quarta-feira, abril 29, 2009

Portugal 102

Grandes Obras ou Plano Anti-Crise?




Interactive Map: U.S. Lags Behind Rest of World in Responding to the Growing Crisis. By Will Straw, Joshua Picker | February 5, 2009 (American Progress)

In December, the Center for American Progress outlined how G20 countries—the club of 20 large economies—had responded to the global economic meltdown. Since then, more countries have fallen officially into recessions and world trade flows have stalled. As a result, the count of countries taking action on either monetary policy (in the form of interest rate cuts) or fiscal policy (in the form of stimulus packages) has increased.

A América de Bush e Obama comprometeu até Fevereiro de 2009 o equivalente a 60% do respectivo PIB na mitigação do colapso da maior economia do mundo. Resultados? Parcos e nada convincentes. O maior banco do país —Bank of America Corp. — e o terceiro maior —Citigroup Inc. — foram hoje mesmo avisados, depois de uma "prova de esforço" compulsiva, que precisam de aumentar os respectivos capitais. As acções caíram imediatamente para $8,15 e $2,89. As taxas de juro da Reserva Federal estão a 0% e há quem defenda a tese de que deveriam baixar para -5%!

Citigroup, Bank of America Decline on Capital Report (Update4)

Bank of America declined 8.6 percent to $8.15 and Citigroup dropped 5.9 percent to $2.89 at 4:07 p.m. after the Wall Street Journal said early results of the government’s stress tests show the banks may need more capital. Company executives are meeting with regulators to dispute the findings, the Journal said, citing unidentified people with knowledge of the matter.

Bank of America, the biggest U.S. bank by assets, and Citigroup, the third-largest, have already received about $90 billion in U.S. bailout funds after record losses from the collapse of the housing market. Bank of America Chief Executive Officer Kenneth D. Lewis is under growing pressure, with shareholders scheduled to vote tomorrow on whether to replace him. Citigroup CEO Vikram S. Pandit’s job also may be at risk if the New York-based firm has to seek more funds. — in Bloomberg.

Não admira pois que entre nós as acções do BCP andem pelo preço da bica. Nem que a polémica infindável sobre aeroportos, TGVs, barragens e autoestradas, numa altura em que se tornou patente a dimensão devastadora da crise sistémica do Capitalismo, e se começaram a divulgar as insustentáveis dívidas pública e externa portuguesas, ocupe o lugar que deveria pertencer à discussão construtiva sobre o impacto da crise no nosso futuro colectivo.

O governo tem que defender as grandes obras, porque se não o fizer, i.e. se anunciasse o adiamento sine die das mesmas, o Bloco Central do Betão ruiria no dia seguinte sob o peso de uma dívida acumulada sem precedentes, produzindo inevitáveis e catastróficos impactos colaterais na base de sustentação do actual regime. Mas todos sabemos, por outro lado, que nada de substancial será levado por diante neste domínio até ao fim do actual ciclo eleitoral, em primeiro lugar, porque o Orçamento de Estado para 2009 não o prevê (na realidade, o Ministério das Obras Públicas e Transportes apenas inscreveu 164,5 milhões de euros em despesa de investimento no respectivo orçamento para este ano); e em segundo, porque é problemática a capacidade de captação de investimento por parte dos consórcios interessados nas megalomanias socratinas (1).

Daí que o melhor mesmo seja perguntar qual a missão desta cortina de fumo.

Salvo as posições sensatas de Manuela Ferreira Leite, Paulo Rangel e Cavaco Silva nesta matéria, e do lado contrário, a teimosia retórica governamental, aquilo que ouvimos dos pequenos partidos continua a ser apenas o ruído das suas pequeninas agendas partidárias.

O PCP quer agradar aos autarcas do Barreiro, Montijo e Alcochete, e por isso abana que sim com o seu depauperado capacete proletário ao etéreo programa de obras públicas de José Sócrates. O Bloco de Esquerda prefere agitar o país com o ataque ao enriquecimento ilícito e a perigosidade da especulação imobiliária, como se os agentes destas pragas fossem neste preciso momento a maior ameaça ao país. Paulo Portas, enfim, quer medidas mais duras contra os delinquentes, sem explicar se está a pensar nas quadrilhas do Bloco Central da Corrupção, ou nos desempregados sem meios de subsistência.

E que tal discutirmos todos a necessidade de desenhar, aprovar e implementar urgentemente um plano anti-crise? E se os vários partidos com assento parlamentar começassem por apresentar as suas propostas concretas nesta matéria, em vez de nos martelarem o juízo com lugares comuns, catecismos decorados e palavras de ordem populistas?

Como acima se mencionou, os Estados Unidos comprometeram na mitigação da sua gravíssima crise, até Fevereiro passado, qualquer coisa como 8,6 milhões de milhões de dólares (nós dizemos 8,6 biliões, e eles dizem 8,6 triliões) — sem resultados que convençam. O dinheiro foi essencialmente dirigido a empréstimos, garantias, investimento e estímulos directos à economia. Os estímulos directos somaram 142,9 mil milhões de dólares, ou seja, 1,06% do PIB americano (que ultrapassa ligeiramente os 14 milhões de milhões de dólares). Considerando o volume colossal do compromisso orçamental do governo —60% do PIB (2008)—, a parte dedicada ao estímulo económico —1,06%— pareceu a alguns comentadores manifestamente insuficiente.

Para termos uma ideia do comportamento dos países do G20 nesta matéria, vale a pena consultar o gráfico interactivo sobre este tema concebido pelo American Progress. Eis entretanto algumas percentagens de PIB relativas aos programas de estímulo à economia e incentivos fiscais em alguns dos G20:
  • Reino Unido: 1,1%
  • Canadá: 1,25%
  • França: 1,3%
  • Alemanha: 3,3%
  • Argentina: 12%
  • Brasil: 13,75%
  • China: 14%
Suponhamos agora que em vez de termos um governo de saltimbancos, e medidas salteadas, éramos um país a sério onde um plano anti-crise era levado ao parlamento para discussão e aprovação. Como se sabe, o governo apenas garantiu até agora os depósitos bancários até 100 mil euros, e declarou avalizar empréstimos ao conjunto da banca sediada em Portugal até um tecto global máximo de 20 mil milhões de euros. Nada disto é gasto. Para já são apenas garantias.

Vamos admitir que Portugal traçava como meta investir 4% do PIB num plano de ataque à crise, atirando o défice para algo parecido com 6,2% do PIB. Isto significaria colocar na economia real 6.947.352.000 de euros. Seria admissível uma tal ousadia no actual quadro comunitário? Se o país for capaz de pagar e suportar os encargos do imprescindível empréstimo a que teria que recorrer, talvez. Isto é, sim, se alguém estiver na disposição de emprestar! A conjuntura, porém, não poderia ser mais desfavorável. De qualquer modo, sempre seria preferível a colocar o país ao colo dos interesses de curto prazo e geralmente especulativos da burguesia burocrática e do Bloco Central do Betão. O Estado, e não os consórcios das leoninas Parcerias Público Privadas, determinariam então, com todo o rigor técnico e transparência, as estratégias mais adequadas ao relançamento de um país estagnado e que pode colapsar a qualquer momento.

Era sobre isto que eu gostaria de ouvir o Bloco de Esquerda, o PCP, e Manuela Ferreira Leite.


NOTAS
  1. Segundo as contas que ouvi da boca da Secretária de Estado Ana Paula Vitorino, o custo global das grandes obras foram recentemente estimadas em 8 mil milhões de euros, assim distribuídos: União Europeia: 1520 M€; Estado português: 3600 M€; privados: 4500 M€. Ou seja, admitindo que os privados vêm aí, o contribuinte português teria que suportar um investimento superior a 2% do PIB previsto para este ano (173 683,8 milhões de euros) para viabilizar autoestradas, AVE-LAVE e NAL. Sucede que o BPN vai sugar 2500 M€ ao erário público para tapar o enorme buraco deixado por uma quadrilha de ladrões à solta que faz empalidecer o caso Madoff. E não ficaremos por aqui quando o BCP, o BPP e a TAP começarem a esvair-se em dívidas, imparidades e novos escândalos. Ou seja, se as grandes obras fossem para a frente como afirma o governo, o hipotético disparo do défice para 6,2% (que acima sugeri como cenário hipotético) chegaria para subsidiar ladrões e dar de comer a uns tantos tubarões, mas para acudir às carências explosivas geradas pela crise, sobraria o quê? 1100 M€? Mas isto é pouco mais de 100 euros por português! A equação governamental, mesmo na hipótese de poder contrair mais dívidas e diferir a liquidação das participações do Estado nas anunciadas PPP para 2012 ou 2014, é manifestamente improvável.

OAM 581 29-04-2009 04:05 (última actualização: 30-04-2009 00:43)

4 comentários:

Humberto_Antihisterinico disse...

Embora o seu estilo de rótulo fácil e rápida (por vezes supérflua) adjectivação lhe retire, por vezes, credibilidade; embora não encontre instituição menos rigorosa e transparente do que o estado (qualquer estado), tenho que lhe agradecer a análise e a reflexão, plena de razão. Continue, por favor. Todos precisamos.

António Maria disse...

O estilo é intempestivo e de rótulo fácil, como diz. Mas os meus leitores poderão esquecer este lado furioso, e ater-se ao essencial, i.e. aos argumentos — onde procuro o máximo de honestidade analítica. Obrigado pelo empurrão crítico ;-)

Jose Silva disse...

Será esta a fonte de financiamento para as mega obras públicas ?

http://norteamos.blogspot.com/2009/04/sera-esta-fonte-de-financiamento-para.html

António Maria disse...

O problema desta fonte, meu caro José, é que os dados oficiais fornecidos são em muitos casos inverificáveis, como sudece com os EUA e... Portugal! Há quem diga que Fort Knox já não tem uma onça de ouro lá dentro. E o FMI afirma preto no branco que as informações do Banco de Portugal em matéria de reservas de ouro fino não foram submetidas a nenhuma verificação independente. Fiat money!