quarta-feira, novembro 27, 2013

Banco de Portugal?

Público, Foto: Nelson Garrido

A banca é a melhor aliada da dívida pública!

Banco de Portugal afirma que a carga fiscal conjugada com cortes nos salários e pensões vai afetar rendimento disponível em 2014. E avisa que a consolidação orçamental não é amiga do crescimento do emprego e constitui uma ameaça à própria estabilidade financeira do sistema bancário. Diário de Notícias, 27/11/2013.

O Banco de Portugal foi um banco privado até 1974. E depois desta data, apesar de ter sido nacionalizado pelo PREC, e de ser um banco central público, ao contrário, por exemplo, da Reserva Federal americana, que continua a ser um cartel privado de banqueiros, o BdP é, na realidade, uma entidade que vela, em primeiro lugar, pelos interesses do cartel bancário nacional. É tendo bem presente esta ideia que devemos ler o aviso de Carlos Costa (ex-BCP, ex-CGD, ex-BEI) sobre o recessivo Orçamento de Estado ontem aprovado no parlamento.

Em vez de exercer uma ação punitiva clara e determinada junto da banca privada que desgraçou o país ao proteger e alimentar-se da corrupção que galopou desde meados da década de 1990, financiando, com endividamento público e externo, de forma especulativa, investimentos sem retorno e uma partidocracia voraz, ignara e irresponsável, o Banco de Portugal vem dizer agora que quer continuar a ter uma Administração Pública sobre-endividada. Porquê? Eu digo: porque é a principal mama financeira da banca comercial que temos. Ou seja, uma vez que a banca comercial não coloca um cêntimo na economia, apesar da propaganda vigarista que vemos por aí, a sua principal fonte de estabilidade indolente é o endividamento público!

O mecanismo é basicamente este: o Estado emite dívida pública, os bancos indígenas compram essa dívida com dinheiro emprestado pelo BCE, que fica com os títulos como garantia. Os bancos indígenas cobram ao Estado português juros muito superiores aos juros que pagam ao BCE, e este, por sua vez, cobrando um juro mínimo à cabeça, contorna os tratados da União e aumenta assim a massa monetária no SME. Ao que parece, esta é a única maneira que Mario Draghi conhece para forçar os países a pagar as suas dívidas, nomeadamente, aos grandes especuladores globais: JP Morgan, Goldman Sachs, Bank of America, Citi, HSBC, Deutsche Bank, Barcleys, etc.

Por sua vez, o dinheiro da Troika chamada a intervir nos países à beira da bancarrota, cobra juros bem mais elevados do que os juros que o BCE cobra aos bancos comerciais, e serve, no essencial, para obrigar os estados a devolverem aos investidores que apostaram de forma aventureira ou especulativa no endividamento público de vários países, os seus capitais e os juros na sua totalidade, retirando, assim, todo o risco às operações realizadas, como se o risco não fosse a essência do jogo capitalista e da especulação financeira!

Pior: os bancos comerciais portugueses, como não emprestam um cêntimo à economia real (continuam, no entanto, a ‘viabilizar’ operações financeiras puramente especulativas, como se viu ontem na aquisição parcial da Soares da Costa e da Controlinveste Media pelo senhor Mosquito), colocam o excesso de reservas (1) no próprio BCE, cobrando um juro exíguo mas seguro, em vez de arriscar o tal cêntimo que não investem na economia real.

Como se diz na gíria do economês, os mecanismos de transmissão do sistema financeiro para a economia deixaram de funcionar. O aumento da massa monetária nos EUA, como na Europa e no Japão, é um circuito fechado que retira rendimento aos salários, pensões e subsídios, que bloqueia financeiramente a economia, destrói centenas de milhar de empresas em todo o mundo, provoca centenas de milhões de desempregos, e que tem por único fim forçar os contribuintes a pagar o que devem e o que não devem, em nome da estabilidade dos bancos e dos governos que estes controlam.

Este embuste está, porém, a destruir as sociedades e ameaça perigosamente a estabilidade dos regimes democráticos americanos e europeus. É por isso que, tanto nos Estados Unidos, como na Europa, se buscam soluções de compromisso que, nomeadamente, garantam o financiamento da economia real. O banco central americano anunciou recentemente a sua intenção de fazer duas coisas: deixar de pagar juros pelos excessos de reservas bancárias depositadas no Fed, assim como diminuir a quantidade de dinheiro colocado à disposição dos mercados finaneiros para comprarem e especularem com a dívida americana. A ideia destas medidas é estimular, finalmente, a transmissão de liquidez à economia. Na Europa, o BCE espera pela Grande Coligação alemã para saber o que vai fazer. E em Portugal, há tempos, falou-se muito da criação de um Banco de Fomento, destinado a financiar a economia real, em vez de continuarmos a criar apenas mais dívida em nome do monstro estatal e das clientelas que dele vivem. Os bancos privados opuseram-se, claro, pois tal ameaçaria o seu bem estar indolente. E o senhor Costa do BdP, que eu saiba, assobiou para o ar.

Em vez de atacar o problema da asfixia económica do país agarrando o touro pelos cornos, o governo cobarde de Passos Coelho preferiu a falácia de colocar o quadro comunitário de apoio de 2014-2020 ao serviço da economia, chamando o seu controlo ao Terreiro do Paço, na pessoa dum jovem maduro que começa a cair de podre e fala cada vez mais como os disléxicos procuradores da república que temos. Na realidade, não vejo como é que a Comissão Europeia irá autorizar um governo nos bolsos da banca e das tríades indígenas a desviar verbas, com destinos previamente desenhados, para pequenas e médias empresas que normalmente fazem parte dos grandes grupos de sempre e são escolhidas a dedo.

A menos que a posse da Grande Coligação da Alemanha ilumine Mario Draghi, e algo parecido com um Banco de Reconstrução Europeia surja no horizonte para financiar de modo meticuloso (diria mesmo, marcial) a economia europeia, a situação tenderá a piorar. No caso português, a coisa poderá agravar-se ao ponto de ficarmos sem outra solução que não seja um Quantitative Easing à chinesa, isto é, a introdução no país, por um longo período, de medidas expressas e apertadas de controlo de capitais, as quais forçarão imediatamente os bancos a deixarem de brincar ao Monopólio, começando, por fim, a emprestar dinheiro à economia real — isto é, à economia produtiva, de bens materiais e serviços com valor acrescentado.


NOTAS

  1. Os depósitos bancários e os empréstimos do BCE são ambos dinheiro emprestado ao banco, o qual vence, de uma forma ou doutra, juros. Logo o banco não pode ter estas reservas paradas. Tem que as por a circular, isto é a render, ou seja, tem que aplicar o dinheiro que recebe, sob pena de o banco negar o próprio negócio e começar a ter prejuízos. Aliás, é emprestando um certo número de euros por cada euro que é depositado, que os bancos criam literalmente dinheiro do nada, na expectativa de que os investimentos tragam retornos que farão do nada criado dinheiro a sério! Se este mecanismo se rompe, como se rompeu desde 2008, e não mais retomou a normalidade, os bancos ficam à mercê dos bancos centrais, vivendo numa espécie de indigência para ricos. Claro que alguns deles acabarão mesmo na falência, e até na miséria. Em Portugal, pelo menos um destes banqueiros já sucumbiu à pressão dos acontecimentos. É por esta razão que o pseudo Banco de Portugal fez hoje este alerta ao Tribunal Constitucional sobre as pensões e sobre os cortes salariais nos dependentes diretos do Orçamento de Estado. Os bancos comerciais e os especuladores vivem hoje, essencialmente, da explosão especulativa das dívidas soberanas. E o PCP não vê isto? Ou será que, como Lenine um dia defendeu, aposta na hiperinflação monetária?

1 comentário:

JS disse...

Que pena o eleitorado em Portugal não saber ler.