sábado, junho 17, 2006

General Motors 1

GM Opel

Trocar a Opel por turbinas eólicas?


As acções da General Motors e da sua subsidiária financeira GMAC - General Motors Acceptance Corporation, têm vindo a cair aos trambolhões desde 2004. Hoje fazem parte daquele lixo financeiro a que os americanos de Wall Street chamam ‘junk bonds’. Assim sendo, só muito dificilmente o histórico fabricante de automóveis poderá sobreviver sem a sua subsidiária financeira, de onde obteve grande amparo económico, sobretudo durante a década dourada da especulação imobiliária. Como a GMAC atravessa momentos de extrema dificuldade, devido nomeadamente ao abrandamento e previsível fim da bolha especulativa do sector imobiliário, bem como à subida consistente das taxas de juro nos EUA e na Europa, o binómio não parece nada prometedor! Como escreve Gail MarksJarvis no Chicago Tribune de 24 de Março 2006, “Actualmente, as obrigações (da GMAC) com vencimento em 2014 estão a ser vendidas or 89 cêntimos de dólares. Numa situação típica de declaração de falência, os detentores de títulos receberão à volta de 40 cêntimos de dólar.

O fecho iminente da fábrica da Opel na vila portuguesa da Azambuja e a sua anunciada transferência para a cidade espanhola da Saragoza, apesar dos incentivos governamentais (43 milhões de euros para se instalar em Portugal, além de benefícios fiscais e apoio à formação que ultrapassaram os 80 milhões de euros), traduz, da parte da GM, uma necessidade urgente e inadiável de reportar às autoridades financeiras e agências de rating estado-unidenses e internacionais cortes significativos nas suas responsabilidades com o capital humano (salários, férias, seguros, segurança social e pensões de reforma). Tal como está a situação no grupo General Motors, talvez não adiante. Mas uma coisa é certa: com ou sem a falência anunciada deste gigante do século 20 (ainda haverá muita engenharia financeira pela frente..), dezenas de unidades fabris e milhares de trabalhadores em todo o mundo irão ser atingidos pela dramática crise da GM. A fábrica da Opel na Azambuja tem os dias contados.

Que fazer?

Este artigo ocorreu-me quando lia o célebre livro de Lester Brown, Plan B, cuja versão portuguesa será apresentada no próximo mês de Outubro em Trancoso, durante a realização do Tribunal Europeu do Ambiente, sob os auspícios da respectiva Câmara Municipal e da Fundação Arte Ciência e Tecnologia - Observatório. A passagem do livro que aguçou a minha curiosidade foi esta:

Segundo consultor de energia Harry Braun, uma vez que as turbinas eólicas são semelhantes aos automóveis, na medida em que cada unidade dispõe de um gerador eléctrico, de uma caixa de velocidades, de um sistema de controlo electrónico e de um travão, será possível produzi-las em série numa cadeia de montagem. (...) O baixo custo associado à produção em massa poderia baixar o custo da electricidade gerada pelo vento para valores abaixo dos 2 cêntimos de dólar por Kw/h ” — Lester R. Brown, Plano B 2.0


Se a Opel sair da Azambuja antes do prazo celebrado em contrato com o Governo português, a GM deverá cumprir as cláusulas penalizadoras previstas, e no mínimo devolver a parte correspondente dos benefícios fiscais e de apoio à formação profissional recebidos. Com o patrocínio do Governo de José Sócrates, seria então possível a formação de um novo consórcio com o objectivo de retomar o complexo da Opel para outro fim. Não seria difícil obter um bom preço pelas instalações (e mesmo algumas máquinas), sobretudo se a perspectiva da falência mundial da General Motors se vier a confirmar ao longo de 2007. Talvez agora, quem sabe, Patrick Monteiro de Barros pudesse finalmente servir o seu país, desenhando um ambicioso projecto industrial associado à produção em série de turbinas eólicas de alto rendimento! Haveria certamente empresas interessadas no consórcio (EDP, SHELL, General Electric, Siemens Windpower, Vestas Wind Systems, ABB, etc.) Em vez de um cluster automóvel antiquado, teríamos um cluster revolucionário, associado a uma indústria no seu início, com um largo futuro pela frente, capaz de reformar radicalmente toda a zona industrial da Margem Sul. O Grande Estuário, uma tempestade mental que eu e outros sonhadores vimos alimentando desde 2005, prevê que a grande metamorfose de Portugal, na sua adaptação ao século 21, passa por aumentar radicalmente as competências das autarquias municipais (e dos governos regionais) e por criar uma grande região macropolitana — Lisboa e Vale do Tejo, estendendo o centro da cidade para a margem Sul do Tejo e criando uma grande capital europeia nas duas margens do rio... —, com a missão histórica de se tornar uma das primeiras grandes regiões de desenvolvimento pós-carbónico do mundo. Mais ambicioso ainda: deveríamos candidadar Lisboa aos Jogos Olímpicos de 2020, fazendo confluir nessa grande realização o novo ciclo de desenvolvimento do país. Uma das estratégias fundamentais para a Margem Sul passa, precisamente, por requalificar o seu caótico e mal tratado tecido urbano e arquitectónico, e por redireccionar a sua vocação industrial para a economia da sustentabilidade, das energias renováveis e do conhecimento!

Um exemplo... a Dinamarca.

A Dinamarca (sem a Gronelândia) tem menos de metade da superfície de Portugal, tem sensivelmente metade da nossa população, tem um PIB ligeiramente inferior ao de Portugal — $187.721.000.000 USD contra $203.947.000.000 USD —, mas detem um PIB per capita que é quase o dobro do português: $34.600 contra $19.300 (a Europa a 25 detem um PIB/capita de $28.100). Pois bem, este pequeno e rico país europeu é actualmente o maior produtor mundial de turbinas eólicas! Detêm 40% do mercado mundial e emprega, só na Dinamarca, 20 mil pessoas neste sector. O cluster de Investigação e Desenvolvimento (I&D) associado a esta notável performance tem já 25 anos de rodagem e conta, no sector envolvente à produção de turbinas eólicas, com mais de 150 investigadores dedicados às áreas da meteorologia, fadiga de materiais, aerodinâmica e dinâmica estrutural, interacção de grelhas, etc. Em 2002, para dar impulso, estratégia e sustentação a este objectivo, foi criado o Consórcio Dinamarquês para a Energia Eólica, que conta aliás com um notável sítio na web.

Mais de 100 mil dinamaqueses investiram nesta nova economia, que é bem mais do que uma simples indústria, e muito mais do que uma agência de importação de materiais e know how subsidiário. Há 5500 turbinas instaladas, que geram 3.100 MW de energia eléctrica. 75% destas turbinas são propriedade privada. Em 1983 a Dimarca não produzia nenhuma energia eólica. Em 2004, 20% da sua energia eléctrica tinha origem no vento, contra uma média europeia de apenas 2,4% (em Portugal, no mesmo ano: 1,8%; e em 2005: 3,6%). Para o ano de 2008 a Dinamarca prevê que 25% da sua energia eléctrica terá origem eólica, subindo para 35% em 2015.

Nos últimos 25 anos o custo de produção da energia eólica caíu 80%. O bonito da coisa é que continuará a decrescer nas próximas décadas. Associada ao desenvolvimento desta tecnologia virá uma aceleração sem precedentes da tecnologia de acumulação energética em baterias de hidrogéneo. O vento, como o Sol, as ondas do mar e os vulcões que fervilham nos Açores não se esgotam como se estão a esgotar o carvão, o petróleo e o gás natural. Não produzem gases que agravem o efeito de estufa e as doenças respiratórias. Não causam, ou não deverão causar, guerras, pois, ao contrário do petróleo e do gás natural, existem por toda a parte. E além do mais, Portugal é um país especialmente favorecido por todas estas novas fontes energéticas. Falta-nos apenas a ambição... e uma reciclagem urgente da nossa classe política.



Deal for GMAC stake doesn't protect bonds
by Gail MarksJarvis, in Chicago Tribune, March 24, 2006

GMAC is not struggling financially like GM. But GM, which lost $10.6 billion last year and is trying to restructure, owns GMAC, so their financial futures are intertwined.

Bankruptcy experts say that as long as GMAC remains with GM, the lending business can be held responsible for GM's financial obligations, such as pension liabilities. So both have junk bond ratings. GM's rating is worse than GMAC's.

Analysts have speculated that if a majority interest in GMAC is sold, it might be able to avoid GM's problems if the automaker ends up filing for Chapter 11 bankruptcy. But analysts have grown concerned as General Motors continues to seek a partner.

Moody's analyst Mark Wasden said he is no longer confident that a highly rated entity like a large bank will buy the controlling stake of GMAC. And if that doesn't happen, GMAC's credit rating will likely stay below junk status.

Wasden said he is concerned about the lack of progress in concluding the sale as well as by GM's deteriorating condition.

"With the passage of time, the transaction has become more complicated than anticipated," he said.

This week, Moody's announced that it was placing GMAC on "watch" for a downgrade.

If the GMAC deal doesn't happen, he said, the bonds investors now have could sink to a lower level of junk, likely eroding their holdings.


LINK




COMENTÁRIO

Muito bom o teu artigo sobre a GM e o aproveitamento das linhas de montagem das fábricas de automóveis que fiquem paradas. O caráter positivo do artigo, apontando uma alternativa clara de estratégia de desenvolvimento para Portugal, com exemplos concretos, é particularmente feliz, na linha, aliás, do livro do Lester Brown. Pena que, entre tantos países citados no Plan B 2.0, a propósito das práticas e apostas sustentáveis na área dos recursos energéticos, nem uma só vez apareça o nosso. Um pinzinho, uma bandeirinha pequena que fosse a assinalar alguma iniciativa que servisse como sinal de que estamos vivos para além do futebol, despertos para a nossa própria riqueza em vento e mar (pelo menos) - como isso me faria orgulhoso!

Este é um "cluster" que abre muitas e boas perspectivas, em termos da discução de estratégias e políticas públicas que atirem o nosso desenvolvimento para a vanguarda da nova economia sustentável que irá surgir inevitavelmente dos escombros do fim que parece ser já o anunciar desta nova e provavelmente derradeira crise do petróleo.

Entretanto, não esquecer que em Portugal parece estar em desenvolvimento o primeiro projecto de exploração comercial de energia das ondas em todo o mundo. O potencial desta energia renovável parece ser tão grande ou maior que o da energia eólica - façamos pois figas para que o projecto em curso seja o início de algo importante nesta área também, não só com a instalação do Pelamis, como com a produção comercial futura no nosso país destas engenhosas boias aquáticas gigantes que mais parecem uma sequência de três salsichas metálicas flutuantes interligadas e que aproveitam a energia das ondas do mar para produzir energia eléctrica.

Querem algo mais fácil? Parques eólicos com torres aerogeradoras de última geração produzindo o equivalente de energia à produção de um poço de petróleo e parques de energia das ondas ao longo da nossa costa - será que não há por aí um Escolari qualquer com poder suficiente para mobilizar a massa cinzenta dormente desta malta da política e dos nossos queridos empresários para este novo e verdadeiramente emplogante campeonato? Aliem-se aos dinamarqueses, aos ingleses - façam qualquer coisa, caramba! Os golos estão aí, como não estavam há muito, para serem marcados! Que comece o campeonato! É gooooolo de Portugal!!!!!

Emanuel Cerveira Pinto
18 JUN 2006

COMENTÁRIO
Dos 192 países registados, Portugal encontrava-se em 2005 na posição 39 no que se refere ao seu Produto Interno Bruto per capita por Paridade do Poder de Compra (PPC). No entanto, no que se refere à sua performance futebolística, encontra-se (para já...) na posição 16... Ora bem, aqui está um desígnio nacional que todos os portugueses entenderiam: colocar o nosso PIB/capita (PPC) na mesma posição do futebol, i.e., subir no prazo de uma década, 23 lugares na escala mundial do rendimento médio individual.
Embora tenha piorado no seu protagonismo futebolístico, a Dinamarca, no que ao PIB/capita (PPC) se refere, estava em 2005 na oitava posição do ranking planetário. O futebol e os países não se medem aos palmos!

Antonio Cerveira Pinto
18 JUN 2006



OAM #127 17 JUN 2006

quinta-feira, junho 15, 2006

Ellipse Foundation

João Rendeiro: fundo de investimento ou colecção?

“Até agora e até abrirmos o Art Center, apesar de a Colecção Ellipse já estar disponível no site da Fundação há muito tempo, não houve nenhum comentador que se tivesse dado ao cuidado de clicar na internet e ver a importância da Colecção”. — João Rendeiro (Ellipse Foundation/ Contemporary Art Collection)

Li a entrevista dada por João Rendeiro a Sandra Vieira Jürgens sobre aquilo que parece ter sido o óbvio fracasso do fundo de investimento em ‘arte contemporânea’ lançado sob os auspícios do Banco Privado Português e com o entusiasmo do seu presidente, João Rendeiro, e dos seus dois consultores especializados, Alexandre Melo e Pedro Lapa.

Pedro Lapa, por acaso, já era director do Museu do Chiado, quando a iniciativa de João Rendeiro teve lugar (em 2002), tendo ao mesmo tempo seleccionado para ambos os teatros de operações — o Museu do Chiado e o então fundo de investimento do Banco Privado (agora rebaptizado Fundação Ellipse, com sede em Amesterdão) — os seguintes artistas: Gillian Wearing, James Coleman, Jimmie Durham, João Onofre, Rosângela Rennó, William Kentridge. Donde que a sua tentativa de desvalorizar um óbvio caso de conflito de interesses e de abuso dos mecanismos de legitimação inerentes à actividade museológica desinteressada do Estado, não colhe. Quando falo desta situação a amigos estrangeiros olham-me com grande incredulidade como se estivesse a falar de um caso na Nigéria, no Chade ou na República Centro Africana.

As explicações dadas agora pelo financeiro parecem confusas. Afinal de que trata a sua colecção?

De um fundo de investimento privado com garantias dadas pelo seu banco, cujo fim último é especular com a compra e venda de obras de arte?

De uma colecção privada do Sr. João Rendeiro, do Banco Privado e de mais alguns amigos seus, que não aspira a outro fim que o deleite estético e a benemérita intenção de prestar um serviço à comunidade?

Ou de uma Fundação? E se for este o caso, com que fins? Apenas coleccionar? Ou também especular com investimentos em arte? O recente caso Afinsa pesa seguramente sobre este confuso projecto, inicialmente vendido em Portugal, em Espanha e no Brasil, como aposta certa para chegar a rentabilidades da ordem dos 12,4% ao ano, e agora reduzido a tímido sonho cultural.

Recomendo, pois, a leitura da entrevista dada pelo banqueiro a Sandra Vieira Jürgens no sítio da ARTECAPITAL, e depois, a comparação do respectivo conteúdo com duas outras leituras:

— a de uma notícia do sítio brasileiro ISTO É DINHEIRO, de 17/03/2004 sobre as intenções do Presidente do Banco Privado Português numa sua visita a São Paulo, de que cito esta passagem esclarecedora:
“O produto financeiro anunciado é semelhante a um fundo de investimento internacional. Os investidores serão cotistas da empresa Elipse Foundation. A entidade ficará responsável pela organização e promoção da nova coleção. A aplicação mínima é de US$ 300 mil. Será preciso ainda esquecer do dinheiro durante um período que pode variar entre sete e nove anos. ‘No longo prazo, os ganhos são atraentes’, diz Rendeiro. Entre 1986 e 2002, o Contemporary Art, índice do mercado internacional de arte contemporânea, rendeu, em média, 12,4% ao ano.

A Elipse Foundation terá um patrimônio total de US$ 25 milhões para garimpar obras com potencial de valorização pelo mundo afora. A meta posterior é vender a coleção para um museu. Não se assuste com o fantasma da falta de clientes que ronda esse mercado — o Banco Privado Português garante a compra das peças. Mas não assegura, contudo, o preço. Como em qualquer aplicação financeira, portanto, existe risco. O investimento tem o aval do próprio banqueiro, um bem-sucedido colecionador de arte. Para atrair a confiança dos clientes, Rendeiro promete: aplicará US$ 2,5 milhões do próprio bolso.”

— e a de uma outra notícia publicada pelo Portal da Bolsa de 26/03/2004:

“João Rendeiro revelou ainda que a Ellipse Foundation, uma fundação criada pelo BPP para investir em arte, já terminou a sua colocação de capital, junto de 40 investidores portugueses, espanhóis e brasileiros. O investimento total de 20 milhões de euros irá ser colocado ao longo de 4 anos.”

Sabemos agora que ‘a lógica inicial está ultrapassada’. E que ‘A fundação não reuniu, como se propôs, 40 investidores portugueses, espanhóis e brasileiros. Nem exige já a participação mínima de 250 mil euros’, como se pode ler na notícia dada pelo Diário de Notícias online de 22/05/2006.

O banqueiro queixa-se de que ninguém viu o sítio onde publicita a novel colecção, e que os jornalistas se perdem em assuntos de menor importância. Pois fique o banqueiro sabendo que me dei ao trabalho de visitar o dito sítio. Não me admira, depois de passar os olhos pelas aquisições, que os investidores não tenham chegado aos quarenta ambicionados, e que boa parte dos que entraram tenham entretanto saído. A colecção é, de facto, irrelevante e desactualizada, não obedecendo a nenhuma estratégia inteligente, nem no plano financeiro, nem no plano da avaliação crítica. Tratando-se de uma aposta na chamada ‘arte contemporânea’, i.e. num período pretérito e bem delimitado da arte do século 20, denota óbvia falta de recursos para se abalançar em objectivo tão ambicioso. Será que ninguém explicou ao banqueiro quanto custam hoje obras significativas de autores vivos como Gehrard Richter, Cy Twombly, Andrew Wieth, Charles Ray, Brice Marden, Jeff Koons, Sigmar Polke, Elsworth Kelly, Robert Rauschenberg, Damien Hirst, Jasper Johns, David Hockney, Agnes Martin, Bruce Nauman, Robert Ryman, Georg Baselitz, Frank Stella, Andreas Gursky, Jannis Kounellis, Julian Schnabel, Christopher Wool, Nan Goldin, David Salle, Mathew Barney, Thomas Ruff, Ross Bleckner, Vanessa Beecroft, Malcom Morley, Sol LeWitt ou Mariko Mori? Estou apenas a citar alguns dos 200 autores ‘contemporâneos’ com maiores volumes de negócios e com os quais, por sinal, se poderia de facto fazer um excelente investimento em ‘arte contemporânea’...

Se, ao invés, a intenção fora a de investir em futuros, i.e. se a estratégia adquirida pelo banqueiro pretendia antecipar os novos valores da arte do século 21, então o erro foi ainda mais desastroso. Não há na lista de autores/obras disponíveis no sítio da Ellipse Foundation, um único autor representativo da centena e meia de artistas pós-contemporâneos que agora mesmo poderia ditar para este postal electrónico. A arte do século 21 é antes de mais uma arte post-contemporânea. O seu processo generativo fundador começou no início da década de 90 do século passado e deve a sua originalidade a um processo de ruptura multi-dimensional com as práticas teoricamente esgotadas e corrompidas da ‘arte contemporânea’. Trata-se de uma arte nascida de linguagens inteiramente novas, essencialmente cognitivas antes de se tornarem intuitivas, expressivas e performativas. Para um pequeno coleccionador, como parece ser o caso de João Rendeiro, olhar para o complex media em que se move a arte mais sintomática do início deste século ainda poderá ajudar a salvar o seu mal encaminhado empreendimento.

Para provar que passei os olhos pela mal-formada colecção Ellipse, deixo à apreciação do leitor uma lista com todos os autores representados na dita colecção. Os números entre parêntesis curvos correspondem ao número de obras por autor. Os números entre parêntesis rectos, correspondem à minha avaliação pessoal das obras adquiridas numa escala de 1 a 10...

Aballí, Ignasi (6) [1]
Ackermann, Franz (1) [1]
Ahtila, Eija-Liisa (1) [5]
Arrechea, Alexandre (1) [3]
Atay, Fikret (1) [7]
Baldessari, John (1) [5]
Balka , Miroslaw (1) [5]
Balkenhol, Stephan (1) [5]
Barney, Matthew (1) [5]
Becher, Bernd and Hilla (1) [7]
Bickerton, Ashley (2) [6]
Bradley, Slater (3) [6]
Breuning, Olaf (15) [6]
Cabrita Reis, Pedro (2) [1]
Coleman, James (1) [7]
Cragg, Tony (1) [6]
Croft, José Pedro (1) [2]
Da Cunha, Alexandre (2) [3]
Dijkstra, Rineke (7) [2]
Dittborn, Eugenio (2) [4]
Dunham, Carroll (1) [5]
Durham, Jimmie (7) [7]
Einarsson, Gardar Eide (3) [4]
Eliasson, Olafur (2) [4]
Fulton, Hamish (1) [6]
Gober, Robert (2) [7]
Gonzales-Torres, Felix (1) [5]
Gordon, Douglas (1) [6]
Graham, Dan (4) [7]
Graham, Rodney (1) [6]
Hammons, David (1) [5]
Hatoum, Mona (1) [2]
Havekost, Eberhard (1) [1]
Herrera, Arturo (2) [1]
Hirschhorn, Thomas (2) [3]
Höfer, Candida (3) [4]
Huyghe, Pierre (2) [5]
Iglesias, Cristina (2) [3]
Michael Elmgreen & Ingar Dragset (2) [2]
Islam, Runa (1) [4]
Jamie, Cameron (3) [3]
Jankowski, Christian (1) [5]
Julien, Isaac (1) [5]
Kabacov, Ilya & Emilia [6]
Kelley, Mike (1) [6]
Kentridge, William (3) [6]
Klauke, Jurgen (1) [4]
Kuitca, Guillermo (1) [3]
Lawler, Louise (4) [5]
Lockhart, Sharon (1) [4]
Lucas, Sarah (1) [3]
Marepe (2) [1]
McBride, Rita (2) [1]
McCollum, Allan (1) [4]
McDermott & McGough (1) [1]
McQueen, Steve (1) [2]
Meireles, Cildo (1) [3]
Mir, Alexandra (4) [1]
Moffatt, Tracey (1) [?]
MP & MP Rosado (4) [1]
Neshat, Shirin (1) [3]
Neto, Ernesto (1) [3]
Neuenschwander & Guimarães, Rivane & Cao (1) [?]
Onofre, João (1) [2]
Opie, Catherine (3) [?]
Orozco, Gabriel (2) [5]
Ortega, Dámian (1) [1]
Oursler, Tony (1) [6]
Pardo, Jorge (2) [1]
Pettibon, Raymond (18) [5]
Pfeiffer, Paul (1) [2]
Pierson, Jack (2) [1]
Prince, Richard (4) [5]
Puch, Gonzalo (2] [1]
Rennó, Rosângela (4) [1]
Rosefeldt, Julien (2) [2]
Rosenblum, Adi + Muntean, Markus (3) [2]
Sachs, Tom (1) [1]
Sala, Anri (1) [1]
Sarmento, Julião (1) [1]
Scheibitz, Thomas (1) [1]
Schorr, Collier (4) [5]
Schütte, Thomas (2) [5]
Sekula, Allan (2) [4]
Shearer, Steven (2) [1]
Sherman, Cindy (6) [7]
Simmons, Laurie (3) [3]
Simpson, Lorna (2) [3]
Slominski, Andreas (1) [1]
Solakov, Nedko (1) [1]
Starkey, Hannah (1) [1]
Struth, Thomas (1) [3]
Tillmans, Wolfgang (1) [1]
Tiravanija, Rirkrit (1) [1]
Trockel, Rosemarie (1) [?]
Uslé, Juan (1) [1]
Vale, João Pedro (1) [1]
Varejão, Adriana (1) [4]
Walker, Kara (1) [4]
Wall, Jeff (1) [5]
Wearing, Gillian (4) [6]
Weiner, Lawrence (3) [3]
Fischli & Weiss (2) [3]
Williams, Sue (3) [5]
Wilson, Robert (1) [5]

in Sítio da Ellipse Foundation


OAM #126 14 JUN 2006

sexta-feira, junho 09, 2006

Nuclear 1

O Mapa nuclear do séc. 21

Nuclear Reactor vessel Fifteen years ago I thought solar power was impractical because I thought nuclear power was the answer. But I spent some time on an advisory committee on waste disposal to the Atomic Energy Commission. After that, I began to be very, very skeptical because of the hazards. That's when I began to study solar power. I'm convinced we have the technology to handle it right now. We could make the transition in a matter of decades if we begin now.” — M. King Hubbert (1974)

A energia nuclear não é renovável, nem substitui o potencial energético e tecnológico dos hidrocarbonetos. Mas teremos alternativa? As reservas de urânio conhecidas, no máximo uns 4 milhões e 500 mil toneladas, das quais se extraem por agora cerca de 35 mil ton./ano, para um consumo anual médio de 65 mil toneladas (o diferencial provem da recuperação do vasto arsenal atómico da ex-URSS e do enriquecimento de escórias por aproveitar) duraria 69 anos (2075) se o actual número de reactores (441) e o respectivo consumo se mantivessem inalteráveis. No entanto, em Dezembro de 2004 o American Nuclear Society registava mais 49 reactores em construção ou encomendados. E por outro lado, países como a China (11 reactores), a India (22 reactores) e a Rússia (38 reactores) estão muito longe de atingir os patamares nucleares dos Estados Unidos (104 reactores) e da Europa a 25 (166 reactores). As contas são simples: quando a China, a India e a Rússia se aproximarem dos patamares nucleares norte-americano e europeu, sobretudo depois de os preços do petróleo e do gás natural ultrapassarem certos limiares, o actual número de reactores nucleares poderá facilmente chegar aos 650. Estaremos então no ano 2020... O consumo de urânio poderá andar pelas 97.500 ton./ano. A esperança de vida das centrais de fissão nuclear projectar-se-à então para o ano 2057, e não para o ano 2075, como sucederia se os actuais consumos de urânio não sofressem qualquer incremento! Valerá a pena? Será inevitável? Chegará a fusão nuclear entretanto?

Depois de terminado o ciclo da fissão nuclear, basicamente destinado à produção de electricidade, as gerações futuras ficarão com um lixo muito perigoso para administrar, cuja diluição natural custará biliões de Euros, durante muitíssimos anos, já que a escória nuclear pode levar até 500 anos a “dissolver-se” na Natureza. Por outro lado, a curto e médio prazo, nenhuma das conhecidas alternativas ao petróleo, ao gás natural e ao carvão (hidroeléctricas, paineis solares, eólicas, bio-massa, bio-diesel, hidrogéneo, ondas e termo-despolimerização), são capazes de gerar os montantes de energia eléctrica necessários para evitar um duradouro apagão à escala planetária! Os conflitos bélicos em curso e futuros andam há muito e continuarão a andar todos em volta destes problemas. Onde está o resto do petróleo?! Onde está o urânio?! Onde estão as terras capazes de processar a alimentação necessária a um planeta a caminho dos 9 mil milhões de almas?! Estas são as grandes perguntas do século, cujas respostas parecem continuar mais na ponta dos “cutters”... e dos mísseis nucleares, do que no bom senso. Já ouviram falar de Negawatts?

Actualização: 16-08-2007


Citação: On The Nature Of Growth. M. King Hubbert 1974. PDF (500 Kb)
Imagem: esquema de um reactor nuclear de água pressurizada - PWR.
MAPAS — para obter 2 mapas actualizados da localização das centrais nucleares por esse mundo fora, basta encomendá-los ao American Nuclear Society.
Reactores nucleares: excelente artigo no Wikipedia.
Um artigo publicado no FEASTA - Foundation for the Economics of Sustainability, que desmistifica a ideia de que o nuclear é uma energia limpa. In WHY NUCLEAR POWER CANNOT BE A MAJOR ENERGY SOURCE by David Fleming, April 2006

OAM #125 08 JUN 2006

terça-feira, junho 06, 2006

Futuro 21

7 New Denmarks, Hydrogen Society, partial view

Depois de O Grande Estuário:
Too Perfect Seven New Denmarks


A representação da Dinamarca à próxima Bienal de Veneza de Arquitectura é um projecto chamado Too Perfect Seven New Denmarks, encarregado pelo Danish Architecture Centre e comissariado e desenhado (em colaboração com PLOT) por Bruce Mau, um dos mais notórios designers gráficos da actualidade. O projecto é obviamente o resultado de uma cooperação intensa entre vários gabinetes de arquitectura dinamarqueses e consegue, através de uma excelente estratégia criativa, de informação e representação informacional, projectar uma imagem optimista e criativa de um país europeu aparentemente pequeno, mas cheio de ambição.
O projecto resume-se basicamente a 7 perguntas provocatórias:

  1. What if Denmark was the port to the New Europe? (E se a Dinamarca fosse o porto da Nova Europa?)

  2. What if Denmark had an energy bill of zero? (E se a Dinamarca tivesse uma factura energética igual a zero?)

  3. What if Denmark farmed pharmaceuticals? (E se a Dinamarca cultivasse remédios?)

  4. What if Denmark was the world's housing factory? (E se a Dinamarca fosse a grande fábrica mundial da habitação?)

  5. What if Denmark made parenting effortless? (E se a Dinamarca transformasse o cuidado dos filhos numa tarefa fácil)

  6. What if Denmark doubled its coastline? (E se a Dinamarca duplicasse a sua linha de costa?)

  7. What if Greenland was Africa's water fountain? (E se a Dinamarca fosse a fonte aquática da África?)


O ponto de partida deste exercício de imaginação e de cidadania pró-activa é o próprio panorama dramático que temos diante de nós, em todo o planeta: fim dos combustíveis fósseis baratos, aquecimento global, degelo dos glaciares, erosão e exaustão dos solos agrícolas, falta de água, etc. Perante este panorama preocupante, das duas uma: ou não lhe prestamos atenção e nos auto-condenamos à extinção; ou, pelo contrário, reagimos, e as estratégias de minimização e de eventual ultrapassagem das dificuldades extremas que temos pela frente serão tantas quantas a nossa imaginação e inteligência colectivas conseguirem produzir. Outro ponto de partida interessante desta proposta especulativa, fortemente apoiada por instituições culturais e empresas privadas, é o da necessidade de enfrentar a perda de competitividade europeia face à emergência da nova Eurásia, cujo crescimento económico e regime de exploração do trabalho (segundo os tão propalados modelos liberais do Capitalismo) são e serão imbatíveis no decorrer das próximas décadas. A ideia básica é a seguinte: porquê procurar competir num terreno completamente desvantajoso, se pudermos mudar o paradigma do desenvolvimento?
Ora é precisamente esta mudança de paradigma que, de uma forma ou de outra, acaba por vertebrar boa parte das soluções propostas por Too Perfect Seven New Denmarks.

Transformar a Dinamarca no maior porto europeu do Báltico, quando se sabe que o transporte marítimo (ao contrário do transporte aéreo ou terrestre) vai ser decisivo ao longo de todo o século 21, pois é o único que está virtualmente preparado para receber sistemas de propulsão nuclear, é obviamente uma ideia interessante, tanto mais que o estudo se propõe desta forma libertar um espaço urbano precioso para novos estilos de vida.

Já a ideia de substituir todas as fontes de energia fóssil por hidrogénio pode ser mais discutível. Mas ainda assim, o princípio de pensamento usado é mais do que defensável: cada país terá que inventariar rapidamente quais são as suas escapatórias — primeiro face à subida vertiginosa dos preços do petróleo e do gás natural (que os países ricos e produtores poderão pagar, mas os pobres e sem reservas de hidrocarbonetos, não); depois, face à necessidade inevitável de os substituir por outras fontes energéticas e por outras matérias primas e sistemas de reciclagem.

Libertar os terrenos agrícolas saturados de adubos e pesticidas, a favor de uma paisagem que recupere a biodiversidade e a beleza ambiental e favor de uma nova espécie de agricultura — a farmacocultura — ganhando neste capítulo vantagens competitivas sobre uma Eurásia demasiado ocupada com a produção quantitativa de baixo custo — é seguramente uma boa opção, sabendo-se como se sabe do enorme potencial científico da farmacologia europeia.

Uma grande fracção dos combustíveis gastos nos transportes terrestres destina-se à fileira da construção civil: camiões com andaimes, areia, brita, cimento, pedra, tijolo, ferro, armações, coberturas, pavimentos, isolantes, tintas, material eléctrico, equipamentos telefónicos, telemáticos e de segurança, electrodomésticos, etc..., circulam e saturam as auto-estradas e as estradas da Europa e do mundo. A energia gasta na produção destes camiões, na construção e manutenção das vias terrestres, na alimentação dos veículos, na manipulação de todos estes materiais avulsos, faz da construção civil a mais artesanal e atrasada indústria do século 21. E além disso, faz dela uma actividade económica cada menos competitiva e insustentável do ponto de vista financeiro. O crash imobiliário actualmente em gestação, e que provavelmente irá estourar ao longo de 2007, lançará este sector numa dramática encruzilhada de paradigmas. Pois bem, Bruce Mau e os arquitectos que com ele trabalharam propõem a recuperação do espírito da Bauhaus como melhor estratégia para resolver o grande problema que aí vem. Trata-se, no fundo, de renovar o programa da concepçãp/produção da unidade habitacional à luz dos princípios inovadores de Walter Gropius: a casa como máquina de habitação pode ser produzida de forma concentrada, modular e em série! Desta vez, porém, haverá que aplicar as melhores tecnologias e o melhor pensamento computacional para conseguir gerar um novo conceito de habitáculo modelar, sustentável, complexo, variável, orgânico, leve, acoplável, inteligente... e sensível. Que a Dinamarca possa ser a primeira grande fábrica do novo falanstério do século 21, eis um desafio entusiasta em que não me importaria nada de participar.

A população europeia tem vindo a decrescer, em grande medida porque o sistema capitalista tornou a vida familiar e reprodutiva num inferno. Que podemos fazer? Pois fazer deste problema a ocasião para o desenvolvimento de uma estratégia de económica de diferenciação e especialização cognitiva, científica e tecnológica, onde, uma vez mais, a Eurásia não poderá susbtituir-se a esta nova simbiose entre economia e cidadania.

Duplicar a linha de costa, seguindo a teoria dos fractais, sabendo que com tal mega-projecto se libertam espaços inesperados para o novo hedonismo, sustentável, do século 21, é um achado ditirâmbico de génio!

Como genial é a ideia de aproveitar as quantidades inimagináveis de água doce que começaram a desprender-se da Gronelândia (por efeito do aquecimento global) para acudir às zonas áridas do planeta (em especial a África) onde morrem por anos milhões de pessoas, ora por falta do precioso líquido, ora em consequência das doenças causadas pela contaminação do mesmo, ora em resultado das guerras, chachinas e genocídios provocados pelas disputas territoriais em volta dos escasos recursos hídricos disponíveis.

A Dinamarca é um pequeno grande país europeu. Deu ao mundo grandes desenhadores de utopias. Too Perfect Seven New Denmarks é o exemplo perfeito de que poderemos voltar a contar com eles. O facto de em Portugal termos lançado, em 1 de Maio de 2005, um projecto em muitos aspectos semelhante — O Grande Estuário — mostra tão sómente que os tempos da utopia regressaram. No princípio do século 20, chamou-se Construtivismo. Eu agora, a esta nova utopia, chamo Reconstrutivismo!


Too Perfect Seven New Denmarks
What if Denmark was the port to the New Europe? Superharbour proposes to
consolidate all industrial harbour activity into one Baltic gate in order to liberate
the harbor cities for new forms of urban life.
What if Denmark had an energy bill of zero? HySociety proposes a design plan to
reduce Denmark's consumption of fossil fuels to zero, by feeding waste energy back
into the consumption loop.
What if Denmark farmed pharmaceuticals? Pharmland proposes that Denmark transform
its farmland into pharmaceutical production sites, creating a much higher yield per
hectare and liberating much of the country's landscape.
What if Denmark was the world's housing factory? House Express argues that most
manufacturing industries have evolved from craftsmanship to mass production. But not
the construction industry. This project shows how that evolution could create housing
for the global market.
What if Denmark made parenting effortless? Child Inc. argues that, as with many
industrialized societies, Danish society is turning into a childless one. This project
proposes solutions to a series of lifestyle conflicts, solutions which will radically
transform the notion of caring for children.
What if Denmark doubled its coastline? Endless Coastline is a tool kit that
structures tourism and prevents it from destroying the authenticity of a place, in
part by increasing Denmark's most sought-after feature: its coastline.
What if Greenland was Africa's water fountain? New Greenland argues that lack of
water is one of the world's most pressing dilemmas. Greenland, a semi-autonomous
region of Denmark, has the natural resources to relieve a major part of the world's
water stress.
To launch its utopias into the world and test their pragmatism, this open letter
is formulated as an exhibition of propositions addressed to the people who hold the
purse strings and have the power to make each pragmatic utopia come true. Should
Denmark take the shape of the future ? or should the future take the shape of Denmark?
Sincerely,
Bruce Mau Design
and the Too Perfect Project Team



OAM #124 06 JUN 2006