domingo, dezembro 31, 2006

2007

Esquilo, Chicago, 2006
Esquilo, Chicago, Dezembro 2006. Foto: Chica Hipnótica.

Piorar para melhorar?


Nenhuma espécie biológica pode duplicar a sua população indefinidamente, sobretudo quando essa duplicação depende do uso igualmente exponencial de recursos não-renováveis limitados, tais como o petróleo, o ferro ou o cobre, da exploração intensiva de solos que inevitavelmente se degradam, ou da exaustão dos recursos hídricos potáveis, cuja renovação obedece a ritmos muito mais lentos do que os da voragem imposta ao planeta Terra pela ideologia do crescimento eterno da economia.

M. King Hubbert, o grande geólogo norte-americano que previu o pico petrolífero dos Estados Unidos e em geral os limites da exploração dos recursos finitos não-renováveis, afirmou em 1974, numa audiência promovida pela Câmara dos Representantes (a propósito do National Energy Conservation Policy Act of 1974) o seguinte:
Our institutions, our legal system, our financial system, and our most cherished folkways and beliefs are all based upon the premise of continuing growth. Since physical and biological constraints make it impossible to continue such rates of growth indefinitely, it is inevitable that with the slowing down in the rates of physical growth cultural adjustments must be made. (Link)

É precisamente nesta fase de ajustamento que o mundo se encontra. É um momento perigoso, nomeadamente por causa das assimetrias económicas, sociais, políticas e militares existentes e que tenderão a agravar-se ao longo desta primeira década do século 21. Os actuais crescimentos exponenciais de países como a China e a India irão provocar inevitavelmente enormes dores de cabeça. O número crescente de estados falhados que se perfila num horizonte de uma a duas décadas é, pura e simplesmente, assustador, sobretudo se se tiver em conta que alguns deles dispõem ou tencionam dispôr de consideráveis capacidades de dissuasão militar de tipo nuclear, electrónica, química e biológica. Por fim, a inércia ideológica do Ocidente (sobretudo os Estados Unidos e a Europa), não augura nada de bom do ponto de vista da necessária metamorfose por que teremos que passar para nos adaptarmos a um mundo tecnológico de baixo crescimento e justiça distributiva assegurada.

O modelo actual de crescimento exponencial da massa monetária e abrandamento global da taxa de crescimento da produção de bens materiais vai conduzir-nos necessariamente ao abismo. Talvez seja a única alternativa que nos resta: piorar, para depois melhorar.

Bom ano!

OAM #159 31 DEZ 2006

sábado, dezembro 30, 2006

Saddam Hussein enforcado

Enforcamento de Saddam Hussein
Saddam Hussein: segundos antes da execução.

O terror continua. Bush satisfeito.


Saddam Hussein foi enforcado na sequência de um julgamento político realizado por um Estado fantoche, num país ocupado militarmente pela mais poderosa e agressiva nação do planeta. Independentemente dos crimes cometidos por este ditador enquanto chefe de Estado do Iraque, o julgamento foi uma farsa. E o apressado epílogo que acaba de nos ser oferecido como espectáculo, tão só um preocupante sinal de pânico das marionetas que actualmente perseguem o desígnio ‘neo-con’ de pulverizar a integridade política de uma das grandes reservas petrolíferas do planeta.

O homem executado por volta das 6 horas da manhã de Bagdad, fora o presidente internacionalmente reconhecido do Iraque até à invasão ilegal deste país por uma coligação bélica chefiada pelos Estados Unidos sob o pretexto inventado de existirem armas de destruição massiça naquele país (como se este pretexto, mesmo que fosse verdade, autorizasse a destruição militar de um país e de um regime, bem como um verdadeiro morticínio aéreo). Os americanos perderam até ao momento 3 000 militares em combate e viram regressar a casa mais de 23 000 feridos. Mas no Iraque, para além dum número indeterminado de militares iraquianos mortos durante a invasão (ver estimativas), e dos milhares de mortos e feridos em consequência da guerra civil instalada, mais de 100 000 civis foram literalmente assassinados pelos bombardeamentos da aviação estado-unidense e britânica (Guardian). Segundo as Nações Unidas, 1,6 milhões de iraquianos (10% da população) fugiram do país e cerca de 1,5 milhões encontram-se deslocados dentro do seu própio território (The Independent). Não será isto também um crime contra a humanidade? Quem irá julgar Bush e Blair por haver inspirado tais crimes?

Saddam Hussein foi um líder apoiado pelos Estados Unidos quando estes quiseram contrariar a autonomia progressiva do Irão. Mas foi sobretudo o dirigente político que nacionalizou o petróleo iraquiano e fez do Iraque um potência regional, tendo para isso forçado a unidade do Estado num país dividido por questões territoriais, étnicas e religiosas (sistematicamente exploradas por ingleses e americanos). Defendeu o seu país contra uma invasão ilegal, a qual teve por único objectivo a pilhagem dos recursos energéticos do Iraque e preparar o terreno para um confronto estratégico com o Irão e... depois, de novo, com a Rússia! Quem deveria estar no banco dos réus?

O ditador de Bagdad praticou a violência de Estado de forma intolerável contra o seu próprio povo ou parte dele. Cometeu ou autorizou assassínios e torturas. Nada, porém, que as actuais autoridades fantoches da Bagdad (com o apoio directo dos Estados Unidos) não estejam elas mesmas a fazer ou a promover, através das milícias que diariamente aterrorizam os cidadãos iraquianos. E falando de torturas e assassínios, que dizer de Guantánamo e dos voos da CIA? Ou do que o senhor Putin há muito vem fazendo contra os chechenos?

Enquanto aguardava o enforcamento, Saddam Hussein entoou o credo islâmico, a Shahada, do qual consta a seguinte passagem: "não há deus mas Alá e Maomé é o seu profeta". A última palavra que pronunciou, antes de o alçapão se abrir, foi: Maomé. A Jihad islâmica radical ganhou um novo mártir.


Video oficial e vídeo amador da execução.
Para alguns muçulmanos esta farsa não passou de um linchamento. E os noticiários da CNN e da BBC, uma vergonha. Já repararam no tempo infinito que as televisões têm dedicado aos funerais do Gerald Ford (quem?), enquanto mentem descaradamente sobre o que se passou durante a execução de Saddam? Vale a pena ler o que diz Baghdad Burning a este propósito.
Entretanto, o NYT de 3/1/2007 dá conta dos abusos cometidos durante a espécie de execução sumária inflingida ao ditador de Bagdad.

OAM #158 30 DEZ 2006

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Aeroportos 11

D. Sebastião da Ota

A possibilidade de existir um grande hub aeroportuário em Portugal está a esfumar-se rapidamente no horizonte... das Low Costs. Em primeiro lugar, porque os voos intercontinentais, de e para a Europa, têm os seus principais hubs em Londres, Frankfurt, Paris, Amesterdão, Bruxelas, Zurique... Madrid, para onde as Low Cost nos levam por preços imbatíveis. Em segundo lugar, porque a capital espanhola tenderá a absorver a maioria do tráfego intercontinental de e para a península ibérica, à medida que a malha de aeroportos Low Cost cresce e incrementa exponencialmente as ligações ponto a ponto (sem ruptura de carga) no espaço europeu, e à medida também que a rede ferroviária de alta velocidade for ganhando terreno em Espanha e Portugal (2013-2015), fazendo de Madrid, não só a grande metrópole, mas também o grande hub ferroviário e aeroportuário da península. Em terceiro lugar, porque os Estados Unidos parecem condenados a enveredar por uma quarentena proteccionista, o que deitará por terra algumas das actuais dimensões da chamada globalização e enfraquecerá irremediavelmente, pelo menos no horizonte de uma ou duas décadas, a importância económica do Atlântico.

O principal argumento para a necessidade do novo aeroporto internacional de Lisboa — a saturação da Portela — caíu assim pela base:

— serão as Low Cost, e não as companhia de bandeira, as principais responsáveis pelo aumento e sobretudo pela mudança radical do padrão do negócio aeroportuário no nosso país e na Europa no decurso das próximas décadas;
— o novo paradigma aeroportuário emergente em toda a Europa é incompatível com mega-estruturas de apoio caras e pode, pelo contrário, adaptar-se facilmente a estruturas pré-existentes (aeródromos), desde que disponha ou possa vir a dispor rapidamente de pistas com 2500 metros;
— o novo paradigma aeroportuário consegue aumentar o número diário de movimentos nos grandes aeroportos sem contribuir para a saturação dos mesmos (pois pode operar fora dos intervalos onde se acumula a maioria dos slots mais disputados);
— como qualquer passageiro que voa num operador convencional sabe, as ligações entre voos fazem invariavelmente perder mais de uma hora nas passadeiras, lojas e bares dos aeroportos, o que supõe uma disponibilidade óbvia para o uso dessa mesma hora na deslocação entre um aeroporto Low Cost e o seu destino final (por exemplo, o centro de uma cidade), aumentando o raio de acção da Portela, por exemplo, até Évora, no caso de ser muito complicado adaptar a base militar do Montijo ou o aeródromo de Tires para o efeito. O TGV Lisboa-Madrid-Lisboa demorará meia hora entre Évora e Lisboa!
— as ligações aéreas Lisboa-Porto-Lisboa deixarão de fazer sentido económico assim que o actual Alfa pendular passe a circular (como pode e deveria!) a 220-230 Km/h, percorrendo a distância entre estas cidades em 1h45mn ou 1h30mn, consoante faça ou não paragem em Coimbra e Aveiro. Nem sequer precisamos de uma linha AV neste trajecto. Basta chamada velocidade elevada: EV.

Em suma, o crescimento natural do Aeroporto Internacional de Lisboa, face ao paradigma emergente do transporte aéreo (Low Cost) e face à impossibilidade de implementar um verdadeiro hub intercontinental no nosso país, deve pois recorrer, em primeiro lugar, à melhoria e expansão do aeroporto da Portela, e em segundo, a uma ou mais das seguintes alternativas, diferenciadas e rapidamente acomodáveis: Montijo, Tires (sobretudo para os corporate jets) e Évora.


Em vez de sonhos sebastiânicos, como aquele que procura legitimar o pesadelo da Ota, quase sempre servindo a ganância de muito poucos e a miséria da maioria, deveríamos dar os muitos pequenos passos que ajudariam a diminuir o lamentável atraso económico, social e cultural que nos separa cada vez mais, já não só da Europa, mas dos nossos vizinhos mais chegados.

É urgente compilar o livro negro da Ota e forçar o poder a explicar-se sobre esta matéria. Antes que seja tarde demais!


Referências
Ver os dois últimos PDFs de Rui Rodrigues sobre o previsível efeito low cost no panorama aeroportuário português:
Voos de Baixo Busto e Alta Velocidade
Aeroportos de Low Cost

Última hora!

OAM #157 29 DEZ 2006

Brandos costumes

Danny de Vito. Batman Returns
Danny de Vito. Batman Returns

Sou corrupto, e depois?!


Nós sabíamos que na grande Itália, desde tempos imemoriais, roubar é um direito divino e um costume aceite, pelo que até se pagam impostos à Mafia. Sabíamos que os novos oligarcas russos além de roubar o seu povo até à medula, o fazem recorrendo frequentemente ao assassínio (agora por envenenamento nuclear!) Sabíamos que em Angola e em boa parte da África o roubo, a expoliação violenta dos povos e a destruição dos países são sinónimos do quotidiano pós-colonial. Sabíamos que os coroneis do Brasil e a maioria dos ricos da América Latina continuam alegremente em guerra civil contra os seus próprios povos. Sabíamos que a democracia americana se encontra, como nunca, corroída pela corrupção e pelo sindroma da decadência imperial. Acreditamos, por outro lado, que a Europa é, apesar de tudo (quer dizer, dos seus próprios níveis de corrupção), um oásis distributivo, e que procura desesperadamente salvar a substância e a forma da democracia, insistindo numa cultura da racionalidade humanista, da formalidade institucional, da igualdade perante a lei e da liberdade individual. Não podemos pois deixar de nos estarrecermos com os sucessivos escândalos de corrupção que, de há alguns anos para cá, parece ilustrar a verdadeira natureza da problemática economia lusitana.

Fuga massiva aos impostos por parte de grandes empresas, bancos envolvidos em sofisticadas e vultuosas operações de branqueamento de capitais, jogos de poder e corrupção sórdida no futebol, tráfico ilegal de armas, de droga e de pessoas, redes de pedofilia impunes, voos secretos da CIA (que o Governo escondeu e continua a esconder do Parlamento e dos portugueses em geral) e o mais que se verá, se a Justiça portuguesa não estiver ela mesma prisioneira da corrupção instalada, aproximam perigosamente Portugal dos registos outrora típicos de outras latitudes geo-culturais.
Se não se puser cobro a este descalabro, e o emagrecimento do Estado, em vez de servir para racionalizar a nossa democracia, servir apenas para destruir o insipiente Bem Estar Social lentamente conquistado desde o fim da ditadura, então bem podemos esperar por tempos difíceis e perigosos. Se aí chegarmos, tal como sucedeu em Portugal no princípio do século 20, poderá voltar a bastar um só homem para nos reconduzir, num primeiro momento, à ordem pública, e depois, a um novo ciclo de obscurantismo autoritário e paternalista. Será diferente do Salazarista concerteza. Será, por exemplo, ciber-autoritário, ciber-paternalista e ciber-obscurantista (em nome, claro está, da luta contra o perigo do tecno-anarquismo). Acontecerá mais provavelmente se a Europa enveredar por um retrocesso ou mesmo por uma pausa (hoje inimaginável para muitos) do processo político da União. Mas não pensem que novas formas de populismo (de tecno-populismo) autoritário são tão improváveis como, neste momento, parecerá aos mais optimistas e sobretrudo aos mais ingénuos. Pensem apenas no que será este país quando o petróleo chegar aos 120 euros pb, por volta do ano 2010, ou 2015. A prosápia inconsequente dos políticos actuais e as más companhias com quem andam auguram o pior. [v.o. 2006/12/9]


Post scriptum:
1) Fãs da corrupção — Não se pense que o fenómeno da corrupção organizada indigna os portugueses por aí além. Basta ver como os fãs do Futebol Clube do Porto berram pelo patibular Pinto da Costa (não esquecer a leitura, obrigatória, de "Eu, Carolina", da ex-companheira do presidente do FCP, editado pela Dom Quixote e nas bancas a partir de 2006/12/11). Ou ver como os desempregados de Gondomar trocam votos por micro-ondas em nome do capo local; os eleitores de Oeiras exultam com o seu municipal Isaltino; e os pobres de espírito de Felguerias alimentam sonhos eróticos com a sua santa autarca. (2006/12/10)

2) A super-Procuradora Maria José Morgado vai retomar o caso Apito Dourado. Por fim, alguma luz ao fundo do túnel sinistro da justiça portuguesa. Não fora Carolina Salgado ter publicado agora o seu libelo acusatório contra Pinto da Costa, e o dito caso em volta da corrupção de árbitros por parte de alguns clubes nortenhos de futebol, e envolvendo, além de Pinto da Costa e Valentim Loureiro, Jacinto Paixão, Reinaldo Teles, António Garrido e António Araújo, morreria sob o silêncio típico do estado de corrupção complacente que continua a caracterizar um país incapaz de superar o seu patente sub-desenvolvimento democrático. Temos democracia, mas boa parte das instituições continua sequestrada por poderes fáticos ilegítimos, muitos deles corruptos e alguns, como agora vemos, criminosos e descarados.
Num programa imbecil de um canal de televisão chamado RTPN (pago pelos impostos de todos) dois aparentes comentadores divergentes convergiam há dias na defesa do presidente do FCP, face à retoma da caso Apito Dourado, com o argumento simplório de que se trataria tão-só de uma conspiração contra o FCP. Rui Rio, prossegue a tua meritória acção autárquica! (2006/12/16)

3) O BES volta aos noticiários, desta vez com o juíz Baltazar Garzón a inspeccionar a delegação do BES na Madeira. Entretanto, o paroquial Expresso entrevistou o presidente deste controverso banco, esquecendo-se de lhe colocar duas questões: como avaliar a insistência da justiça espanhola, que requereu o apoio das autoridades portuguesas na investigação da delegação madeirense do BES?; e, porque motivo resolveu este grupo financeiro vender a Portugália à TAP, i.e. ao Estado português? (2006/12/16)

4) Corruption (Made in England) — Para não pensarmos que a corrupção só é protegida no nosso país, acaba de rebentar um escândalo no reino de sua magestade britânica em volta de condecorações atribuídas em troca de financiamentos ao Partido Trabalhista.
Blair questioned in honours probe. Mr Blair was questioned for almost two hours by police. Prime Minister Tony Blair has been interviewed by police investigating cash for honours allegations. (Link)

Um dia depois desta notícia anuncia-se o fim de uma investigação especial sobre luvas pagas aos intermediários sauditas na aquisição de 72 caças militares, da classe Eurofighter, no valor de 40 mil milhões de Libras.
The Serious Fraud Office has dropped a corruption probe into a defence deal with Saudi Arabia, after warnings it could damage national security. Attorney General Lord Goldsmith said the SFO was "discontinuing" its investigation into Britain's biggest defence company, BAE Systems. The reversal follows reports that Saudi Arabia was considering pulling out of a deal to buy Eurofighter jets from BAE. Lord Goldsmith said he thought that a prosecution "could not be brought". He said the decision had been made in the wider public interest, which had to be balanced against the rule of law. (Link-1 Link-2)
(2006/12/16)

OAM #156 29 DEZ 2006

terça-feira, dezembro 05, 2006

Aeroportos 10

Low Costs tornam Portugália inviável. Então porque é que o Estado se prepara para a comprar ao BES?

A avaliação do impacto da entrada das companhias de baixo custo — Easy Jet, Ryan Air, Air Berlin, Vueling, Click Air... — no mercado português do transporte aéreo, efectuada num recente artigo de Rui Rodrigues sobre os resultados provisórios relativos ao ano de 2006 (ver PDF), vem confirmar o que já se esperava e anunciámos em Outubro e Novembro passados: que o mercado das ligações ponto a ponto de curta e média distância vai ser absorvido pelas companhias de voos baratos, em detrimento das companhias de bandeira (TAP e Ibéria, no caso da península) e das pequenas companhias que viviam de nichos protegidos de mercado (como a Air Luxor — que faliu estrondosamente, a Air Madrid, acaba de borregar escandalosamente e a Portugália, um negócio virtualmente falido e com enormes encargos sociais, cujo dono se prepara para vender à TAP, isto é a todos nós!) Conseguirá a SATA aguentar-se face à evolução rápida dos acontecimentos e às pressões de Bruxelas para que cessem as limitações impostas às ligações ponto a ponto?

O aumento extraordinário do tráfego aéreo de e para o Porto, Lisboa e Faro, proporcionado pela entrada em operação das principais Low Cost europeias veio balancear as taxas de crescimento nos três principais aeroportos portugueses, e promete mudar radicalmente o panorama do transporte aéreo ao longo desta década no nosso país, assim que a Madeira e os Açores perceberem que o melhor que têm a fazer é juntar-se rapidamente ao paradigma dos voos baratos, em vez de se iludirem com a manutenção de regimes proteccionistas improdutivos e caros. A circulação profissional e o turismo das classes média e média-baixa europeias, enquanto a crise sistémica global não atingir em cheio o velho continente, dependerá cada vez mais do êxito dos novos operadores de baixo custo (um modelo curiosamente iniciado pela Pacific Southwest Airlines no longínquo ano de 1949!) E dependerá também, dentro de quatro anos (2010), dos efeitos da desregulação do transporte ferroviário de passageiros, com a separação dos respectivos sectores estratégicos (gestão das linhas e operações) e a criação de um espaço ferroviário comum de transportes, à semelhança do que sucedeu ao espaço aéreo europeu. Não parece nada inverosímil que as mesmas Low Costs que hoje conquistam fulminantemente o mercado do transporte aéreo de médio curso venham a estender-se para a ferrovia e para as próprias vias fluviais e marítimas europeias. Numa Europa, de Lisboa a Istambul, provavelmente abraços com uns Estados Unidos em crise convulsiva de proteccionismo, a concentração e a privatização dos sectores fundamentais da economia vai ser uma realidade, em nome de uma nova racionalidade económica, em nome dos lucros (claro está!), mas também em nome de uma expansão rizomática, absolutamente necessária, da democracia política e cultural.
A TAP, entalada entre o Hub madrileno e a ofensiva imparável das Low Cost europeias, tem que começar a pensar mais séria e decididamente numa estratégia atlântica de tipo transcontinental, se quiser sobreviver ao naufrágio que aí vem. Em vez de se prestar à demagogia subreptícia e aos fretes ruinosos que, pelos vistos, os senhores do BES lhe/nos querem impingir, a TAP tem sobretudo que prestar contas ao seu principal accionista: o povo português. Porque andou todo o ano a perder dinheiro? Que pensa fazer para inverter a situação? A comunicação social lisboeta e os políticos, andam, neste assunto, como sempre, distraídos.


Post scriptum
— Para uma visão optimista e contrastante com a deste blog sobre a prevista fusão entre a TAP e a PGA ver o artigo de João Moutinho, “A nacionalização da PGA e a privatização da TAP”, publicado no caderno de economia do Expresso de 30/12/2006.
Dando por inevitável o forte impacto das Low Costs no desenho de operações da transportadora estatal, o qual ameaça mesmo a continuidade do mini hub aeroportuário português (assente nos voos europeus de ligação às rotas de longo curso), o autor propõe a “nacionalização” da PGA, a sua integração na TAP e uma posterior privatização desta! Segundo João Moutinho, sobretudo se a PGA ampliar a sua frota (com aquisição de aeronaves do tipo Embracer 170 e Airbus 318), a TAP poderia safar-se do aperto em que agora se encontra. [31/12/2006]

— O Passageiro 12 Milhões da Portela serviu para revelar que as duas fases de obras agendadas para a Portela permitem antever a acomodação do Aeroporto Internacional de Lisboa ao crescimento imediato da procura. Grande parte do crescimento desta procura, relacionada com o fenómeno Low Cost, está a revolucionar inesperadamente o tráfego aéreo nos três principais aeroportos internacionais do país: Lisboa, Porto e Faro. Atendendo a que, no caso de Lisboa, cerca de 22% da procura (1,38 milhões de dormidas em 2006) tem origem em Espanha, haverá que ponderar os efeitos da rede de Alta Velocidade ibérica, em fase adiantada de construção no país vizinho, na demanda do transporte aéreo peninsular, mesmo na opção Low Cost. Em vez de ter que tomar decisões com semanas ou mesmo meses de antecedência, o viajante ibérico terá progressivamente acesso a uma rede de transporte rápido, hora a hora, seguro e fiável (basta ver o que a meteorologia, ou a paranoia securitária, podem fazer ao tráfego aéreo actual...) A prioridade da rede ferroviária de alta velocidade (AV/VE) é pois óbvia (ao contrário da Ota), assim como a necessidade de abrir de uma vez por todas o corredor estratégico Lisboa-Madrid, aumentando as sinergias e o vai-e-vem entre as duas capitais ibéricas. [23/12/2006]

— Quando é que o Senhor Mário Lino, aparente verbo de encher dos lóbis que atrapalham a lucidez deste país e do desastrado e teimoso Cravinho, se convence de que a Ota é, no melhor dos casos, uma solução imprestável, e no pior, uma hipoteca criminosa do futuro de milhões de portugueses? Já reparou, senhor ministro, que pondo as Low Costs a operar no Montijo, enquanto amplia a Portela, melhora as instalações de Tires e arranja espaço de manobra para os aviões em Pedras Rubras, tudo seria mais racional e mais barato. Já reparou, senhor ministro, que a Ota vai acabar por ser também o seu funeral? Coragem!

— O sussurro sobre as privatizações da TAP e da ANA tem vindo a aumentar de tom, pelo que novas transferências de riqueza nacional para as mãos de empresários lusitanos sem dimensão, sem inteligência e sem qualquer espécie de ética e nenhuma ponta de patriotismo, pode muito bem estar, neste preciso momento, a ser cozinhada nalgum dos andares clandestinos da incontrolável penumbra partidária que há muito rege o declínio económico do país. Sempre que o Estado está sem dinheiro, surge um ciclo de privatizações e o enorme apetite de quem pouco trabalha mas muito ganha à conta da nossa insipiência democrática. Alguém se deu ao trabalho de fazer o balanço das privatizações mais recentes, nomeadamente no sector crítico da energia? Os antigos proprietários, i.e. os portugueses, ganharam alguma coisa com tais decisões? A TAP de médio curso não tem futuro, já o sabemos. Mas a TAP de longo curso tem e tem um valor estratégico para Portugal! A ANA subsidia há décadas, com os lucros da Portela, os aeroportos deficitários do país (que são a maioria). Que sucederá se uma conspiração qualquer conseguir convencer o actual Governo a privatizar a ANA? Porque não privatizar, seguindo a mesma lógica, os portos de mar e os caminhos de ferro? E se amanhã todas estas novas grandes empresas estratégicas forem entregues aos espanhois pelos clones de Sr. Cardeal Pina Moura, que dirá a arraia miúda? Haverá janelas suficientes por onde defenestrar os imbecis e os vende-pátrias?

— O Council of Foreign Relations, famoso think tank da política estado-unidense, publicou em Outubro passado um importante relatório, National Security Consequences of Oil Dependency, no qual se dá conta desta inesperada delimitação do território da economia:

Put simply, the reliable and affordable supply of energy - 'energy security' - is an increasingly prominent feature of the international political landscape and bears on the effectiveness of U.S. foreign policy.”
e onde se desfazem certos mitos:

national oil companies, NOCs, control some three-quarters of the world's oil reserves. Indeed, the largest independent oil company, Exxon Mobil, ranks only fourteenth on the list of proven reserve owners, behind a long list of NOCs.

— O caso BES está a tornar-se preocupante. Da Suiça, ou melhor dos Estados Unidos, vêm as referências ao papel desta família financeira no sórdido episódio do ouro roubado aos judeus durante o período hitleriano. Em Espanha, o super-juíz Baltazar Garzón entra-lhe pelas agências bancárias dentro à procura de uma complexa rede de lavagem de dinheiro negro. Em Portugal, ora ouvimos falar do BES em virtude da Operação Furacão, ora aparece a impingir a Portugália, inviável, ao Estado, ora surge, enquanto ESAF, como um dos maiores proprietários de terrenos afectos ao ambicionado projecto do novo aeroporto da Ota (a par das sociedades Tiner/Renit e Turiprojecto). Que mais será preciso para levar o Sr. Sócrates a fazer alguma coisa de que não se arrependa?

Referências
Um leitor atento enviou-me este elucidativo Power Point (1,5 Mb) da ALAMBI, associação ambiental de Alenquer: Ota - a maior construção do mundo sobre leito de cheia

OAM #155 05 DEZ 2006

sexta-feira, novembro 24, 2006

Sam The Kid

Sam The Kid, Poetas do Karaoke
Sam The Kid, Poetas do Karaoke. Um soco no estômago do luso pidgin. You Tube

O Hip Hop que mexe na língua portuguesa é bom!


Há muito que venho lamentando a mania de dar nomes ingleses às coisas portuguesas. São os políticos levianos que falam de "benchmarking" a torto e a direito (em vez de análise competitiva), são os bancários que inundam o espectro radioeléctrico com os seus pornográficos "spreads" para compra de casa (em vez de falarem simplesmente de penalização dos juros), são os artistas a titularem sistematicamente as suas pinturas, esculturas, instalações, vídeos e exposições, com palavreado bife que não entendem. Tudo isto que é bimba faz-me lembrar as ementas dos restaurantes algarvios em Agosto!

E no entanto, no mundo da música falada, onde também abundam os anglófilos à maneira, para além do fado, onde a poesia portuguesa demonstrou ser tão musicável como qualquer outro idioma (basta saber escrever e saber ouvir as palavras), e de grandes músicos como Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveira, Padre Fanhais, ou mais recentemente Dulce Pontes, há já alguns anos que me vou apercebendo do notável trabalho de desconstrução do nosso idioma por parte dos cantores de Rap e músicos Hip-hop, com especial destaque para os de origem africana. Lembro-me invariavelmente dos Da Weasel, cujo experimentalismo instrumental e prosódico tem dado um contributo notável para o refrescamento crioulo do nosso idioma cantado e escrito.

Hoje vi e ouvi, pela primeira vez, Poetas De Karaoke, de Sam The Kid. Notável! Formalmente notável e notável política e ideologicamente. Porque é que os nossos “artistas contemporâneos”, em vez de andarem por aí de cócoras a decorar banqueiros sem tradição, não estudam as letras do Puto Samuel? Não lhes faltarão palavras, ideias e silabadas para comporem os títulos das suas obras, e estas, como já deveriam ter ouvido de alguém, se foram sonhadas, não foram seguramente sonhadas no idioma de Shakespeare.

Ora leiam lá o que se segue, e digam-me depois se não estamos na presença de uma lírica livre e inteligente.

Sam The Kid - Poetas De Karaoke
Sam The Kid

Ha ha....percebes?....c'mon

Rapper's hoje em dia sao como a pornografia
nem todos dao tusa porke ha uma oferta em demasia
ofensa a filosofia da nossa imensa minoria
nao curto plagia, fotocopia pirataria
cmg irá variar kem tira a magia original
heyy yoo reflecte e repete cmg hj é mal
só tu sabes o ke usaste e kando o pulso tiver gasto
o topo vai cair em ti nao es bem-vindo como um
padrasto
nao me afasto logo pra baixo cm para-quedas
nao te curto cm apanhador nao curto moedas
nao preciso de regressos cm sucessos
eu faço poesia a maioria faz versos
Eskece os outros mete os pontos nos "i's",
mete os contos no lixo
ou sons posto no disco ouviste
consistencia integridade longevidade na essencia
tens de ter paciencia
EU, pus-me na bixa, preenchi a fixa, ganhei 1a fixa
kando ouvi...kando vi xamar de artista
ha 1ª vista era fixe ter a profissao
sou vocalista de outra lista dos ke pensam ke sao
e relativo td o titulo, toda a afirmaçao
sou criativo e digo-o cm toda a estimaçao
dicçao é importante mas a tua e ficçao
cm dj's ke eu vejo nos pratos mandam "mixao"
sem convicçao,
sinto-me a frente de gente ke tem como influencia uma
so referencia, uma so cançao...
sao limitaçao da escrita ke limita a erecçao
solicitaçao evitam necessitam correcçao...

Refrao:

Dizem ke cantam o hip hop, mas nao dizem nada, vem cm
poesia mas é só fachada
o portugues nao ta cansado eles vem cm o ingles,
eu pratico praticando a nossa lingua outra vez
Seja hip hop, seja rock sao poetas de karaoke
da-s um toke se nao faz block aos poetas de karaoke,
no teu block no teu stock
sao poetas de karaoke, sao poetas de karaoke...

Poe a gramatica em pratica,
DidacticaDramatica mentes entanto tecnicas
poeticas cm esteticas
foneticas sempre atento ou surpreendente
cm metricas a frente, pa mentes cepticas e exigentes
isto e pa todos, nao e so pa Mc's
isto e pa tugas comuns ke escrevem da lingua raiz
kerem ser internacionais mas tao caro pa isto
e nunca sao originais sao Nova york ou Paris
Sempre fui D.Dinis vcs sao de onde der mais jeito
onde houver mais fome e proveito
e se houver mais grana é aceite
e se houver uma dama cm bom peito pensam ke isso da
respeito...
Conferem e confirmam a afirmaçao vcs nao acordam
ke eu condeno a vossa causa falsa ke vcs abordam
contractos sao assinados cm condiçoes ke nao
concordam
e as gravatas ficam gratas
pelos escravos ke as engordam
nao ha credibilidade na performance
o microfone nao ta ligado isso pra mim é nonsense
Nao percebo o vosso ponto no meu som ponho censo
Porke eu escrevo cm falo, cm sonho, cm penso...

Refrao:

Dizem ke cantam o hip hop, mas nao dizem nada, vem cm
poesia mas é só fachada
o portugues nao ta cansado eles vem cm o ingles,
eu pratico praticando a nossa lingua outra vez
Seja hip hop, seja rock sao poetas de karaoke
da-s um toke se nao faz block aos poetas de karaoke,
no teu block no teu stock
sao poetas de karaoke, poetas de karaoke...sao poetas
de karaoke![2X]

Dois palermas: Yehhhhh ouviste akele som?Ridiculo
pah....Ke nojo pah, ke...eu passo-me cm akeles gajos
Eh pah...estes gajos "Sam the kid, Sam the kid"...é
sempre a mm coisa..e depois vem cm akelas letras
"Tec tec tuuu..." eh pah...nao percebo nada
pah...Nunca gostei de rap pah...de certeza ke nunca
foram
a escola...pois nao, nao sabem escalas...nao sabem
escalas...nao sabem nada e depois vem...é musica
yoo know, yoo sam...yoo han?!?
E so o nome dele é contraditorio...pois...SAM THE
KID....o ke e akilo pah...akilo e ingles,é americano
E kem e ke vai criticar...nao é ninguem pah....ohh
pahh...devias era ouvir musica pah..devias era ouvir
musica
eles nem escrever sabem pah...o "a e i o u" nao?Eles
nem tem a 4ª classe...e o faço te aconteço te...ke
eles
nao percebem nada disso...eles nao sabem escrever
Sam the kid:Ohhh pessoal...pessoal,e assim, vcs tao ai
a falar a toa mas eu digo-vos ja, olha..o meu
portugues...

Nao e correcto e sou mais poeta ke vcs,
Todos voz do rock prop hip hop escrita em ingles,
Uma desculpa ke foi a musica ke ouviram ó crescer
Eu nunca precisei de ouvir hip hop tuga pró fazer
isso é ke da mais prazer o meu idioma exploraçao
vcs tentam outra lingua pra tentar exportaçao
kerem ser os "moonspell" kerem novos altos sons
mas aki o samuel é madredeus ou dulce pontes
porke ha uma identidade ke vcs sao todos identicos
SAO autenticos mendigos vendidos por centimos
NAO compreendi o meu sentimento e mentem
tentem jornalismo nao comentem
voces fazem turismo de emoçoes ke os outros sentem
eu faço culturismo de expressoes ke todos sentem
pk sera ke nunca param, param cm novo reportório
o vosso e qual a revista num consultorio
e é notorio ke a historia nao keiram a vossa presença
no relatorio da kal a rejeiçao foi exa intençao
eu sei, no ke é ke eu vi da tipico inox duro
mais ke fotocopias obvias ke eu xamo xerox puro
vais ver com'é sais a pontapé,
porke eu sou tipo se nao fosse do tipo cais do sodré
um café sem Sport TV,
um spot vazio nao se pode evoluir ao ignorar o
desafio
È SO PREGUIÇA!!!!

Mais letras de Sam The Kid


Nem de propósito...
At Long Last, a Neglected Language Is Put on a Pedestal
October 23, 2006, São Paulo Journal
By LARRY ROHTER

SÃO PAULO, Brazil - More people speak Portuguese as their native language than French, German, Italian or Japanese. So it can rankle the 230 million Portuguese speakers that the rest of the world often views their mother tongue as a minor language and that their novelists, poets and songwriters tend to be overlooked.

An effort is being made here in the largest city in the world's largest Portuguese-speaking country to remedy that situation. The Museum of the Portuguese Language, with multimedia displays and interactive technology, recently opened here, dedicated to the proposition that Portuguese speakers and their language can benefit from a bit of self-affirmation and self-advertisement.

"We hope this museum is the first step to showing ourselves, our culture and its importance to the world," said Antônio Carlos Sartini, the museum director. "A strategy to promote the Portuguese language has always been lacking, but from now on, maybe things can take another path."

The museum, which opened in March, has already become the most widely visited in Brazil, drawing schoolchildren and scholars as well as tourists from Brazil and Portuguese-speaking countries in Africa.

In the interests of linguistic harmony and unity, it sidesteps a basic issue: whether dominion over the language ultimately rests with the country where it was born or this rambunctious, overgrown former colony where it is most widely spoken.

George Bernard Shaw once described the United States and Great Britain as "two countries divided by a common language." Much the same could be said about Brazil, with its 185 million people, and Portugal, with barely 11 million.

The issue is not just the contrast between the mellifluous, musical accent of Brazil ? "Portuguese with sugar," in the words of the 19th-century realist Eça de Queiroz ? and the clipped, almost guttural sound in Portugal. There are also marked differences in usage that have traditionally led to misunderstandings and provided fodder for jokes.

In Portugal, for example, a word for a line (the waiting kind) is to Brazilians a derogatory slang term for a homosexual. A Portuguese word for a man's suit of clothes means a fact or piece of information in Brazil.

Some purists in Portugal object to the slangy, colorfully casual version of the language that is spoken here and increasingly spread abroad through Brazilian telenovelas, or soap operas. They regard such informality as unworthy of the language of Camões, the 16th-century poet whose seafaring epic "Os Lusíadas" is often compared to the masterpieces of Homer and Dante.

"That's certainly not my reading," Maria Isabel Pires de Lima, Portugal's culture minister, said, though, when she visited the museum in August with José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, her country's prime minister. "Language is a living instrument, always moving, evolving and changing, so I don't see this phenomenon as pejorative. On the contrary, telenovelas are an important tool in creating more awareness of the Portuguese language and culture."

In 1996, Brazil and Portugal joined with five African nations - Angola, Cape Verde, Guinea-Bissau, Mozambique and São Tomé and Príncipe - to found the Community of Portuguese-Language Countries. Portuguese was recently designated an official language of the Organization of African Unity as a result of the community's efforts. Leaders think that more can be done and hope that Brazil can lead the way.

"One of our objectives is to disseminate Portuguese so that it has greater visibility in international organizations," José Tadeu Soares, deputy director general of the group, said in a telephone interview from its headquarters in Lisbon. "But aside from Brazil and Portugal, the other countries have only been independent for 25 or 30 years and don't have the resources to project themselves on the world stage the way Brazil can."

Though the group recently granted observer status to China, where the language still has official standing in Macao, Portuguese is fading there and in places like Goa, Damão and Diu in India, three other former colonial outposts. But when East Timor obtained its independence from Indonesia in 2002 and joined the community, that inspired an outpouring of sympathy and support from Portuguese-speaking countries.

"For the Timorese, Portuguese is a way of asserting their identity vis-à-vis Indonesia, and, for that matter, even Australia," Luiz Fernando Valente, director of the Department of Portuguese and Brazilian Studies at Brown University, said in a telephone interview from Providence, R.I.

But, he added, the aspiration of some Portuguese-speakers to see their language gain official status at the United Nations is probably beyond reach. "Portuguese is a global language, spoken on every continent," he said, "but it is not an international language, used in diplomacy and business the way that French is, and I don't know if that problem is solvable."

Mr. Sartini, the museum director, said the museum planned to send roving exhibitions abroad, to disseminate Portuguese language and culture. Ideally, he said, such displays would visit not only Portuguese-speaking countries but also those, like the United States, with Portuguese-speaking minorities.

The largest and oldest United States enclave is around Providence, R.I., and Fall River and New Bedford, in southeastern Massachusetts. There are others, in the Central Valley of California, around Fresno, for example, as well as in southern Florida and Newark.

At a literary festival near here in August, though, the Anglo-Pakistani writer Tariq Ali was quoted in the local press as saying that only three languages are assured of surviving to the end of this century: English, Chinese and Spanish. Even José Saramago, the Portuguese novelist and Nobel laureate who lives mostly in Spain, has fretted publicly over the possibility of Portuguese being overwhelmed by English and Spanish.

Spanish-speakers have sometimes jokingly dismissed Portuguese as simply "Spanish, badly spoken." But because of Brazil's huge size and dynamic economy, cities like Buenos Aires and Santiago, in neighboring countries, are now awash in fliers and billboards offering Portuguese language courses.

"For 850 years, our neighbors next door have been saying that there is no future for Portuguese," said Mr. Soares, of the community, referring to Spain. "But here we are, still. The dynamic for the language may come from Brazil, but there is no doubt in my mind that Portuguese as a language will remain viable."

Copyright 2006 The New York Times Company


OAM #154 23 NOV 2006

domingo, novembro 19, 2006

Lisboa-Moscovo

Portugal: transiberiano e transatlântico
“[...] in early 2009, George W. Bush will fade into the wilderness, remembered (if we bother) for being the front man for the mother of all defeats — in Iraq, in the world-system, and at home for the Republican party.” — Immanuel Wallerstein Commentaries, Mother of All Defeats
Na Sexta Feira passada, dia 17 de Novembro, o Diário Económico anunciava na respectiva capa: “Russos da Gazprom entram no capital da Galp”. O sobressalto foi geral. Muito antes do previsto e acordado, a petrolífera nacional, que o Estado português foi alienando em troca de receitas preciosas para diminuir a dívida pública, prepara-se para admitir um novo parceiro estratégico na sua estrutura accionista. Nada mais nada menos do que o gigante russo do gás natural, que o bruto Putin salvou da rapina arquitectada pelos oligarcas do ébrio Ieltsin em articulação criminosa com a irmandade anglo-saxónica do petróleo.

Todos podemos imaginar que uma tal jogada, ou ensaio experimental, só poderia ter lugar como provocação e na expectativa de uma derrota em toda a linha da estratégia de quem anunciou a bondade e inevitabilidade de um Novo Século Americano. A família Bush e o carabineiro Cheney devem ter mandado alguém telefonar para Lisboa, indagando se a notícia do Diário Económico tinha mesmo fundamento ou se era uma brincadeira de mau gosto. Sócrates deve ter tremido. Mas, bem vistas as coisas, o Sr. Américo Amorim está no seu papel, e neste caso, a estratégia que promove apenas pode fortalecer a posição portuguesa em vários tabuleiros do xadrez político actual:
— aumenta o potencial de fornecimento de um dos principais bens energéticos deste século;
— diversifica, a prazo, a nossa dependência energética: Argélia, Nigéria, Rússia, Irão...;
— contribui para a muito necessária recuperação da estratégia atlântica do país (portos de Sines, Setúbal, Lisboa, Figueira da Foz, Aveiro e Leixões);
— e dá o mote para uma redefinição da geometria estratégica portuguesa, não apenas mais ambiciosa, mas sobretudo capaz de evitar uma simbiose suicida com a Espanha.

Ligar por terra Portugal ao resto da Europa significa sempre pedir direito de passagem à Espanha. Mas se o fizermos sabendo e demonstrando que temos as vias marítimas e aéreas abertas e bem oleadas, então nada teremos a temer do sempre arrogante iberismo castelhano.

Precisamos de diversificar as nossas parcerias estratégicas para lá dos nossos tradicionais aliados (EUA e Reino Unido), dos quais já só podemos esperar pouca ajuda e muitos problemas. Além do mais, é bem provável que os Estados Unidos, à beira de uma crise económica, social e política sem precedentes na sua história, se fechem sobre si mesmos, pondo de algum modo fim à globalização tal como a conhecemos hoje(1). Neste cenário, uma América repentinamente humilhada e atingida pela psicose securitária pode tornar-se numa ameaça perigosa à paz mundial(2). Pode, pelo contrário, adaptar-se aos futuros equilíbrios geo-estratégicos, fazendo algumas jogadas de antecipação. Por sua vez, a União Europeia, que continua sem liderança credível, depende energeticamente do Irão e da Rússia, o que não pressagia nada de bom. Putin, como se vê, parece acreditar que o Século Russo pode estar ao virar da esquina!

Quanto a Portugal, que deverá prever turbulências e mesmo estagnação no processo de fortalecimento político da União Europeia, tem que começar a pensar pela sua cabeça, fazer as suas apostas e ousar. Quem, para além da Alemanha, poderá estar verdadeiramente interessado em investir no fortalecimento estratégico de Portugal, nomeadamente por causa do seu óbvio potencial atlantista(3)? Já não são os Estados Unidos da América, nem sequer a velha Inglaterra. A Espanha, muito menos. Pois sim, é mesmo a Rússia de Putin e do nacionalista que se lhe seguirá.


Notas
1 — Sobre a crise sistémica mundial vale a pena ler o Boletim Europe 2020.
The US consumer, i.e. the US middle class, basically becomes insolvent, victim of overwhelming debt, a negative rate of saving, the bursting of the real estate bubble, the rise of interest rates and the collapse of US growth. All these elements are dependent, and mutually reinforcing, to plunge the United States, starting from the end of 2006, into an economic, social and political crisis without precedent?

2 — Sobre a tentativa americana de impedir a emergência de uma nova Rússia à frente da Eurásia, vale a pena ler, além do fundamental The Grand Chessboard, de Zbigniew Brzezinski, The Emerging Russian Giant Plays its Cards Strategically, de F. William Engdahl.
On October 10 [2006], Russian President Vladimir Putin flew to the German city of Dresden for a summit on energy issues with Germany's Chancellor Angela Merkel. On the agenda were proposed plans to more than double German import of Russian natural gas. Putin told the German Chancellor that Russia would 'possibly' redirect some of the future natural gas from its giant Shtokman field in the Barents Sea. The $20 billion project is due to come online 2010. Putin's Dresden talks followed an earlier summit in Paris in late September with Putin and French President Chirac and Merkel. A week after his Dresden talks, the Indonesian Navy Chief of Staff announced a remarkable shift away from that country's traditional purchases of NATO military equipment. Indonesia will buy twelve modern Kilo-Class and Lada-Class Russian submarines. Indonesia cited advantages of cost and reliability over NATO French or German equivalents.

3 — O transporte marítimo de matérias-primas, de combustíveis, de produtos transformados e semi-transformados, e mesmo de pessoas, será cada vez mais importante no futuro. A Europa Ocidental encontra-se numa situação de dependência extrema do petróleo e gás natural oriundos da Rússia e do Irão, da Argélia, do Iraque, do Mar Cáspio e do Médio Oriente. Necessita, por isso, de uma opção atlântica de recurso para a sua segurança energética (de que Lisboa poderá vir a ser a respectiva placa giratória), seja na direcção do Golfo da Guiné —Cabo Verde (sobretudo devido ao seu interesse militar), São Tomé e Príncipe, Nigéria, Angola—, seja na direcção da América do Sul, cuja autonomia estratégica depende cada vez mais de alianças fortes com a Eurásia; seja para a consolidação de pontes físicas mais longínquas, nomeadamente com a China e a India (as quais precisam, tal como a Europa Ocidental, de uma boa escapatória à dependência do vasto império energético russo. Finalmente, Lisboa está nas melhores condições para servir de amortecedor diplomático entre os Estados Unidos e o actual movimento das placas geoestratégicas globais.

PS — Juro que não recebi um Euro do Amorim para escrever o que acabo de assinar!

OAM #153 18 NOV 2006

sexta-feira, novembro 17, 2006

Baixa Chiado


Plano Baixa-Chiado põe fim à coligação PSD-CDS na Câmara Municipal de Lisboa


Os erros fatais de Maria José Nogueira Pinto

I
Começar pela velha associação entre sector público (falido) e sector privado (quase sempre clientelar e especulativo), em vez de apostar por uma relação transparente entre o sector público, o sector privado inovador e a cidadania (freguesias, bairros, associações de vizinhos, comunidades profissionais, económicas, culturais, etc.)

solução errada: sector público+sector privado
solução certa: sector público inovador+sector privado+cidadania

II
A dita visão, a que chamou nova atractividade, assente em 4 idiotias conceptuais pseudo- estruturantes:

1) “UMA CENTRALIDADE POLÍTICA E INSTITUCIONAL COM FUTURO NA GLOBALIZAÇÃO: UM NOVO ‘TERREIRO DO PAÇO’”

Erro de base: centralidade e globalização são duas ideias antitéticas e por isso não fazem sentido. Metade dos ministérios deveriam ir para Almada...

2) “UM MOTOR DE CRIAÇÃO DE EMPREGO QUALIFICADO: UM PÓLO ESPECIALIZADO DE SERVIÇOS NA ECONOMIA BASEADA NO CONHECIMENTO”

Erro de base: a nova economia do conhecimento é por definição descentralizada (deslocalizada), multipolar, rizomática e em rede, alimentando-se de uma miríade de motores micrológicos, com baixa intensidade energética e uma muito ligeira pegada ecológica. A economia electrónica é subterrãnea e ubíqua...

3) “UMA CENTRALIDADE EMPRESARIAL ESPECÍFICA: UM ESPAÇO DIFERENCIADO DE ACTIVIDADES FINANCEIRAS”

Erro de base: a globalização económica e financeira actual (embora ameaçada a curto prazo) é uma realidade caracteristicamente imaterial e ubíqua, pelo que mais esta asneira conceptual deixa de fazer qualquer sentido. Além disso, a haver um novo centro financeiro, deveria ir para o buraco da Lisnave.

4) “UMA PROPOSTA INOVADORA DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO: UM ESPAÇO DE EFICIÊNCIA COLECTIVA, ORDENADO E ORGANIZADO, SUJEITO A MULTIUTILIZAÇÕES COM HORÁRIOS ALARGADOS E CAPAZ DE GERIR O SEU CICLO DE VIDA”

Erro de base: aqui nada se propõe que não já exista (excesso de regulamentação, nenhuma fiscalização, nenhuma penalização). Por outro lado, expandir a actual tendência de alargamento e diversificação dos horários comerciais a toda rede comercial da zona (o tal grande centro comercial aberto) não vai resolver coisa alguma, pois o busílis da questão está em saber como seria possível tornar a mobilidade e convivialidade na Baixa-Chiado mais confortável e segura do que a mobilidade e convivialidade, por exemplo, no CC Vasco da Gama. Como se sabe, isto depende de uma recuperação radical do espaço público, entretanto rendido e vendido à circulação automóvel e à especulação imobiliária.

III
O famoso Plano Baixa-Chiado não tem pés nem cabeça. Faz seguramente sentido para capitais inquietos, empresas de obras públicas, construtores civis preocupados e empresários de arquitectura mais ou menos vorazes.

Em primeiro lugar, pela sua crassa debilidade conceptual. Não contém um grama de sutentabilidade pós-carbónica!

Em segundo lugar, por ser um monte de palha retórica do qual podemos extrair quase tudo e o seu contrário. Por exemplo: transformar a Baixa-Chiado num lugar inviável para 90% dos pequenos negócios ali instalados.

Em terceiro lugar, pela sua óbvia discricionariedade. Porquê a Baixa Chiado, e não o eixo Martim Moniz-Areeiro-Aeroporto?

Em quarto lugar, por ser uma visão medíocre e tacanha dos graves problemas que afectam a cidade-região de Lisboa.

IV
Um Plano Baixa-Chiado não faz qualquer sentido. O que faz falta, e muito, é um pensamento integrado sobre a região de Lisboa e Vale do Tejo, do qual decorram medidas urgentes e drásticas de mitigação dos graves problemas económicos, energéticos e de mobilidade que aí vêm.

O elemento essencial de qualquer política urbana destinada à cidade-região de Lisboa terá que decorrer necessariamente do entendimento profundo da actual matriz de mobilidade regional, e do que teremos que fazer (muito rapidamente) para inverter a lógica de sub-urbanização que, há mais de 40 anos e sobretudo nos últimos 20 anos, conduziu à falência económica, demográfica e social da capital do país.

A crise sistémica global, que já começou e será progressivamente piorada pelas crises energética, climática e dos principais recursos (nomeadamente alimentares), permite antever um panorama de agravamento acelerado da actual crise orçamental e institucional dos municípios (1) das duas principais regiões urbanas do país. Daqui decorre que nada poderá ser feito sem o concurso activo dos cidadãos, e que para isto, fará falta um enorme esforço político democrático, conhecimentos actualizados (não o bolor conceptual que infesta o estudo da senhora vereadora, por boas que sejam as suas intenções), muita transparência (mão pesada sobre os corruptos) e grande imaginação.

Se tivessem lido bem os principia d'o Grande Estuário, apresentados como plataforma aberta de trabalho em 1 de Maio de 2005, teriam evitado esta espécie de Ota à escala municipal; teriam poupado tempo e dinheiro e Lisboa não estaria, como está, sem governo municipal digno desse nome. Na verdade, só eleições antecipadas poderão trazer alguma esperança à capital. O falanstério partidocrata que rege a actual desbunda autárquica da principal cidade do país tem que ser travado quanto antes, para bem dos alfacinhas e da cidade-região de Lisboa.



Notas
1 — A dívida acumulada da Câmara Municipal de Lisboa é de 1000 milhões de euros, sendo a dívida de curto prazo a fornecedores da ordem dos 200 milhões de euros. Se os consultores recomendam a venda de património (em vez duma inadiável racionalização dos serviços) para sanear esta situação, tal como o Estado central tem vindo a alienar boa parte dos sectores estratégicos do país, talvez fosse bom apressarem-se. É que o crash imobiliário nos EUA e o melting down do dólar vão provocar um autêntico maremoto financeiro mundial, de que a economia portuguesa dificilmente escapará. Vender terrenos e imóveis em 2007? Um sonho que não passará de ilusão. Como vai Lisboa então pagar as suas dívidas? Alienando os terrenos da Portela a Stanley Ho?! Apostar numa Baixa-Chiado de luxo não passa de ilusão pindérica.
2 — O programa da RTP 1, Prós e Contras, de 2006/12/11, sobre a crise no município de Lisboa mostrou cinco coisas: que Carmona Rodrigues é um pau mandado do PSD — sem estilo, sem estratégia e desconhecendo escandalosamente os seus próprios dossiês; que Maria José Nogueira Pinto precisa de melhores consultores; que Ruben de Carvalho deveria ceder o seu lugar a um militante jovem e mais bem preparado; que Sá Fernandes precisa de tomar um Valium antes de ir à televisão (mas também de melhores consultores); que Manuel Maria Carrilho poderia regressar como uma boa solução para Lisboa e, finalmente, que as clientelas partidárias andam cada vez mais preocupadas com o futuro. [2006/12/12]

Referências
Documento Plano Baixa Chiado (zip 5,7 Mb)

OAM #152 17 NOV 2006

segunda-feira, novembro 13, 2006

Aeroportos 9

Tejo: nova travessia
in Rui Rodrigues: Como é que o governo vai descalçar esta Ota?

Tejo: nova travessia


Não sabemos se algum dia haverá oportunidade para construir uma quarta ponte sobre o estuário do Tejo, aquela que faria da CRIL uma verdadeira circular, em vez da semi-circular actual, cruzando o rio, na zona de Algés, em direcção à Trafaria. O que continua a parecer evidente é a necessidade de uma terceira travessia do rio, se quisermos realmente levar por diante uma ligação ferroviária rápida entre Lisboa e Madrid. No cenário imaginado pel'o Grande Estuário, esta ponte deveria unir o Barreiro a Chelas. Vale todavia a pena ponderar nas objecções de Rui Rodrigues a esta opção, expostas num PDF destinado a sugerir ao governo que cure a sua manifesta miopia (e interesses mal disfarçados) em matéria de transportes.

Segundo Rui Rodrigues e José Tudella a nova ponte a construir deveria seguir parcialmente sobre o rio, junto à ponte Vasco da Gama, aproveitando o corredor do Montijo, submergindo depois em túnel na zona onde o rio apresenta baixa profundidade. O impacto ambiental desta solução seria quase nulo devido à sua localização, não comprometeria a funcionalidade estratégica do Porto de Lisboa (um porto de águas profundas cujo valor tenderá a aumentar com a importância crescente dos transportes marítimos nos cenários das economias pós-carbónicas), evitaria os custos tremendos de projectar uma ponte parcialmente assente em pilares fixos a grande profundidade, e acabaria de vez com a peregrina ideia de construir um aeroporto internacional numa zona de cheias, quando já todos sabemos o que as alterações climáticas irão provocar, por todo o planeta, em sítios como a Ota.

No plano aeroportuário, as actuais previsões de crescimento estão obviamente inflaccionadas, pois não atendem a quatro factores que irão concorrer para o abrandamento da pressão sobre a Portela:

— a diminuição, num futuro relativamente próximo, do número de viajantes que sobretudo optará, em detrimento do avião, pelas ligações ferroviárias entre Lisboa e Porto e ainda pelas ligações ferroviárias entres estas duas cidades-região e a Espanha;

— a crise previsível das chamadas companhias de bandeira por efeito das subidas imparáveis dos preços dos combustíveis e dos custos da segurança aeronáutica e aeroportuária associados, bem como da concorrência, muito difícil de combater, provocada pela nova lógica económica das companhias Low Cost;

— o crescimento das companhias Low Cost dispostas a operar em estruturas aeroportuárias austeras, cuja lógica intermodal e integradora veio afectar dramaticamente as estruturas da aviação comercial tradicionais, altamente subsidiadas pelos governos nacionais, a quem a Comissão Europeia exige, entretanto, que se deixem de paternalismos insustentáveis;

— a impossibilidade manifesta de Lisboa desafiar o verdadeiro hub intercontinental em que se transformou a região de Madrid, buscando no Longo Curso uma alternativa ao mercado de Médio Curso, irremediavelmente perdido para as Low Cost.

A actual pressão da procura tenderá pois a diminuir e não a aumentar no nosso país.

Por outro lado, a crise económica global pré-anunciada pelas crises energética, climática, financeira e bélica mundiais, vai ter seguramente efeitos catastróficos no turismo mundial.

Por fim, no caso português, à manifesta crise do respectivo modelo de desenvolvimento, que a crise sistémica global apenas poderá agravar, somam-se os efeitos imprevisíveis, mas preocupantes, da estagnação demográfica do país, onde apenas se espera um acréscimo de menos de 300 mil pessoas habitantes entre 2005 e 2050!

A solução é simples: agir com o máximo de prudência.

Dê-se prioridade aos transportes colectivos, e de entre estes, privilegiem-se os ferroviários e marítimo-fluviais. No que respeita a aeroportos, melhore-se e expanda-se até onde for tecnicamente possível o que já existe.

A Portela, que foi o quinto aeroporto europeu mais pontual em 2005, pode crescer e sobretudo melhorar a sua aparência e a sua eficácia logística. Use-se com eficácia o aeródromo de Tires se for preciso, operacionalize-se a base aérea do Montijo, potenciando harmoniosamente um grande corredor de transportes intermodal: ponte Vasco da Gama, nova travessia ferroviária e novo terminal de companhias de Low Cost.

Está na cara, e só se houver muita corrupção é que uma solução como a Ota poderá vingar.



NOTA
Depois de António Vitorino, que há muito manifestou dúvidas sobre a localização do novo Aeroporto Internacional de Lisboa (AIL), é a vez de Elisa Ferreira se distanciar, ainda que indirectamente, do pântano da Ota. Vale a pena ler:





[Novos aeroportos: Elisa Ferreira faz boas perguntas ao PS]


Por que é que o tráfego que sobrecarrega o actual aeroporto de Lisboa não é repartido com o Porto de forma a optimizar as duas infra-estruturas? Por que é que o aeroporto do Porto não se especializa em atrair as companhias "low-cost"? Por que é que, sendo o aeroporto do Porto muito mais qualificado que o de Vigo, há aparentemente mais portugueses a apanhar voos internacionais na Galiza do que galegos a fazer o inverso? Que estratégia de promoção do aeroporto do Porto está a ANA a seguir? Não seria recomendável uma autonomia relativa na gestão do aeroporto do Porto, à semelhança do reconhecido sucesso da gestão do porto de Leixões, para que algumas destas ineficiências encontrassem solução? Como irão os processos de privatização previstos influenciar a gestão desta magnífica infraestrutura? Tantas perguntas rapidamente deram lugar a outras, mais prospectivas. Havendo já sobrecapacidade instalada, continua a justificar-se o novo aeroporto da Ota? E tendo o aeroporto do Porto interface com o metro, o aumento da velocidade ferroviária da ligação Porto-Lisboa e Porto-Vigo não obrigará a rever todo este quadro? Será que a anunciada antecipação da ligação a Vigo acabará por reforçar a atractividade do Porto em relação à Galiza ou será o contrário que vai ocorrer?
— in Elisa Ferreira, Jornal de Notícias, 05/11/2006

Última hora!

OAM #151 13 NOV 2006

sábado, novembro 04, 2006

Stern Report

Global Warming 2100
img: Global Warming Art


Conseguiremos declarar o Estado de Emergência Ecológica?


O relatório elaborado pelo antigo economista do Banco Mundial, Sir Nicholas Stern, por encargo do governo inglês e sob os auspícios de Gordon Brown, veio a público a 30/10/2006, tornando-se instantaneamente assunto prioritário das principais agências noticiosas internacionais. O relatório não aporta nada que não suspeitassemos, grosso modo, desde Limits to Growth (1972), ou que não soubessemos desde a publicação de Plan B (2003-2006), de Lester R. Brown, de The Long Emergency (2005), de James Howard Kunstler e de Uma Verdade Inconveniente (2006), de Al Gore. Mas ainda assim, e apesar ser por vezes algo optimista nas soluções, tem a significativa vantagem de ser um documento criterioso, relativamente actualizado, substancial, prudente e oficial.

Algumas conclusões (retiradas pelo Herald Tribune e de uma leitura resumida do documento):

  • os países pobres e em desenvolvimento serão os mais prejudicados pelas alterações climáticas;

  • o sector energético mundial terá de se descarbonizar em 60% até 2050 (na realidade, talvez precise de uma redução bem maior e mais rápida nos países industralizados: 90% até 2030...);

  • os mercados dos produtos de baixa intensidade carbónica valerão qualquer coisa como 374 mil milhões de euros anuais em 2050;

  • a desflorestação será responsável por mais de 18% das emissões globais de gases com efeito de estufa (ultrapassando o sector de transportes);

  • os incentivos ao desenvolvimento de tecnologias de baixa intensidade carbónica deverão multiplicar por 2 a 5 vezes o montante anual actualmente dispendido, devendo chegar aos 26,9 mil milhões de euros/ano em 2050;

  • a União Europeia, a China e o Estado da Califórnia são os primeiros grandes espaços económicos e demográficos mundiais a agir face à presente Emergência Ecológica Global, prevendo-se que venham a introduzir, ao longo desta e da próxima décadas, taxas ecológicas crescentes sobre a produção, comercialização e uso de combustíveis carbónicos e sistemas destes dependentes ou acoplados:
    — transportes rodoviários, aéreos, marítimos e fluviais movidos a combustíveis fósseis (taxas s/ os combustíveis fósseis, s/ a mobilidade pendular, s/ o estacionamento, s/ a renovação dos equipamentos e veículos, etc.)
    — energia doméstica, sobretudo sistemas de ar condicionado e electrodomésticos ineficientes;
    — tratamento de resíduos (lixos domésticos e resíduos perigosos);
    — embalagens anti-ecológicas, com incorporação intensiva de energia e de materiais críticos, etc.

Tudo isto, bem entendido, se o planeta for capaz de declarar até ao fim da presente década um verdadeiro Estado de Emergência Ecológica (EEE). Se não agirmos sem demora, avisa o Relatório Stern, o planeta poderá ter que consumir 5 a 20% do PNB global para acudir à deterioração sem precedentes das condições de vida na Terra.



Notas
Para uma visita rápida ao conteúdo deste relatório, vale desde logo a pena ler a tradução portuguesa do respectivo Resumo.
A versão original e integral do Stern Report será objecto de comentário crítico assim que acabe de lê-lo.
O artigo de George Monbiot publicado pelo Guardian de 31/11/2006, Drastic action on climate change is needed now - and here's the plan adverte-nos para uma leitura crítica do Relatório Stern.
Sobre este tema, vale também a pena ler o estudo igualmente recente de Andrew J. Hoffman, Getting Ahead of the Curve: Corporate Strategies That Address Climate Change (2006), publicado pelo Pew Center on Global Change. (PDF 2.3Mb)
O Council of Foreign Relations, por sua vez, publicou este sintomático estudo sobre a situação americana: National Security Consequences of U.S. Oil Dependency

[Este artigo foi originalmente publicado no blog de O Grande Estuário]

OAM #150 04 NOV 2006

BES vai ficar de fora?


Banco Espírito Santo, outra vez na berlinda do branqueamento de capitais


O Expresso (sem cafeína), outrora editado por António José Saraiva, parece estar a resvalar para uma espécie inédita de Expresso (salgado) sob a nova batuta redatorial de Henrique Monteiro. Por sua vez, o novo Sol, do ex-director do Expresso (sem cafeína), naciturno incerto da falida imprensa nacional, parece incapaz de sobreviver fora da sombra publicitária do mesmo banco que a ambos os jornais parece oferecer rodapés coloridos das suas fantasias fiduciárias a troco da exigência de discrição sempre que a mesma for conveniente à boa imagem de quem afinal garante o pão e o Cognac deste obsoleto Quarto Poder. O velho estratagema do pau e da cenoura continua, como se vê, a produzir os seus efeitos.

Vem esta diatribe a propósito do modo infame como os dois principais semanários portugueses não trataram do caso de polícia que dominou as primeiras páginas dos jornais, rádios e televisões da península ao longo dos últimos dias. Em ambos os periódicos, a notícia das buscas policiais na sede madrilena e demais sucursais no país vizinho do Banco Espírito Santo, do bloqueamento de contas bancárias no valor de “apenas 5,5 milhões de euros” (comunicado do BES transcrito pelo Expresso), e da indisfarçável gravidade do caso, atestada pelo simples facto de a investigação estar a ser conduzida pelo Juíz Baltazar Garzón, foi remetida para os editores dos respectivos cadernos de economia. De economia! Mas não está presumivelmente em causa a prática ou a facilitação de práticas criminosas muitíssimo graves? Não está aliás este mesmo banco a ser investigado no nosso país por suspeita de envolvimento em práticas criminosas semelhantes (onde surgem personagens tão sugestivos como Pinochet e José Eduardo dos Santos)? Ou será que já não está? E se não está, que se passou para deixar de estar? Não disse ontem o cacique da Madeira, ilha onde a sede do BES parece merecer especial curiosidade de quem (em ambos os países) tem vindo a investigar toda esta teia de corrupção, que as respostas se encontravam em Lisboa? E se ele falou verdade, que significado pode deduzir-se das suas palavras? E sobre o passado pouco edificante do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa em matéria de branqueamento de capitais relacionados com o “ouro nazi” e as célebres vendas de volfrâmio a Hitler, que disse a nossa imprensa cor-de-rosa? No fim deste artigo transcrevo dois documentos essenciais a este propósito. Por fim, que dizer da venda súbita da Portugália à empresa pública TAP? O que é que efectivamente comprámos ao BES, por intermédio de Fernando Pinto? O que é que efectivamente o BES nos vendeu, por intermédio de Fernando Pinto?

Pois bem, as primeiras páginas do Expresso e do Sol resolveram assobiar para o ar, dedicando-se ambos ao deleite de tricotar vistas e revistas cortinas de fumo sobre putativas interferências do Governo na RTP (Expresso), as supostas faltas de Carrilho às reuniões da indescritível Câmara Municipal de Lisboa e ainda os potenciais conflitos de interesses entre o ministro Mário Lino e uma empresa de consultadoria fundada pelo adjunto de um seu Secretário de Estado, o qual, já se sabia mas fingiu-se não saber, afinal abandonara tal empresa (F9 Consulting) em 2004!

Uma perguntinha simples: que vão fazer estas duas folhas paroquiais se o caso BES continuar a dar muito que falar?



Notas [actualizado em 13 Dez 2006]
A ponte Pequim-Luanda. Warwick Davies-Webb, director da Executive Research Associates, em declarações ao Público (12 Dez 2006), estabelece um novo dado sobre o papel do Grupo Espírito Santo na facilitação de negócios entre a China (ávida de petróleo e atulhada em US dólares) e a África, nomeadamente lusófona (sobretudo petrolífera), ao revelar que aquela família financeira exerce uma influência preponderante em países como Angola. Numa palestra recente o consultor sul-africano disse haver “‘ligações estratégicas’ entre Pequim e companhias e bancos portugueses com influência em países como Angola”. O analista vai mesmo ao ponto de afirmar que a CPLP e Portugal, como “pilar” da organização, “serviram para acelerar a influência da China nos países de língua portuguesa”. Finalmente, segundo Davies-Webb, “Pessoas influentes no poder confundem-se com as que estão em cargos-chave dos negócios. É uma zona cinzenta e uma situação muito complexa”... Quem não deve gostar nada desta insubordinação lusitana é o Departamento de Estado norte-americano (que divulgou as afirmações da ERA.)
Em Janeiro a ERA publicará um relatório circunstanciado sobre a corrida chinesa ao continente africano, que seguramente ajudará a perceber muitos dos movimentos subterrâneos da actual diplomacia portuguesa e das cautelas postas no relacionamento com alguns poderosos grupos financeiros portugueses particularmente activos na facilitação do estabelecimento do eixo China-África-Brasil.

“This report tracks the reasons behind China's successful rise in Africa's energy sector, once almost the exclusive preserve of Western oil companies. In the short space of six years the Chinese oil presence in Africa has gone from one isolated outpost to a spread that covers nearly half the continent.

The People's Republic of China (PRC) has embarked on an aggressive campaign to capture large parts of the African oil and gas sector. Facing accelerated oil imports by the turn of the 21st century, Chinese policymakers made a strategic decision to diversify and secure energy supplies across the globe, accentuated by the 9-11 crisis which starkly highlighted China's mismatched reliance on unstable Middle East oil supplies.

A ‘go out and buy’ strategy has seen Chinese oil companies move into Africa, Central Asia and South America to secure new energy oil supplies.

The report takes an in-depth look at their modus operandi, the role of the Chinese government in guiding the actions of Chinese oil companies, the institutional support provided to Chinese oil investments in Africa, the role of other governments in facilitating China's entry into African oil sectors, political and strategic reasons underpinning China's entry into specific African countries, and why Chinese oil companies are able to compete so successfully against their Western counterparts.

The report makes the case that Western observers of the Chinese phenomenon fail to take into account the logic underpinning the thinking of Chinese investment decisions which do not reflect market-related criteria.

Those players in the African and international oil and gas sector cannot afford to ignore the Chinese expansion in Africa, and even less to assume that pure market forces will determine who takes control of Africa's energy fields.

Report Available in January”


PS: o jornal Público de 12/12/2006 errou, afirmando que a Eskom pertence ao GES. Não, não pertence. A Eskom é tão só o maior fornecedor de energia eléctrica da Africa do Sul e é uma empresa pública!

— O jornal Expresso noticia na primeira página da sua edição de 11/11/2006 os novos desenvolvimentos da Operação Furacão, antecipando a próxima iniciativa do Ministério Público: “chamar a depor os presidentes do BES, BCP, Finibanco e BPN. (...) Ricardo Salgado, Paulo Teixeira Pinto, Costa Leite e Oliveira e Costa vão ser convocados como testemunhas, mas não está excluída a hipótese de serem constituídos arguidos — até para terem maiores direitos de defesa.”. Curioso... O facto de haver 200 sociedades no rol de suspeitos dá uma boa indicação sobre o actual informalismo do sistema bancário. Numa época em que a globalização liberal e a possibilidade de um colapso do sistema bancário internacional parecem caminhar de mãos dadas, a bagunça reinante nos redes ibéricas de fuga ao fisco, falsificação de moeda e lavagem do dinheiro (muito dinheiro!) negro resultante da droga, da prostituição e da expoliação de riquezas nacionais, sobretudo oriundas de África, faz-nos pensar sobre a verdadeira natureza de muitos dos êxitos económicos incansavelmente matraqueados pelos mcs. O Expresso não se coibiu, desta vez, de divulgar a matéria informativa chegada às suas mãos. Fica-lhe bem e fica-nos bem. Pois nenhum português gostaria de se conformar à ideia de que o principal semanário do país se havia vendido por um prato de publicidade falaciosa.
Clientes do BES em Espanha investigados por branqueamento. Diário Económico
Bloqueados más 1.500 millones de euros de cuentas de los bancos Espírito Santo y BNP. El País (2/11/2006)
— Ricardo Salgado considera o seu banco prejudicado pela actuação tendenciosa das autoridades e das agências de comunicação espanholas, em contraste, disse, com o bom acolhimento dado à banca espanhola em Portugal. Afirmou que se reservava o direito de processar os responsáveis deste incidente caso o mesmo viesse a afectar o bom nome e a boa performance do banco a que preside. Não sei se isto foi apenas mais uma ameaça aos média lusitanos (para que mantenham a calma informativa sobre este assunto), ou se pretende mesmo assustar nuestros hermanos. O caso promete! [09/11/2006]

Antecedentes históricos

Nazi Gold Report
Holocaust Assets New supplement released
(1998)
Allied Relations and Negotiations with Portugal
Beginnings of Postwar Allied Policy Toward German Looted Gold in Portugal
Both Germany and Portugal used Switzerland as an intermediary to facilitate their wartime gold transactions. When Germany needed escudos to purchase wolfram or other Portuguese goods, the Swiss National Bank would transfer gold from Reichsbank accounts to the account of the Bank of Portugal. This gold apparently went to the Reichsbank's "Escudo account" with the Bank of Portugal, which in turn credited a like amount of the escudos to two private banks, the Banco Espirito Santo and Banco Lisboa e Acores. These banks then deposited the escudo amounts to Germany's accounts with them. In 1943, almost 729 million escudos ($29 million) were reportedly transferred to Germany in this way. Sometimes the Swiss National Bank transferred the gold directly; sometimes the Bank used the German gold as credit and deposited equivalent amounts of Swiss francs, which the Portuguese used to buy Swiss goods.
Ultimately, much of this gold and currency was transported to Portugal. From 1939 to 1944 Portuguese domestic gold holdings increased by $67.5 million.
The Allies also had evidence of a significant trade outside the Bank of Portugal. One of the largest institutions involved in this unofficial trade was the Banco Espirito Santo. According to an October 1945 FEA report, the bank served as the "German financial agent for wolfram operations," regularly advancing escudos to the Germans to purchase wolfram in return for "gold and Swiss francs from the Reichsbank." In August 1944 the Allies compelled the bank to cut its ties with the Reich, but the Germans transferred their accounts to the Banco Lisboa e Acores.

Holocaust-Era Assets
A Finding Aid to Records at the National Archives at College Park, Maryland
Foreword
This finding aid had its origins in a researche's effort to determine the extent of Holocaust-Era Jewish dormant assets in Swiss banks. Recognition of the importance of the issue and the potential for additional research interest led to preparation in April 1996 of a brief (ten page) list of relevant records in the custody of the National Archives and Records Administration (NARA) at its facility in College Park, Maryland. This concise list contained information about records that seemed most pertinent to researcher interests in Swiss banks and the then soon-to-be related subject of Nazi looted gold. By the fall of 1996 an Interagency Group on Nazi Assets had been established under the leadership of Ambassador Stuart E. Eizenstat, then the Under Secretary of Commerce for International Trade and Special Envoy of the Department of State on Property Restitution in Central and Eastern Europe. This group requested compilation of a more detailed listing of NARA holdings at College Park to assist with preparation of a report on Nazi looted gold and other assets.
The subsequent 277-page finding aid was completed in March 1997 and served as an appendix to the May 7, 1997, report of the Interagency Group on Nazi Assets, prepared under the direction of William Z. Slany, The Historian, Department of State. The 212-page report was entitled U.S. and Allied Efforts to Recover and Restore Gold and Other Assets Stolen or Hidden by Germany During World War II: Preliminary Study. Both the report and the appendix were placed on the Department of State's website (http://www.state.gov) on May 7, 1997, and were made available in paper form from the United States Government Printing Office.
In conjunction with the preparation of a supplemental report to the above-mentioned report, a revised and expanded 700-page finding aid was prepared and made available in March 1998, in paper form, on site at the National Archives at College Park, Maryland, and on the United States Holocaust Memorial Museum's website (http://www.ushmm.org/assets). In June 1998 the second report, coordinated by Stuart E. Eizenstat, now Under Secretary of State for Economic, Business, and Agricultural Affairs, and prepared by William Slany, was released and made available through the United States Government Printing Office and at both the State Department and the Holocaust Museum websites. The 180-page report is entitled U.S. and Allied Wartime and Postwar Relations and Negotiations with Argentina, Portugal, Spain, Sweden, and Turkey on Looted Gold and German External Assets and U.S. Concerns About the Fate of the Wartime Ustasha Treasury.
This version of the finding aid expands on the March 1998 version to include more extensive descriptions of records relating to topics hitherto described as well records relating to art looting, European insurance companies, and slave labor. Incorporated in this edition as an appendix is a bibliography of published government and non-governmental literature of Holocaust-Era assets compiled by Lida H. Churchville, NARA's Chief Librarian.
— in Holocaust-Era Assets. A Finding Aid to Records at the National Archives at College Park, Maryland. The U.S. National Archives & Records Administration. Para encontrar as 9 referências ao antigo BESCL neste documento crucial (11484, 38814, 39842, 43513, 44398, 47032, 58561, 64599, 68607) basta procurar (find) a palavra "espirito".


OAM #149 04 NOV 2006

sexta-feira, novembro 03, 2006

Portugal e o aborto

Lennart Nilsson, Life, 1965Ovulo e espermatozoides humanos
Lennart Nilsson, Life, 1965Óvulo humano

A mão de Deus e a hipocrisia nacional


Comecemos pelo princípio: a proposta de referendo aprovada pela Assembleia da República e a que seremos chamados a votar em 11 de Fevereiro de 2007 não é sobre a liberalização do aborto, mas apenas sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas de gestação. Não sei o que levou o PS a baixar o prazo inicial de 12 semanas.

Apesar de estar em causa um processo de decisão política tipicamente democrático, a hierarquia católica não se coibe de intrometer-se onde não é chamada (1). Este não é definitivamente o seu reino, mas a velha e reaccionária Igreja portuguesa (através da sua famosa Conferência Episcopal) ameaça uma vez mais abusar das suas prerrogativas e tribunas dominicais para coagir os seus fieis e promover o escândalo em volta de um tema que só à democracia compete decidir. Fá-lo como instituição hipócrita e historicamente comprometida com o autoritarismo, a corrupção e o atraso económico e cultural do país. Fá-lo em nome de uma fé atávica sibilinamente manipulada. Fá-lo pela voz dos fariseus que administram os tristes templos da cristandade. Fá-lo sem sequer ter a humildade de reconhecer que nem tudo vai bem nos corredores sombrios da sua evidente a antiquíssima misoginia. Fá-lo sem que dela se ouça um único e sincero protesto contra quem sistematicamente promove a corrupção, a fome e a guerra no mundo. No caso das massivas carnificinas programadas de seres humanos, o verbo hipócrita dos cardeais torna-se, em nome da bíblica separação de poderes, abstracto e geral. Mas no caso do aborto, como se de uma ultima ratio essencial à vitalidade do seu poder se tratasse, a igreja católica julga ter uma palavra inalienável a dizer, por cima da legitimidade democrática instituída e contra o Estado que a subsidia generosamente. A igreja católica apostólica romana de Portugal, ao referendo do aborto, disse e votará "Não", apesar da tímida tentativa do Cardeal Patriarca de Lisboa de fazer ver que o tema não era do foro religioso. Tentará, pois, arrastar ilegitimamente a maioria dos seus fieis para o apoio ao encarceramento das mulheres que abortam(2). Talvez fosse bom começarmos por exigir à instituição paroquial lusitana a devolução dos subsídios financiados pelos nossos impostos, em razão do óbvio desvio dos objectivos e destinatários da sua esperada aplicação. Foi assim que os socialistas espanhois começaram, com sucesso, a quebrar a espinha do arqui-reaccionário poder católico espanhol.

Para alguns católicos, em nenhum caso pode uma mulher, homen ou instituição decidir sobre a vida humana intra-uterina. Desde o momento da fertilização até ao eventual nascimento de uma criança a vida humana é coisa sagrada, que só a mão invisível de Deus pode comandar. Por esta mesma ultima ratio o Vaticano opõe-se à eutanásia, mesmo nos casos de doenças incuráveis e extemamente dolorosas; opõe-se à masturbação masculina (na realidade, cada ejaculação realizada fora de um coito entre homem fértil e mulher em idade de procriação pode ser vista como um verdadeiro genocídio de 180 a 400 milhões de espermatozóides!); e opõe-se ao suicídio. Não se opõe, que eu saiba, com o mesmo vigor, à pena de morte ou à guerra, nem muito menos ao celibato dos padres. Que farão estes pobres servos de Cristo aos triliões de espermatozóides que produzem ao longo a vida? Ejaculam nos lençois e administram depois a Extrema Unção aos atarantados herois da nossa espécie?

A igreja católica continua, porém, a exaltar, ou pelo menos a tolerar, a auto-flagelação da carne e o martírio em nome da purificação e da fé. Esta religião defende, pois, a vida como um dom que só Deus pode dar e tirar, salvo se a sua própria lei ou os Estados dispuserem de outra forma! Quando benze as tropas nas vésperas e durante os grandes morticínios civis, coloniais e inter-estatais, quando assiste alegremente ao exercício criminoso, tantas vezes sanguinário e letal das ditaduras, quando "perdoa" os condenados à morte nas vésperas da execução, sem um protesto sequer contra sistema penal que autoriza o assassinato legal de seres humanos, esta igreja aceita sem indignação, sem crítica e sem remorso a mão pesada de César.

No entanto, quando está em causa dirimir os grandes dilemas da história humana, sobretudo quando dizem respeito a dramas profundos, ou à nossa intimidade biológica e antropológica, evidente na interrupção voluntária de uma gravidez, esta igreja hipócrita revela uma inacreditável frieza, insensatez, crueldade ideológica e cinismo político.

Percebo que a vida e a morte tenham sempre constituído o seu inatacado latifúndio especulativo. Mas tal como a reflexão do Papa Benedictum XVI serviu para atacar o fanatismo irracional dos extremistas islâmicos, em nome daquilo que ele chamou, e bem, a superioridade racional do Cristianismo, deveria também servir aos crentes católicos informados para saberem dirimir os conflitos éticos gerados por alguns dos mais antigos e fundamentais dilemas da vida humana na direcção da prudência histórica, mas também de uma corajosa racionalidade humanista.

Quanto aos médicos-especuladores e sirenes parlamentares que proclamam em nome da ciência a sua oposição à legalização do aborto voluntário até às dez semanas, convem dizer que não existe nenhuma verdade científica sobre este tema, mas sim várias perspectivas de abordagem, confluindo as mais recentes e razoáveis para a ideia de que, por um lado, vida humana e ser humano são filosófica e legalmente (3) duas coisas diferentes, e que, por outro, a formação da consciência, ainda que na forma mais primitiva, ou puramente neurológica, tal como o apetrechamento da vida humana para a existência pós-umbilical, nunca poderão ocorrer antes das 24-27 semanas de gestação. Há vida humana, quer dizer informação genética única (e divina na perspectiva dos crentes) no espermatozóide do homem e no óvulo da mulher, mas não há nenhum ser humano potencial até que as formas, os tecidos, os órgãos e as funções essenciais à existência independente de um ser humano tenham sido desenvolvidos no interior do corpo materno, e isto não acontece se não depois de haver actividade cerebral comprovável e capacidade de respiração autónoma. Recomendo vivamente o equilibrado artigo de Scott F. Gilbert sobre o suposto consenso científico em volta da definição de vida humana e ser humanoWhen Does Human Life Begin?

Descriminalizar o aborto voluntário até às 10 ou até às 12 semanas (4) é uma decisão lógica do ponto de vista político, humana do ponto de vista civilizacional e democrática do ponto de vista cultural. Trata-se, no fundo, de decidir sobre uma questão muito difícil, mas inadiável, usando a razão e sobretudo o conhecimento, quer dizer, o estudo contínuo e sistemático de todas as envolventes do problema. A pergunta do referendo proposta pelo PS é muitíssimo prudente, se não mesmo conservadora. Ainda assim é um passo essencial para impedir que a barbárie penal prossiga, sob os auspícios perversos da hierarquia católica, de médicos hipócritas e de uma boa dúzia de juízes impróprios num regime democrático.

A interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas deverá ser um direito responsavelmente partilhado pela mulher que aborta, pelo seu parceiro e pela comunidade. Esta última tem a obrigação científica, social e política de acompanhar de perto este tema tão sensível. Quanto ao inenarrável presidente da Ordem dos Médicos e alguns dos respectivos associados, pseudo devotos do juramento de Hipócrates (segundo o qual nenhum médico poderia exercer cirurgia...), a receita é enviá-los directamente para a medicina privada. No Estado, as regras democráticas são para cumprir!




NOTAS
1. Num panfleto distribuído pela Conferência Episcopal Portuguesa, que me chegou à caixa de correio, aduz-se como argumento fundamental para a intromissão da hierarquia católica num assunto que não lhe diz respeito (nomeadamente ao abrigo da Concordata vigente) a seguinte frase absurda: "O aborto não é uma questão política, mas de direitos fundamentais".
É caso para perguntar quem escreveu esta alarvidade conceptual? Ou que entende a arqui-reaccionária hierarquia católica portuguesa por Política? Pois não é na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Declaração Universal dos Direitos da Criança (que os pedófilos e algumas instituições religiosas, pelos vistos, não respeitam), na Convenção da Genebra, nos Tratados de Não-Proliferação Nuclear, e nas Constituições de todos os países que as têm, que precisamente se definem, estabelecem e regulam os direitos fundamentais? E quem o faz não é precisamente a Política enquanto instância histórica, social e política da vontade dos povos? Desde o tempo de César Tibério, e nas próprias palavras atribuídas a Jesus Cristo, que este problema foi definitivamente resolvido, apesar das resistências dos fariseus de todas as religiões ao longo dos tempos. A racionalidade da Política é uma conquista lenta dos povos; as dogmáticas das religiões, quando exarcebadas (como ocorreu agora com as afirmações da besta episcopal de Bragança-Mitanda) não têm sido outra coisa que o espigão da barbárie!
2. A mulher que aborta vai presa, o mesmo sucedendo aos técnicos de saúde que procederem à intervenção. O estabelecimento que acolher o acto será multado ou encerrado. Só o inocente que ajudou com os seus espermatozóides à fecundação indesejada passa incólume nesta procissão de misoginia inquisitorial.
3. Nem o feto, nem muito menos o embrião, têm personalidade jurídica. É por isso que não se declaram óbitos dos fetos destruídos em consequência da morte acidental da mãe, nem se condena alguém que atropele fatalmente uma mulher grávida de duplo homicídio. É também por isso que um feto não pode ser tido por herdeiro, nem por acusado (por exemplo, na morte eventual da sua progenitora durante a gravidez ou no parto).
4. [31/01/07] O muito retomado argumento pelo NÃO de Marcelo Rebelo de Sousa diz que o referendo em curso não é sobre a descriminalização do acto abortivo até às 10 semanas, mas sim sobre a sua liberalização, a bem do negócio da saúde e com inevitáveis encargos suplementares e sobrecargas de serviço para um SNS abraços com o cumprimento das suas tarefas mais elementares.
Na opinião de Marcelo, seria possível descriminalizar a prática abortiva independentemente da idade do embrião (até às 8 semanas) ou do feto (depois das 8 semanas e até, digamos em abono da sua tese, à 25ª semana), não punindo as pessoas envolvidas no acto abortivo com penas de prisão, mas eventualmente (suponho eu por ele) substituindo tais penas por multas e por uma política de saúde reprodutiva adequada e com meios.
A pergunta que ele faz, sibilina,
não pode deixar de obter resposta. Grosso modo, é esta: a mulher que abortar, clandestinamente, em estabelecimento não autorizado, ou abortar à 12ª semana, continua a ser considerada uma criminosa e a incorrer em pena de prisão?
Em primeiro lugar, o referendo, ao autorizar a realização de abortos até às 10 semanas em estabelecimento legalmente autorizado, define o quadro temporal dentro do qual o Estado, por decisão dos cidadãos, pode proporcionar à mulher apoio médico, segurança e legitimidade social para interromper uma gravidez indesejada, perigosa ou impossível. A determinação temporal das 10 semanas não resulta de nenhum dictat religioso (pois vivemos num Estado laico, no qual a liberdade religiosa jamais poderá sobrepor-se à lei escrita pelos cidadãos), nem sequer de nenhuma verdade científica, objectiva e incontroversa (pois existem várias perspectivas sobre o tema), mas antes de uma ponderação razoável do conhecimento científico actualmente disponível, de uma ponderação da dimensão social do problema e sobretudo da avalição do estado de espírito da cidadania sobre esta questão difícil e sobre os dilemas que a mesma frequentemente coloca a quem tem que a enfrentar na carne.
Em segundo lugar, se o referendo legitimar a IVG até às 10 semanas, esse facto levará naturalmente o parlamento a redesenhar a lei existente sobre o aborto, podendo então, em sede própria de regulamentação, acolher a sugestão liberal e generosa de Marcelo Rebelo de Sousa.
Em terceiro lugar, se Marcelo Rebelo de Sousa votar NÃO, estará simplesmente a prejudicar o natural curso da História, que no caso irá na direcção que pretende, pois parece razoável crer que o sentido de voto da maioria civilizada deste país vai precisamente na direcção de descriminalizar o aborto (independentemente do momento em que se pratique, desde que até à 25ª semana), cuidando de praticá-lo legalmente se dentro de um intervalo considerado tolerável pelo nosso actual entendimento da natureza da vida humana (10-12 semanas), e desincentivando-o fortemente, sobretudo a partir de medidas positivas, da responsabilidade do Estado e da co-responsabilização cidadã.
Como vê Professor Marcelo, para ser coerente, deveria votar SIM! -- OAM



Gato Fedorento (no seu melhor) e o silogisma do Professor Marcelo




OAM #148 03 NOV 2006