do capital acumulado para o chamado "terceiro mundo". Em troca foram recebendo um pouco de tudo: soja, madeiras nobres e corporate jets Embraer Legacy do Brasil, toda a espécie de electrónica, automóveis e motas do Japão, Coreia do Sul e Formosa, matemáticos, engenheiros e contabilistas da India, Barbies Mattel, sneaks Nike, jeans Armani e maçãs Fuji, da China e, claro está, muito petróleo e gás natural da Rússia, Médio Oriente, Magrebe, Golfo da Guiné, Venezuela, etc.

Esta transferência monumental de recursos financeiros, organizativos, tecnológicos e culturais teve um preço inesperado. Acelerada ao longo das décadas de 1980 e 1990, da Europa Ocidental, Estados Unidos-Canadá e Japão, para os países emergentes, nomeadamente os BRIC, tal transferência viria a traduzir-se num desequilíbrio comercial e financeiro crescente a favor destes últimos, colocando subitamente os EUA e a actual União Europeia (UE) perante desafios inimagináveis há uma ou duas décadas atrás (1). A demografia declinante e envelhecida da Europa, associada aos salários comparativamente elevados e aos níveis de bem estar social adquiridos pelos respectivos cidadãos depois da II Guerra Mundial, a que se vem somar uma indisfarçável penúria energética e de matérias primas industriais e, por fim, a deslocalização de boa parte da sua economia real para os paraísos da nova escravatura, tem vindo a conduzir os europeus para uma armadilha explosiva. Se forem incapazes de reagir a tamanha ameaça, Europa e Estados Unidos poderão caminhar para um longo período de decadência, à semelhança do que ocorreu à Dinastia Ming depois de um édito imperial ter determinado, em 1436, o fim da sua imensa frota naval de águas profundas, em nome da concentração dos esforços financeiros e militares na luta contra os Mongóis.

Depois da assinatura de hoje que podem desejar os europeus? O período que se segue à assinatura do Tratado de Lisboa, na espera ansiosa pela ratificação do mesmo por todos os 27 estados membros da União Europeia, será porventura um dos mais críticos do projecto lançado em Roma há precisamente meio século. Basta que a ratificação seja chumbada por um único dos seus membros para voltarmos à estaca anterior, ou mesmo a uma espécie de estaca zero! Esta possibilidade implica que um ou mais países optem por realizar referendos, em vez das ratificações parlamentares pré-acordadas, e que num desses referendos vença, outra vez, o NÃO! Vale a pena correr este risco? Não creio que haja razões suficientemente fortes para tal. Basta perguntar aos defensores do referendo, quantas das actuais constituições nacionais dos vários países europeus foram referendadas. Ou se uma maioria parlamentar qualificada é menos democrática do que um referendo? Ou ainda se já leram o Tratado?

A União Europeia está ainda longe de ter alcançado a dimensão territorial e a coerência cultural de que necessita para sobreviver aos desafios que se aproximam. Se bem que a ligação aos Estados Unidos seja ainda muito forte, como se viu na operação de salvamento lançada pelos bancos centrais norte-americanos e europeus, a propósito do buraco negro que suga catastroficamente a liquidez financeira especulativa de ambos os lados do Atlântico, é bem provável que a mesma se venha a romper num futuro próximo. Se tal ocorrer, teremos que pensar rapidamente em convidar a Turquia e a Rússia para darem o seu precioso contributo à construção de uma Grande Europa, capaz de promover o equilíbrio entre as principais placas tectónicas da política mundial, e sobretudo trabalhar na árdua transição energética, económica e social que a todos espera ao longo das próximas décadas. Se nada fizermos neste campo, 2030 marcará o incorrigível declínio de toda humanidade para formas de sobrevivência desesperada, da qual resultarão retrocessos civilizacionais inimagináveis.

As ameaças que temos pela frente podem ser arrumadas em dois apartados: o que se refere à Europa; e o que diz respeito ao mundo na sua globalidade.

No primeiro, há três ordens de problemas que merecem a maior das atenções:
  • olhar para a Europa como uma Grande Europa, cujo território vá de Lisboa (ou melhor do Ilhéu de Monchique, ao largo da Ilha das Flores, no arquipélago dos Açores) até Kiev, Istambul, Moscovo e Vladivostok!
  • olhar para as nações intra-europeias como unidades culturais solidárias do projecto europeu, acompanhando com especial cuidado os processos independentistas em curso no Kosovo, Escócia, Bélgica, País Basco, Catalunha e Galiza.
  • defender a democracia, a liberdade e a solidariedade nas suas dimensões jurídicas, éticas e sociais.
No segundo, sublinho estas três ordens de problemas:
  • o actual paradigma energético está esgotado e a sua substituição implicará uma revolução económica, tecnológica, social e cultural sem precedentes.
  • o aquecimento global e as alterações climáticas daí decorrentes, parcialmente causados pelas sociedades humanas, têm consequências catastróficas, agravadas à medida que emitimos gases com efeito de estufa para a atmosfera, e tornar-se-ão irreversíveis a partir do ponto em que as temperatura médias atmosféricas do globo subam mais de 2ºC acima da média registada na era pré-industrial.
  • a exaustão dos recursos energéticos, minerais e alimentares, bem como a exaustão dos solos orgânicos e a falta de água potável, são processos humanos aparentemente imparáveis, mas a que a humanidade sucumbirá, porventura subitamente, se não agir com determinação e inteligência desde já.


Notas
  1. Michel Rocard: "La crise mondiale est pour demain".

    "Il va falloir défendre tout ce qui produit contre tout ce qui spécule. C'est ça, la nouvelle lutte des classes".

    Pour l'ancien Premier ministre, tous les facteurs d'une crise économique d'une ampleur considérable sont réunis. Comment en est-on arrivé là? Que peut-on faire?

    Michel Rocard:

    "Avec une pauvreté de masse évaluée à 10 millions de personnes en Grande-Bretagne et entre 5 et 6 millions en France, la part des salaires dans le PIB a évidemment reculé par rapport au «profit» réinvesti de manière spéculative. D'où, faute d'une demande suffisante, une croissance anémiée, incapable de contenir l'hémorragie des déficits et une dette de plus en plus difficile à rembourser."

    "Par rapport à l'économie physique réelle, ces liquidités sont en effet sans précédent. Mais elles ne s'orientent pas vers l'investissement long. Elles préfèrent les investissements financiers spéculatifs. Tous les banquiers vous le diront, malgré leur affinement, les politiques économiques ne peuvent rien sur l'usage et l'évolution de ces liquidités. Ce dysfonctionnement, culturel dans sa nature, structurel dans son résultat, est terrible. Personne ne sait comment ça peut finir, et j'ai la conviction que ça va bientôt exploser".

    "C'est le capitalisme dans sa forme mondialisée et financiarisée non le marché dont je suis partisan - qui est en cause aujourd'hui." -- 13-12-2007, Le Nouvel Observateur.

Referências

Oil-Rich Nations Use More Energy, Cutting Exports

9-12-2007. The economies of many big oil-exporting countries are growing so fast that their need for energy within their borders is crimping how much they can sell abroad, adding new strains to the global oil market.
Experts say the sharp growth, if it continues, means several of the world's most important suppliers may need to start importing oil within a decade to power all the new cars, houses and businesses they are buying and creating with their oil wealth.

Internal oil consumption by the five biggest oil exporters -- Saudi Arabia, Russia, Norway, Iran and the United Arab Emirates -- grew 5.9 percent in 2006 over 2005, according to government data. Exports declined more than 3 percent. By contrast, oil demand is essentially flat in the United States. -- New York Times.


The Peak Oil Crisis: Decision at Abu Dhabi, by Tom Whipple

6-12-2007. "As the century turned, however, so did the fortunes of OPEC. Around the world, giant oil fields started to decline leaving only a few OPEC members with much or any spare production capacity or prospects for growing output. More importantly, the world's two most populous countries, China and India, which had been dormant for centuries, got their economic acts together and began to import ever increasing quantities of oil. The price of oil that in 1998 was $10 a barrel soared to nearly $100. OPEC members were not only getting rich, they were back at the center of world affairs.

"When OPEC gathers in a closed room to discuss a production increase, only one country (the Saudis) can do much about increasing production. Most of the rest just want to see higher and higher prices, in some stable currency, so as to get the most real return for their oil before it runs out. Thus, it is the Saudis who carry the trump card for only the Kingdom (or so they would like us to think) can increase production. The other 12 are really just there for window dressing that gives the appearance of a "group" decision.

In the build-up to this week's meeting the wire services were filled with speculation about what would happen. Each of the 13 oil ministers had his minute of fame on the world's stage. One of the services was told authoritatively that as oil was nearly at $100 a barrel, OPEC was studying a 750,000 barrel a day increase in production. Shortly after this story made the rounds, oil prices dropped by $10 a barrel on expectations of a big production increase and concerns about a really bad economic situation next year. By the end of last week a poll of financial analysts showed that most expected at least a 500,000 barrel a day increase.

As the meeting drew closer Iran and Venezuela (who can no longer increase production) were busy telling anybody who would listen that there was no need for a production increase. This time around Indonesia, who has 235 million increasingly hungry mouths to feed, called for a production increase in hopes that the Saudis would step up production and mitigate oil prices. The Saudis as usual kept their own counsel, saying they had to review the latest data.

During the meeting a highly placed, but anonymous, official spread the story that the Saudis were asking for a 500,000 barrel a day increase and were arguing with those who were opposed. This of course made the Saudis look like good guys to Washington and the OECD no matter what the 'decision'. When the doors opened, it was announced that production would stay the same and that the matter would be reviewed on February 1.

That should settle the matter for another couple of months. If it is a cold winter and demand really goes up than we could see our economy-damaging $100+ oil after all. If the credit crunch reaches the levels that some fear, then OPEC made a good decision, as demand will drop. -- Energy Bulletin.


Scientists in the US have presented one of the most dramatic forecasts yet for the disappearance of Arctic sea ice.

12-12-2007. Their latest modelling studies indicate northern polar waters could be ice-free in summers within just 5-6 years. -- BBC Online.


What Is Progress? The numbers show that this should be the real question at the Bali talks.

4-12-2007. "A paper in Geophysical Research Letters finds that even with a 90% global cut by 2050, the 2° threshold 'is eventually broken'. To stabilise temperatures at 1.5° above the pre-industrial level requires a global cut of 100%. The diplomats who started talks in Bali yesterday should be discussing the complete decarbonisation of the global economy.

"It is not impossible. In a previous article I showed how by switching the whole economy over to the use of electricity and by deploying the latest thinking on regional supergrids, grid balancing and energy storage, you could run almost the entire energy system on renewable power. The major exception is flying (don't expect to see battery-powered jetliners) which suggests that we should be closing rather than opening runways.

"The Kyoto Protocol, whose replacement the Bali meeting will discuss, has failed. Since it was signed, there has been an acceleration in global emissions: the rate of CO2 production exceeds the IPCC's worst case and is now growing faster than at any time since the beginning of the industrial revolution. It's not just the Chinese. A paper in the Proceedings of the National Academy of Sciences finds that 'no region is decarbonizing its energy supply'. Even the age-old trend of declining energy intensity as economies mature has gone into reverse. In the UK there is a stupefying gulf between the government's climate policy and the facts it is creating on the ground. How will we achieve even a 60% cut if we build new coal plants, new roads and a third runway at Heathrow?

Underlying the immediate problem is a much greater one. In a lecture to the Royal Academy of Engineering in May, Professor Rod Smith of Imperial College explained that a growth rate of 3% means economic activity doubles in 23 years. At 10% it takes just 7 years. This we knew. But Smith takes it further. With a series of equations he shows that 'each successive doubling period consumes as much resource as all the previous doubling periods combined.' In other words, if our economy grows at 3% between now and 2030, we will consume in that period economic resources equivalent to all those we have consumed since humans first stood on two legs. Then, between 2030 and 2053, we must double our total consumption again. Reading that paper I realised for the first time what we are up against. -- George Monbiot.


"Doomsday Seed Vault" in the Arctic, by F. William Engdahl

Bill Gates, Rockefeller and the GMO giants know something we don't

"We can legitimately ask why Bill Gates and the Rockefeller Foundation along with the major genetic engineering agribusiness giants such as DuPont and Syngenta, along with CGIAR are building the Doomsday Seed Vault in the Arctic.

"Who uses such a seed bank in the first place? Plant breeders and researchers are the major users of gene banks. Today's largest plant breeders are Monsanto, DuPont, Syngenta and Dow Chemical, the global plant-patenting GMO giants. Since early in 2007 Monsanto holds world patent rights together with the United States Government for plant so-called 'Terminator' or Genetic Use Restriction Technology (GURT). Terminator is an ominous technology by which a patented commercial seed commits 'suicide' after one harvest. Control by private seed companies is total. Such control and power over the food chain has never before in the history of mankind existed."

"Can the development of patented seeds for most of the world's major sustenance crops such as rice, corn, wheat, and feed grains such as soybeans ultimately be used in a horrible form of biological warfare?

"The explicit aim of the eugenics lobby funded by wealthy elite families such as Rockefeller, Carnegie, Harriman and others since the 1920's, has embodied what they termed 'negative eugenics,' the systematic killing off of undesired bloodlines. Margaret Sanger, a rapid eugenicist, the founder of Planned Parenthood International and an intimate of the Rockefeller family, created something called The Negro Project in 1939, based in Harlem, which as she confided in a letter to a friend, was all about the fact that, as she put it, ‘we want to exterminate the Negro population.''' -- Global Research, December 4, 2007.

OAM 293 13-12-2007, 17:45

sexta-feira, outubro 19, 2007

Tratado Europeu 2

Alcochete, praia, 2007
Alcochete, praia, olhando para Lisboa.

Chin Chin!

Eu não sou bota-abaixista e tenho orgulho no meu país, apesar das suas evidentes misérias. Gosto de bater no toutiço daqueles que nos governam, sempre que descubro algo de muito errado nos seus actos e omissões. Estarei por vezes equivocado e serei às vezes injusto, mas esse é o preço do diálogo democrático e dos jogos políticos quando a informação disponível é parcial e se desconhecem as motivações reais das decisões. Assim sendo, pelos resultados obtidos por José Sócrates e José Manuel Durão Barroso, na sequência do enorme esforço de persuasão da chanceler alemã Angela Merkel, no que respeita à aprovação do Tratado Reformador que corrige e substitui o acto falhado que acabou por ser o Tratado Constitucional redigido pela comissão presidida por Valéry Giscard d'Estaing, parabéns pá!

Não é indiferente para um pequeno e aflito país como Portugal, que tenhamos co-produzido, mediado activamente e finalmente celebrado dois documentos tão importantes para o futuro da Europa quanto a Agenda de Lisboa e, agora, o Tratado de Lisboa, cuja ratificação recolherá muito provavelmente a unanimidade democrática dos 27 membros da União. A predisposição existente para a aprovação do documento-base da nova Europa não significa, porém, que todos os estados deixem de fazer um verdadeiro esforço para divulgar e sobretudo discutir em bases claras e pedagógicas os prós e contras do Tratado Constitucional Europeu. Se tal se fizer, não desaprovo a ideia de a ratificação do documento ficar a cargo dos parlamentos democráticos dos diversos estados europeus (1).

A Europa está numa complicada encruzilhada. Precisa de consolidar urgentemente o seu projecto territorial, que é de facto um problema de espaço vital -- económico, político e cultural--, mediando ao mesmo tempo de forma pacífica a deslocação tectónica em curso do centro do mundo, do continente americano para a Ásia... ou para a Eurásia.

A crise que afecta actualmente os Estados Unidos não é um episódio conjuntural, mas sim uma verdadeira crise sistémica, a qual revela sinais inequívocos do declínio efectivo de uma super-potência mundial, 20 anos depois da Queda do Muro de Berlim. Há quem preveja que esta perda inexorável de protagonismo e de poder vá consumir e agitar a América nos próximos 35 anos.

A tentativa em curso de fazer regressar o maniqueísmo bipolar e o terror atómico entre Washington e Moscovo volta a ser, infelizmente, a mais perigosa ameaça ao futuro da humanidade. Os Estados Unidos e a Europa exportaram boa parte da sua capacidade produtiva para a Ásia, numa lógica capitalista de pura exploração de recursos, nomeadamente humanos. Por outro lado, não acautelaram a tempo e horas as questões energéticas e as questões da própria sustentabilidade ecológica do modelo de desenvolvimento material e cultural da espécie que desenvolveram e exportaram para todo o planeta. Os problemas convergem agora no sentido da sua crescente e combinada gravidade. Que fazer?

Talvez concentrarmo-nos todos na metamorfose criativa e pacífica do actual modo de vida!



Notas
  1. Numa conversa entre José Rodrigues dos Santos, António Vitorino e João de Deus Pinheiro, esta noite, na RTP1, ouvi aquele que me parece ser o mais demolidor argumento contra os fundamentalistas do Referendo para a ratificação do tratado constitucional europeu. Deus Pinheiro, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, lembrou que a nossa própria Constituição (e as suas sucessivas revisões) nunca foram referendadas pelos eleitores, a não ser pela via parlamentar reforçada (maioria de 2/3).

    De facto, nenhuma pergunta clara poderia alguma vez ser submetida ao eleitorado sobre esta matéria extensa e complexa. Por outro lado, é verdade que mais de 99,9% dos portugueses, incluindo 99% dos simpatizantes do Bloco de Esquerda e 99% dos militantes do PCP, não fazem a mais pequena ideia do conteúdo do Tratado de Lisboa. Nunca o leram e não não vê-lo nunca! Nestas circunstâncias, as imbecilidades aveludadas proferidas por Joana Amaral Dias na SIC Notícias sobre o tema, tal como as vociferações neolíticas do Secretário-Geral do PCP não passam da mais pura e irrelevante demagogia. De resto, as posições já assumidas por Luís Filipe Menezes e Cavaco Silva sobre esta matéria vieram facilitar grandemente a tarefa ao actual Primeiro Ministro.

    Resta obviamente o problema do compromisso eleitoral do PS. Mas aqui, o povo dirá: -- "Tomara que o Socratintas só tivesse mudado de ideias neste assunto! ! (19-10-2007, 22:15)


Referências


Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa
Projecto do Tratado Reformador
Presidência da União Europeia, Portugal 2007



OAM 265, 19-10-2007, 13:19