segunda-feira, setembro 29, 2014

Catalunha marca referendo. E agora?

Francisco de Goya. “La Verdad, el Tiempo y la Historia” (ca. 1800)
Conhecida como Alegoria da Constituição de 1812.

E se os referendos separatistas tivessem que seguir a regra dos 2/3?

As questões nacionalistas, catalã, basca e galega, continuam por resolver no reino espanhol.

Há o nacionalismo da "Espanha", e há os nacionalismos das "Espanhas", bem mais antigos. Os portugueses —que não esquecem as sucessivas conspirações e tentativas castelhanas de conquistar Lisboa e o nosso país (1385, 1580-1640, 1807, 1913 e 1940)— são neutrais face a este problema e defendem a resolução pacífica deste diferendo entre povos espanhois que os Reis Católicos uniram sob uma mesma bandeira em nome de dois grandes prémios: Granada e a grande expansão marítima da Europa cujos primeiros protagonistas seriam naturalmente Portugal e o novo reino de Castela-Aragão — uma vez assinado o Tratado das Alcáçovas-Toledo (1479/1480) que estabeleceu, pela primeira vez, o reconhecimento mútuo de Portugal por parte de Castela, e de Castela por parte de Portugal. Após a conquista de Granada (1492), na antiga 'españa', ou Ibéria, passaram a existir dois estados: o reino de Portugal, que incluía territórios ultramarinos vários, e o reino de Castela, que incluía Aragão e outros territórios ibéricos, europeus e ultramarinos vários.

A convivência das nações e povos num mesmo estado promovido pelos Reis Católicos na transição do séc. XV para o séc. XVI nunca foi totalmente pacífica. Houve guerras civis desde então, periódicas e quase sempre em torno de questões nacionais, sobretudo de ordem estratégica, fiscal e monetária, frequentemente mascaradas por questões dinásticas e sucessórias.

Articulo CXVI — Las Aduanas interiores de partido a partido, y de provincia a provincia, quedan suprimidas en éspaña e Indias. Se trasladaran alas fronteras de tierra, ó de mar.

Articulo CXVII — él sistema de contribuciones será igual en todo el Reyno.
—in “Constitución original firmada por cuantos concurrierón a la Junta de Bayona”, conhecida como Estatuto de Bayona de 1808.

A unificação monetária e constitucional da Espanha é um evento tardio, que só viria a ocorrer depois das invasões francesas, e por determinação napoleónica. España enquanto designação jurídica das 'Espanhas' englobadas pela monarquia castelhana é um facto histórico posterior à Constituição espanhola proclamada em Bayona por Napoleão e Jose Bonaparte em 1808, e posterior à liberal Constitución Política de la Monarquía Española, de 1812, inspirada na anterior e em geral na nova filosofia política francesa sobre a separação de poderes. Nestes dois textos fala-se de território espanhol, de pátria espanhola, de nação espanhola, das Espanhas, mas 'espanha', no singular e escrita em minúscula, é um termo que aparece, talvez pela primeira vez, na proclamação constitucional napoleónica de Bayona, embora como substantivo, e não como definição de um estado que continua a ser definido como 'Reyno de las Españas y de las Índias', como 'Monarquía Española' e como (e aqui temos a novidade constitucional Montesquiana introduzida, pela primeira vez, no vocabulário cultural espanhol) 'Nación Española'

[La Nación Española es la reunion de todos los Españoles de ambos Hemisferios' e 'Son Españoles: Todos los Hombres libres nacidos y avecindados en los dominios de las Españas, y los hijos de estos.]

Antes da invasão napoleónica da Península Ibéria, a palavra Espanha, ou espanha ['efpaña'] aparece raramente impressa — por exemplo, no Cantar de mio Cid, um longo poema cujo autor se descnhece e que terá sido escrito entre 1195 e 1207. Trata-se, no entanto, de uma referência sobretudo geográfica à península ibérica. Espanha ou Ibéria são, desde os Gregos e antes deles, designações de um mesmo lugar: a península europeia que fica para cá dos Pirinéus. A transformação das Espanhas unidas pelo reino de Castela-Aragão numa estado-nação chamado Espanha é, pois, uma metamorfose conceptual iniciada por Napoleão, que ganha expressão no Estatuto Real de 1834, e que mais tarde será radicalizada pela exacerbação nacionalista castradora do ditador Francisco Franco.

As feridas continuam, nuns casos, recalcadas, noutros bem abertas. Talvez por isso a discussão sobre as 'espanhas' e sobre a natureza histórica da monarquia espanhola, incendiada pelo radicalismo sanguinário da ETA, e mais recentemente pelo nacionalismo referendário catalão, deva ser levada a sério e com a máxima prudência por todas as partes envolvidas.

POST SCRIPTUM — o recente referendo na Escócia, mas sobretudo o futuro dubitativo da integridade dos EUA, são fenómenos que mostram até que ponto a unidade dos estados em torno de um centro depende sempre da capacidade deste centro alimentar a prole e cuidar do território. Os estados, tal como os impérios, colapsam quando gastam mais do podem durante tempo suficiente para os levar a uma situação de ruína estrutural. Sempre foi assim.

One in four Americans want their state to secede from the U.S., but why?
Reuters. By Jim Gaines
September 19, 2014

For the past few weeks, as Scotland debated the wisdom of independence, Reuters has been asking Americans how they would feel about declaring independence today, not from the United Kingdom, but from the mother country they left England to create. The exact wording of the question was, “Do you support or oppose the idea of your state peacefully withdrawing from the United States of America and the federal government?”

REFERÊNCIAS
Última atualização: 29/09/2014 16:17 WET

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