segunda-feira, julho 26, 2004

Socrates 2

José Sócrates lidera sondagens. A dois anos do poder.


José SócratesO-A-M
#35
26 Julho 2004

O Professor Marcelo pareceu-me murcho e inquieto no show de ontem, depois do empate do Benfica contra o Real Madrid. Mostrou-se incomodado pela unanimidade das críticas dirigidas pela generalidade dos opinadores políticos do País ao desastrado Santana Lopes. Até o Alberto João zurziu forte e feio no Paulinho, como se este não fosse um Ministro da República! Em suma, que poderá o Professor Marcelo fazer por "Santanás" (a expressão começou a correr numa reedição paródica da Nau Catrineta) perante tamanho estado de desgraça? Pouco. Mas lá foi adiantando que ninguém, nem sequer a Oposição responsável (quer dizer o PS), deveria desejar a infelicidade ao actual Governo, pois se tal viesse a suceder, as vítimas seríamos todos nós. Queria ele dizer na sua que o próprio José Sócrates, actual candidato favorito à liderança do Partido Socialista, perderia com uma interrupção abrupta do Santanismo. Sócrates, nas palavras do Professor Marcelo, precisa de tempo para definir as suas próprias ideias, as quais, pelos vistos e por enquanto (o Professor leu atentamente a entrevista dada por Sócrates ao Expresso) não existem.

Lá me dei ao trabalho de ler a Única, para conferir a opinião do Professor Marcelo com a realidade...

De facto, Sócrates não apresenta nenhum programa de Governo durante a entrevista conduzida por Cristina Figueiredo e Vítor Rainho. Mas poderia?! Olhem só para algumas (a maioria) das perguntas:

"Que recorda da infância?"; "Até quando viveu na Covilhã?"; "Como foi parar a Engenharia?"; "Quando se começou a interessar por política?"; "Qual era a sua visão do mundo aos 16 anos? Viajava?"; "A sua vida é só política? É assim tão desinteressante? Em jovem teve carro?"; "Nunca teve desilusões amorosas?"; "Até essa altura nunca foi confrontado com a morte de alguém próximo?"; "Há quem diga que aceita mal as críticas"; "Como foi parar à JSD?"; "Mas foi para a JSD por ser betinho ?"; "É um carreirista?"; "Imagina-se a fazer outra coisa sem ser política?"; "Voltou a conduzir?"; "Não admite que se urbanizou?"; "Há pessoas que o acusam de só ter imagem"; "Uma pessoa pode ser excelente político, mas se tiver uma péssima imagem não vai longe"; "Compra a sua roupa?"; "Gasta dinheiro em produtos para a pele?"; "Como se começa a interessar pelas questões do Ambiente?"; "Ainda se recorda do seu primeiro discurso? Estava muito nervoso?"; "Também fica nervoso quando tem de entrar em directo na televisão?"; "O que distingue, hoje o PS do PSD?"; "Qual é a sua posição sobre a liberalização das drogas?"; "Nunca fumou um charro na juventude?"; "Acha que os políticos ganham mal?"; "Diz que ficou marcado pelo divórcio dos seus pais. É divorciado. Acha que os seus filhos também sofreram?"; "No dia do seu casamento, chegou à portagem da auto-estrada e não tinha dinheiro nos bolsos..."; "Defende a adopção de crianças por casais homossexuais?"; "Se tudo correr como o previsto vamos ter dois candidatos a primeiro-ministro em 2006 que são divorciados'"; "Já alguma vez se olhou ao espelho e reconheceu nos seus olhos 'aquele brilhosinho' que dizia ver em Guterres e que, na sua opinião, distingue os grandes políticos?"; "Sabe cozinhar?"; "Vai à missa?"; "E ao futebol?"; "Lê banda desenhada?"; "Beleza, para si, é fundamental?"

As respostas, para serem lidas obviamente entre um banho de praia e umas boas fatias de melão, não poderiam, nem deveriam, esclarecer o Professor Marcelo sobre as suas angustiantes dúvidas quanto ao programa do futuro governo socialista. Até porque o mesmo, a confirmar-se, vem longe. Muito antes disso, o jovem líder tem que conquistar o coração e a cabeça do Partido Socialista. Tem que fazer germinar, no espaço e no tempo, as suas ideias gerais e convicções profundas, tendo em conta os horizontes concretos deste País (que não são nada risonhos). Não pode, do pé p'rá mão, andar por aí a esclarecer tudo e todos sobre o que vai fazer, como se todos nós já tivéssemos adquirido a ideia de que o actual Governo não existe. O Santanismo existe e a sua procissão ainda vai no adro. Vamos pois dar tempo ao tempo, para que, se possível antes das próximas eleições legislativas (mas depois da derrota esclarecedora da actual coligação — não legitimada pelo voto popular — nas próximas eleições autárquicas), o PPD/PSD exiba as suas dilacerantes mal-formações genéticas, o PP radicalize a sua acção catalizadora sobre a atarantada corte de Santana Lopes, e o Partido Socialista, por sua vez, consiga renovar-se enquanto partido político, na forma de uma organização partidária polarizada entre duas tendências politicamente claras: a social-democrata e a socialista. Estamos a assistir ao início de uma metamorfose dolorosa das duas principais forças partidárias portuguesas. Estou convicto de que a mesma, se correr bem, trará benefícios ao nosso sistema político. Mas para chegarmos a essa fase, vamos ter todos que dar uma ajudinha. Diabolizar Santana Lopes de aqui em diante não será a melhor estratégia. Talvez fosse isso que o Professor quis dizer ontem à noite. Faltaram-lhe tão só as palavras certas. -- AC-P

quinta-feira, julho 22, 2004

Socrates 1

Manuel Alegre protagoniza fim do soarismo. Partido Socialista clarifica tendências: social-democratas e socialistas.


O-A-M
#34
22 Julho 2004

Toque de finados no soarismo: depois de Manuel Alegre, grande poeta e símbolo fortíssimo da identidade PS, ter aceite protagonizar a tendência socialista que se oporá ao social-democrata José Sócrates no próximo congresso do Partido Socialista, João Soares passará irremediavelmente à história como ex-putativo herdeiro da dinastia soarista. A ideia de um Partido Socialista encavalitado entre a Social-Democracia e o Socialismo, sob a batuta de um líder bonapartista, chegou ao fim. Mais uma consequência imprevista da decisão presidencial sobre a actual crise política. De facto, como escrevi antes de Sampaio se decidir pela nomeação de Santana Lopes para o cargo de Primeiro-Ministro do recém empossado Governo, a metamorfose à vista do PSD (na direcção de um partido de Direita populista, liberal, católico e totalmente enfeudado aos interesses do que resta da exangue burguesia nacional) terá um efeito dominó sobre todo o espectro partidário.

Não sabemos o que nos reserva o futuro imediato destes ajustamentos tectónicos na estrutura partidária do País. No PS, parece todavia evidente que a sua inadiável clarificação interna, no sentido de uma divisão de forças entre as tendências social-democrata e socialista, fechará de vez o grande ciclo soarista que presidiu (às claras ou na sombra) aos destinos deste vector essencial do regime democrático português. Se nos próximos dois anos Santana Lopes fizer tantos disparates quantos são esperados (pela Oposição e por Paulo Portas), e por conseguinte se puder prever com alguma razoabilidade a vitória da Esquerda nas próximas Legislativas, seria bom para todos que fosse José Sócrates, e não Manuel Alegre, a vencê-las.

Dito isto, parece-me igualmente crucial, para o novo ciclo que hoje começa na vida do Partido Socialista, que a tendência liderada por Manuel Alegre e protagonizada, entre outros, por Maria de Belém Roseira, João Cravinho, Augusto Santos Silva e Jorge Lacão, andasse rapidamente na invenção de um discurso socialista inovador, capaz de forçar os social-democratas do PS a exercitarem um pragamatismo político à altura dos frágeis equilíbrios e carências da sociedade portuguesa. Para isso servem os poetas!
-- AC-P

quarta-feira, julho 21, 2004

Santana Lopes 2

O Governo da Gentinha


patriotica!O-A-M
#33
21 Julho 2004

Não sou eu que o digo. É o Marcelo Rebelo de Sousa, o Pacheco Pereira, e os que ainda irão berrar contra a transformação de Portugal e o seu Governo numa telenovela das nove, com réplicas intermináveis em formato Big Brother e à maneira latino-americana: muitas missas, muitas lágrimas, muita brilhantina, muitos beiços de silicona e muitas maminhas a rebentar de devoção. O PSD vai desaparecer, para ver nascer a variante alfacinha e demagoga do PPD de Sá Carneiro. O CDS vai desaparecer, para dar lugar ao Paulo Portas (também conhecido por Partido Popular na confraria europeia), mas agora na forma castigadora de vórtice galopante da nova Direita Portuguesa (o Jardim que se prepare para o chicote do Mar!). Se querem conselhos, aqui vão:

— jovens turcos do PP, ingressem rapidamente no PPD!
— jovens turcos do PSD, façam agulha para o PS, quanto antes!
— jovens turcos do PS, metam-se no Bloco, e depressa!
— jovens turcos do PCP, metam o indecoroso Carvalhas na rua (a desculpa pode ser uma bem democrática e necessária limitação de mandatos...)
— jovens turcos do Bloco, convençam lá o Louçã a reformar o Trotskysmo.
— jovens turcos em geral: inventem novos partidos!

As restantes siglas são irrelevantes para a metamorfose em curso.

Aos artistas um desafio: esta choldra merece uma BD! -- AC-P

terça-feira, julho 13, 2004

Santana Lopes 1

Do Povo, pelo Povo, para o Povo.


MenemO-A-M
#32
13 Julho 2004

Não resisto a citar o mais conhecido discurso de Abraham Lincoln, 16º Presidente dos Estados Unidos, proferido em 19 de Novembro de 1863, dois anos antes do seu assassinato, e do fim da Guerra Civil que protagonizou e venceu em nome da união norte-americana e do fim da escravatura.

The Gettysburg Address, by Abraham Lincoln.
Four score and seven years ago our fathers brought forth upon this continent, a new nation, conceived in Liberty, and dedicated to the proposition that all men are created equal.
Now we are engaged in a great civil war, testing whether that nation, or any nation so conceived and so dedicated, can long endure. We are met on a great battlefield of that war. We are met to dedicate a portion of it, as the final resting place of those who here gave their lives that that nation might live. It is altogether fitting and proper that we should do this.
But, in a larger sense, we can not dedicate, -- we can not consecrate, -- we can not hallow -- this ground. The brave men, living and dead, who struggled here, have consecrated it, far above our poor power to add or detract.
The world will little note, nor long remember what we say here, but it can never forget what they did here. It is for us the living, rather, to be dedicated here to the unfinished work which they who fought here have thus far so nobly carried on. It is rather for us to be here dedicated to the great task remaining before us, -- that from these honored dead we take increased devotion to that cause for which they here gave the last full measure of devotion; -- that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain; -- that the nation shall, under God, have a new birth of freedom; -- and that government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth.
— in Wikipedia


A comparação é naturalmente lisongeira para Pedro Santana Lopes. Na verdade, os ecos da sua figura hipocondríaca, recordam-nos muito mais depressa um morph patético ente Menem e Berlusconi, do que a austeridade exemplar de Lincoln. Mas ainda assim não convem minimizar o poder do mediatismo demagógico encarnado por esta aparição no cerne da actual crise política. A crise está para durar, tanto na economia como nos modelos institucionais do Estado e da Praxis política em geral. Os senhores Santana Lopes e Paulo Portas têm, pois, uma rica vindima à sua frente. Resta saber como e quando irá acabar. Para melhor prever e compreender as suas tácticas e comportamentos, o melhor será começarmos todos por estudar a história do populismo. Recomendo vivamente, a este propósito, a leitura da entrada Populism da Wikipedia.

Não tenhamos dúvidas sobre a natureza intrinsecamente demagógica do futuro Primeiro-Ministro de Portugal. Os sintomas estão aí: ainda antes de formar Governo, multiplicou-se em entrevistas "exclusivas" aos canais de televisão (com a excepção punitiva da TVI) sobre a futura descentralização do Governo (Economia para o Porto, Turismo para Faro e Agricultura para Santarém...). Depois, antes mesmo de convidar os seus futuros ministros, anunciou um aumento da Função Pública, e anunciou ainda que não dormiria enquanto houvesse um desempregado no nosso País! A procissão vai no adro, e já se vê que o homenzinho não precisa de Governo para nada. Ele é o Governo, e os Ministros serão tão só uma decorativa turma de eunucos ao serviço de sua Senhoria. Os que aceitarem convite, sabem ao que vão. Depois, não se queixem!

Seis meses disto chegarão provavelmente para o Senhor Presidente da República tocar a rebate e convocar finalmente eleições antecipadas. O PS que se apresse, com ou sem Vitorino. -- AC-P

IMG: Carlos Saùl Menem, Presidente da Argentina entre 1989 e 1999. Foto: Scanpix/AFP

domingo, julho 11, 2004

Jorge Sampaio 3

O Presidente fez o que Durão anunciara e todos previam: chamou o PSD a formar Governo.


Santana_JanosO-A-M
#31
10 Julho 2004

Não foi grande proeza prever o desenlace da actual crise política. Havia seguramente a possibilidade de Jorge Sampaio surpreender tudo e todos, convocando eleições antecipadas, como muitos legitimamente lhe pediram. Tal abriria, porém, um precedente muito desestabilizador para o futuro do actual regime político. Se assim tivesse ocorrido, nunca mais um Primeiro-Ministro poderia abandonar funções sem que tal deixasse de implicar novo ciclo eleitoral. No caso vertente, tal opção teria ainda muitos outros inconvenientes — como aliás assinalei no primeiro blog que escrevi sobre este tema.

A continuação de Ferro Rodrigues à frente do PS até às próximas eleições, fossem estas antecipadas ou não, seria um desastre monumental. Como já escrevi por mais de uma vez, eu, como muitos outros portugueses (e eleitores do PS), temos sérias dúvidas sobre a lisura moral do agora demitido Secretário-Geral do Partido Socialista. Havendo, como há, uma tendência no eleitorado para votar numa alternativa de Governo à actual maioria de Direita, seria imperdoável deixar apodrecer a actual crise interna do PS, em vez de lancetá-la com a necessária dose de coragem. Espera-se, como corolário da decisão de Ferro Rodrigues, que a canalha de Matosinhos seja definitivamente irradiada da área do Poder. Nenhum sinistro cálculo eleitoral pode alguma vez desculpar as circunstâncias que antecederam a aflição e morte, em plena campanha eleitoral, de António Sousa Franco.

O Presidente da República prometeu controlar a formação do novo Governo, impedindo que a dupla Santana-Portas desfigure a natureza da coligação e as reformas institucionais prometidas por Durão Barroso. Consegui-lo-à? É essa a sua missão? Parece-me que não. Que podemos pois esperar desta invocada espada de Dâmocles sobre as cabeças de Santana e Portas? Desde logo, uma enorme tensão na vida partidária — entre os partidos, mas sobretudo no interior dos partidos: no PS, no PSD e no PCP. Depois, o comportamento incerto e errático de Pedro Santana Lopes nas suas novas funções. A retoma económica não produzirá efeitos antes de 2005, mas será em seu nome que os ajustamentos da política anterior se farão. As medidas demagógicas que aí vem, se forem, como é esperável, no sentido de aliviar alguns dos constrangimentos impostos pelo Governo de Durão Barroso e Ferreira Leite, deixarão todavia Presidente e Oposição sem grandes argumentos para esgrimir. Quem se oporá a um aumento na Função Pública, ou a uma redução do IRS, ou do IVA? O cenário da fidelidade ao chamado Programa eleitoral do PSD parece assim pouco credível como referência efectiva da acção presidencial.

Embora o futuro seja imprevisível, continuo a pensar que assistiremos a uma bipolarização crescente da vida política Portuguesa, a qual poderá muito bem traduzir-se numa clarificação sociológica definitiva dos dois principais partidos portugueses (PS e PSD) e no consequente fim do que Remo Guidieri chama o "extremo-centrismo" do arco partidário do Poder. O PS poderá afirmar-se como um partido Social-Democrata genuíno, e o partido que resultar da fusão entre o PSD e o PP poderá emergir como a representante programática e civilizada da Direita Portuguesa.

Nada disto me impediu de clamar contra o modo de transmissão do poder entre Durão Barroso e Santana Lopes. Do ponto de vista formal, havia toda a legitimidade para convocar eleições. Outra coisa, bem diferente, é que convenha mais ao País a solução por fim adoptada por Jorge Sampaio. Para futuro, talvez fosse bom adoptar o costume de incluir um vice-Primeiro Ministro em cada Governo, ao qual incumbiria tacitamente a função de substituir o Primeiro Ministro em caso deste abandonar as suas funções ou de ficar temporária ou permanentemente impedido de as cumprir. -- AC-P

quarta-feira, junho 30, 2004

O novo Partido

Paulo Portas prepara Santana para novo quadro partidário.


manif, Belem, LisboaO-A-M
#30
30 Junho 2004

Estive na manif de ontem. Foi decepcionante. Havia mais gente a namorar nos relvados de Belém, ou a petiscar nas esplanadas do mesmo jardim, que no ajuntamento de professores, intelectuais, artistas e velhos políticos que protestava sabiamente contra o "Golpe de Estado" partidário em curso.

Creio que Manuela Ferreira Leite foi quem melhor caracterizou o modo como a dupla Santana Lopes_Paulo Portas decidiu, desde o primeiro minuto, lidar com a deserção honrosa de José Manuel (ex-very hard) Barroso. Para ambos chegou finalmente a hora de tomar de assalto o velho PSD e de criar um verdadeiro partido europeu de direita (o tal PPD a que Santana sempre se refere quando fala do PSD), cuja alternância com o PS passe a ter um significado político mais claro para todos.

Vai ser muito mau? Não sei. Vai ser, porventura, mais claro. E se assim for, já não será tão mau...

Há também a hipótese de os arrivistas Santana_e_Portas se espalharem. Neste caso, bem terão que mendigar um convite a Bruxelas, Caracas ou Bagdade.

Vistas as coisas por este prisma (algo maquiavélico a que não cheguei no blog anterior), ficamos com uma questão de forma e outra de fundo por dirimir. Na forma, parece-me que Sampaio deveria dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas (pois de contrário, estaria a legitimar um processo golpista visando alterar profundamente a natureza política e sociológica de um grande partido). No conteúdo, parece-me que Sampaio deveria chamar o sucessor de Durão Barroso designado pelo Conselho Nacional do PSD e convidá-lo a formar Governo, esperando que uma inevitável clarificação político-partidária ulterior contribuísse também para clarificar a situação dramática do PS.

Resumindo, se por um lado clamo convictamente por eleições antecipadas, por outro lado (mais secreto) desejo que Sampaio chame Santana_Portas a cumprir o seu destino. AC-P

terça-feira, junho 29, 2004

Manif 2

O-A-M
#29
Junho 2004

Para impedir o "Golpe de Estado" (via Conselho Nacional do PSD) de Santana Lopes
e Paulo Portas precisamos de agir com decisão e rapidez.

Aparece em Belém: terça -29 Jun-19h.
Exige: Eleições, Já!

Santana e Portas -- penetras da Política -- vão a votos e depois falem!

Manifesta a tua opinião por Email, SMS, News, Blogs, etc.
Usa o teu telemóvel 3G p/ difundir imagens realmente úteis ao teu futuro imediato...

Vox Populi

segunda-feira, junho 28, 2004

Manif 1

"Eleições, já!" SMS e Emails convocam movimento de opinião contra promoção ilegítima de Santana Lopes (nem sequer é deputado!) à cadeira de São Bento.


manif em Belem, Lisboa.O-A-M
#28
27 Junho 2004

Vamos por partes. É bom para Portugal, e vale porventura o sacrifício de aturarmos Santana Lopes em São Bento (e Paulo Portas mais perto de pastas decisivas da governação), ter Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia. A sua decisão não me parece, portanto, censurável, seja no plano pessoal, seja no plano político . Do ponto de vista da legalidade democrática, não existe sequer qualquer dúvida jurídico-constitucional: o Primeiro-Ministro, depois de ponderar sobre as vantagens e desvantagens de aceitar o convite para presidir à Comissão Europeia, num momento particularmente crítico da constituição da nova Europa, decide avançar para Bruxelas. Na sequência desta decisão, demite-se do cargo de Primeiro-Ministro de Portugal. O Presidente da República, analisando com isenção e equilíbrio a nova situação política, chama o partido mais votado nas últimas eleições legislativas e pede-lhe que proponha o nome do novo Primeiro-Ministro. Não havendo nenhum óbice jurídico, o Senhor Presidente pede ao novo Primeiro-Ministro indigitado que forme Governo e que o submeta à Assembleia da República. O Parlamento, mantendo-se a actual coligação, aprova o novo Executivo. Em 2006 o eleitorado julgará nas urnas a governação que até lá tivermos, ou não. Simples e democrático, não é?

A julgar pelo alarido que entretanto começou a crescer, a coisa parece mais complicada...

Marcelo Rebelo de Sousa foi sibilino no esmiuçar da actual situação. Segundo ele, para além da legitimidade formal existe também uma legitimidade política consuetudinária, significando que dificilmente poderemos separar a conjuntura política saída das últimas eleições legislativas, e em particular a actual coligação governamental, da personagem política chamada José Manuel Durão Barroso. Por outro lado, o Presidente da República terá que estimar qual das situações induzirá maior perturbação na vida política portuguesa nos próximos dois anos: se a convocação de eleições gerais antecipadas, ou se a indigitação de Santana Lopes (ou qualquer outro social-democrata não directamente sufragado para o cargo pela tal via sub-entendida...). Se a invocada consigna de Francisco Sá Carneiro -- primeiro que a Social-Democracia vem a Democracia, e primeiro que a Democracia vem o País -- for levada a sério, a solução resulta óbvia: o quadro político eleitoral e partidário de que resultou a actual coligação governamental está prestes a desaparecer. Por outro lado, Santana Lopes nunca ganhou uma eleição no PSD, foi sempre um rival de Durão Barroso e a sua pandilha intra-partidária nada tem que ver com as tropas de Durão Barroso. Por fim, o chumbo claro da actual aliança governamental (pós-eleitoral) nas recentes eleições europeias não autoriza a sua sobrevivência sem o actual Primeiro-Ministro. A convocação de eleições gerais antecipadas parece, pois, a única solução razoável.

Esta saída para a crise (porque é de uma crise que se trata) seria muito conveniente para todos menos para o PSD e CDS-PP. Ferro Rodrigues encontraria nesta reviravolta política uma excelente oportunidade para se perpetuar no poder, a menos que alguém corajoso, dentro do PS, exigisse a sua demissão imediata e a convocação de um congresso extraordinário, do qual emergisse uma nova direcção política, moralmente limpa e tecnicamente competente. O Bloco de Esquerda, perante as debilidades gritantes do PS e do PCP, beneficiaria com um mais do que provável aumento do seu peso eleitoral. O PCP aspiraria a recuperar alguns votos perdidos ultimamente (polarizando a seu favor algumas franjas aflitas com o esboroar do Estado Providência). E o partidozinho do Manel lá cobiçaria mais uns votos ao eleitorado tradicional do CDS-PP. Claro está que uma tal hipótese significaria a morte da actual coligação, a executar meticulosamente durante o Governo de gestão presidido por Manuela Ferreira Leite. Um tal Governo, que contaria com o apoio de todas as sensibilidades do PSD, à excepção da de Santana Lopes, seria por todos visto como um acto de sobrevivência do próprio PSD, cuja integridade está neste momento seriamente ameaçada. O anunciado casamento entre dois penetras do actual regime democrático, chamados Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, pode ser o início da formação de um autêntico partido de direita em Portugal, e a morte do velho PPD de Sá Carneiro.

Que fará Jorge Sampaio? A intuição diz-me que vai indigitar Santana Lopes, e que assim sendo, teremos balbúrdia pela certa neste jardim à beira-mar plantado. Esta hipótese, no entanto, pode conduzir a um inesperado golpe de misericórdia nas aspirações de Santana Lopes (como se o abraço de Durão Barroso fosse portador de um veneno fatal). Mas pode ainda dar-se o caso de a dupla de penetras vencer o desafio. Neste caso, assistiremos ao nascimento duma nova força partidária e ao desaparecimento do PSD!. — AC-P

IMG: Manif convocada por SMS e Email.

quarta-feira, junho 16, 2004

Voto europeu 2

A grande vitória PS foi na realidade um voto contra a coligação governamental e um voto para Sousa Franco. Portanto, a camarilha que manda no PS que baixe a bolinha.


Sousa FrancoO-A-M
#27
16 Junho 2004

Narciso Miranda e quem permitiu a ida do candidato à lota de Matosinhos, sabendo do que se preparava, deve ser responsabilizado de forma exemplar perante a opinião pública. O PS deverá tirar deste escândalo as necessárias ilacções.

Eu votei em Sousa Franco. Não neste PS miserável e incapaz. Creio que, como eu, muitas centenas de milhar de cidadãos votaram, em primeiro lugar, contra a política da actual coligação governamental, e em segundo lugar, em memória de um político invulgar chamado Sousa Franco. Funcionários públicos, pequenos proprietários e comerciantes, profissionais liberais, pensionistas e reformados, que ora votam no PS oram votam no PSD, decidiram dizer basta ao Sr. Durão Barroso e ao seu acólito populista. Percebem, todos eles, o que significa a palavra crise, mas não aceitam a duplicidade de critérios, a demagogia, a mentira e a incompetência instaladas no actual Governo.

Durão Barroso deixou de governar, porque não pode correr com os ministros do PP sempre que lhe aprouver ou for manifestamente necessário. E não podendo dispôr dos assessores de Paulo Portas, não pode também substituir os ministros laranjas, em nome, por exemplo, da eficiência do Executivo. Uma remodelação que apenas tocasse nos seus correlegionários soaria pessimamente. E uma remodelação que apenas pudesse ter lugar como resultado duma negociação prévia entre Durão e Portas soaria ainda pior.

Dito isto, percebe-se porque o eleitorado que manda na rotatividade democrática (isto é, aquela franja activa da cidadania que pensa e vota pela sua própria cabeça) tenha decidido dar o tiro de partida para o fim do actual casamento de interesses que rege os destinos imediatos do País. Nem o PS, nem o PCP, tiveram a mais pequena influência neste desenlace. Admito, todavia, que o Bloco de Esquerda tenha podido beneficiar de alguns dos votos inteligentes que decidiram a coça dada em Durão Barroso, Santana Lopes e Paulo Portas.

A oscilação do pêndulo eleitoral foi, porém, mais esquerdista do que as estatísticas previram. Sousa Franco parece ser a única explicação para o facto. Escrevi no blog anterior que votaria naquele alien, e não no PS que por aí vegeta, sem norte nem dignidade. Depois da morte de Sousa Franco, hesitei entre votar em branco e votar, apesar das circunstâncias, no PS. Decidi, após ponderação e conversa familiar, manter a intenção de voto inicial. Fi-lo para honrar o exemplo de Sousa Franco e o caminho por ele apontado. Nunca para dar qualquer sinal de apoio à camarilha que se mantém indignamente no poleiro do PS. Acreditei que uma vitória franca da Esquerda e do PS seria entendida como um aviso sério à actual maioria e uma exigência de mudança radical no Largo do Rato.

A direcção do PS não tem condições para prosseguir a sua acção enquanto o julgamento do escândalo de pedofilia não transitar em julgado, e sobretudo enquanto não estivermos convencidos de que a sombra de pecado e vilania que pesam sobre várias eminências socialistas foi tão só e lamentavelmente um monumental encadeado de erros policiais e judiciais. Ora nem eu nem milhares de outros cidadãos (entre os quais se encontram muitíssimos votantes inteligentes) estão minimamente convencidos da inocência da figura pública e do político Paulo Pedroso. É preciso mesmo acrescentar que, com razão ou sem ela, muitos cidadãos nacionais continuam a suspeitar do comportamento da figura pública e do político Ferro Rodrigues, Secretário-Geral do Partido Socialista, em todo este assunto. E a questão é muito simples: pode, ou deve, um partido político carregar semelhante karma sobre os princípios de honorabilidade que regem a sua própria natureza cívica e democrática? Pode um partido constitucional manter no topo da sua liderança alguém que afirmou estar-se "cagando para o segredo de Justiça"? O facto de a afirmação resultar da divulgação ilegal de uma escuta telefónica não diminui em nada a gravidade da afirmação (sobretudo porque a dita fez, tudo leva a crer, parte de uma tentativa de travar uma acção judicial em curso).

O regresso de Paulo Pedroso ao Parlamento, cuja eventualidade há muito deveria ter sido desautorizada pelo PS — pelo menos enquanto durar o processo jurídico em que o homem se viu envolvido —, confirma nova conduta desastrosa por parte do actual directório PS e a urgente necessidade de o substituir.

A atitude de José Lamego, sobretudo porque teve a coragem de divergir dos seus camaradas na questão do Iraque, anuncia uma luz ao fundo do túnel. Os outros candidatos que façam como ele: apareçam e digam ao que vêm! O Partido Socialista precisa de uma Direcção decente. Seria lamentável termos que assistir à verborreia previsível dos Senhores Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues sobre os respectivos méritos na "maior vitória socialista" das últimas décadas! Eles não ganharam nada e deitaram a perder um ingrediente essencial da Democracia: a nossa confiança na auto-regulação do sistema.

Sousa Franco morreu de um ataque cardíaco. Assim reza a sua autópsia. No entanto, a causa próxima da tragédia, com o passar dos dias, vai assomando de forma cada vez mais nítida como uma inesperada e intolerável pressão física e psicológica sobre a sua pessoa por parte de um aparelho partidário ávido de poder. Que os energúmenos responsáveis por tamanha violência paguem, onde tiverem que pagar, pela sua cegueira e ganância. -- AC-P

IMG: Sousa Franco instantes antes de o seu coração sucumbir.

quinta-feira, junho 03, 2004

Voto europeu 1

Sousa Franco? Gosto deste alien!


O Rapto de EuropaO-A-M
#26
3 Junho 2004

A profunda decepção provocada pelo caso de pedofilia, cujo andamento continua a ensombrar o Partido Socialista, tem-me levado a pensar na possibilidade de votar em branco nas eleições do dia 13 de Junho. As alternativas ultra-minoritárias — a incorrigível estalinista e a bloquista —, são inconsistentes e demagógicas, nada oferecendo de, política ou intelectualmente, relevante. No meu caso, nunca esteve em causa a possibilidade de votar na "Força Portugal". E o PS, com a direcção actual, assusta qualquer pessoa decente.

Cheguei, confesso (como ex-trotskysta), a colocar a hipótese de votar no Bloco de Esquerda, sobretudo pelas boas prestações parlamentares de Francisco Louçã. Mas depois de ouvir o vazio de generalidades e a assustadora incompetência basista de Miguel Portas no primeiro (e felizmente único!) debate a 4 sobre as Europeias, desisti imediatamente. O trotskysmo da IV Internacional, ou o que dele sobrevive, não foi ainda capaz de escrever um novo programa de acção política ajustado ao Capitalismo global. Para isso, ser-lhe-ia necessário repensar seriamente a teoria das organizações e classes sociais, bem como toda a teoria sobre a natureza do poder. O que até hoje foi incapaz de fazer. Ora sem teorias verosímeis (por exemplo, Anthony Giddens desenvovleu uma revisão teórica verosímil dos pressupostos marxistas...), não pode haver método credível na acção e na propaganda política...

Resumindo: não quero votar no PS actual. Não voto, obviamente, na coligação de direita (apesar da simpatia que João de Deus Pinheiro consegue irradiar). Nunca votaria em estalinistas. E o pequeno Bloco de Esquerda também não me convence. Que fazer?!

Depois de escutar a resposta dada por Sousa Franco à catilinária boçal dum deputadozinho PP, decidi-me: vou votar no candidato do Partido Socialista! Sim, não vou votar no PS. Vou votar no Sousa Franco: uma personalidade política que em nenhum caso deixará de defender astutamente os nossos interesses nacionais no Parlamento Europeu. O modo sagaz como aproveitou a imbecilidade do adversário no episódio sobre as desvantagens da calvície, revelou uma força anímica e frieza táctica notáveis. A sua resposta ao sem-abrigo Paulo Portas ficará certamente no pequeno historial da decadência e fim da actual coligação governamental.

Que com isto acabe por ajudar a potenciar uma vitória do Partido Socialista mais folgada do que o respectivo aparelho, e sobretudo a sua Direcção, merecem, é um preço que, apesar de tudo, estou disposto a pagar neste momento. -- AC-P

IMG: "O Rapto de Europa", fresco em Pompeia. Foto: Bildarchiv Preußischer Kulturbesitz

quarta-feira, abril 21, 2004

Ciberdependente

Quantas horas podemos estar sem conectividade?


O-A-M
#25
20 Abril 2004

Estive 36 horas (entre 19 e 20 de Abril) sem acesso à máquina, i.e. sem acesso à rede.
A primeira coisa que procurei perceber depois de desfazer a mala foi se o quarto, enfim o hotel tinha acesso Internet assegurado. Telefonei para a recepção. Uma voz feminina jovial diz-me que se conectasse o laptop à linha do telefone, e depois marcasse para um ISP, teria Internet... O Extremadura Hotel, de Cáceres, apesar de novo, parecia velho em matéria de conectividade.

Busquei nas listas telefónicas disponíveis no quarto. Nada, nem sequer uma entrada autónoma para Internet. As poucas entradas para ciber cafés deixavam-me desesperado. Será que ainda existem uns números de acesso gratuito em Espanha, como sucedeu na minha última estadia em Sevilha, no Hotel Meliá. Meia hora a folhear as listinhas, e nada!

Desisti por momentos, e continuei a arrumar as coisas. Liguei a televisão. O Zapatero parece que vai cumprir o prometido. As imagens espectaculares de um carro de Rally a atropelar mãe e filhote repetem-se insanamente. Os concursos e os "reality shows" alastram como uma praga monótona sobre o espectro radioeléctrico. Vou tomar um duche. Os filmes pornos disponíveis são, como de costume, péssimos. A publicidade televisiva espanhola continua divertida. Preciso desesperadamente de me ligar à máquina...

Jantei meio lombinho de porco com molho de queijo de ovelha e batatas fritas. Come-se bem em Cáceres! O Protos, um Ribera del Duero que raramente nos deixa ficar mal, ajustou-se à degustação. "Vuelvo a la habitación". O lixo televisivo continua. Salva-me do naufrágio um documentário corajoso sobre a prostituição fina e a escravatura de mulheres em Espanha. Fiquei a saber que por 3000 euros posso comprar, comprar literalmente (e também libertar da escravatura sexual) uma "jovencita" mexicana ou romena. Fiquei a saber que para foder uma "pessoa famosa", tipo locutora de televisão, cantora, modelo, etc., preciso de 600 a 30 mil euros, dependendo, claro está, da exclusividade deste tipo de estrelas, nem sempre disponíveis - "por supuesto"!

Acordei cedo. O pequeno almoço continental compõe-se de dois copos de água fria de Mondariz, um chá preto e uma torrada com azeite e tomate. Quando me preparo para regressar ao quarto, passo pelo balcão e reparo num autocolante que diz: "Wi-Fi en este hotel". Pergunto como funciona. Não sabe. Nem tem nenhum folheto sobre o assunto. Subo a correr para o quarto 102. Mudo as configurações do TCP do meu iBook para Airport. Aguardo... Nada!

Telefono para a recepção. Não, não funciona. E não sabe como? Não, não sabe... Mas poderá informar-se? Concerteza. O tempo passa e tenho que ir até à cidade velha. Também por lá, desta vez em trabalho, tenho um breve contratempo com a ligação de uns Macs a uma rede institucional. Duas horas depois, problema resolvido. Menos mal.

De volta ao hotel, a boa notícia: o Sr. director do Hotel vai facultar-me "una tarjeta" de acesso à rede Wi-Fi! Terei, no entanto, que mudar de andar, pois a rede apenas abrange o piso de entrada e os últimos dois andares do hotel. Nenhum problema, é p'ra já!

A coisa tem a sua cerimónia. Aguardo o Sr director no hall. Desembrulho um rebuçado, enquanto alguns alemães fazem perguntas e um espanhol marca um serviço especial para uma Primeira Comunhão. Chega sorridente, como se viesse dar-me as chaves dum Ferrari. Eu creio que ele me vai mesmo dar-me as chaves do meu Ferrari! Momento irritante: o tempo que o Snow White (assim se chama o meu iBook) demora a pôr a trabalhar o sistema operativo e toda a tralha de extensões do sistema. "Tarda mucho ese macintosh", comenta o interlocutor de circunstância, que obviamente pertence ao proletariado microsoft. Sorrio sem esboçar a mínima irritação. O importante é atingir o objectivo. Mais uns irritantes segundos, e já está! Como se o presente fosse pequeno, fico ainda a saber que a Telefónica me regala o acesso durante a minha estadia, pois está dando início, e por conseguinte promovendo, esta novidade. Depois a coisa irá custar uns 12 euros por dia. É caro, mas nenhum ciberdependente, como eu, vai hesitar um segundo. Os economistas chamam-lhe rigidez da procura. E eu chamo-lhes (aos donos do negócio, claro está) filhos da...

Dirigo-me para o quarto. Arrumo tudo e espero que alguém me ajude a mudar de poiso. Um rapaz dos seus 19 anos surge poucos minutos depois. Ao entrarmos no elevador pergunta-me: "por lo de la web, verdad?". Sim... "Yo se, me pasa lo mismo. No puedo estar sin conexión..."

36 horas sem máquina, 20 e poucas mensagens úteis, 300 e tantas mais de spam. Limpei a caixa de correio. Respondi de imediato às mensagens urgentes. Pensei na mini crise de abstinência por que passara. Deverei marcar uma consulta sobre ciberdependência? -- ACP

domingo, abril 18, 2004

Guerra global

Iraque: conflitos assimétricos e guerra preventiva.


Iraque: vitima de guerraO-A-M
blog #24
18 Abril 2004

A guerra do Iraque continua. Continuou depois da queda de Bagdade, continuou depois da captura de Saddam Hussein, continuará depois de 30 de Junho de 2004. Não estamos, porém, confrontados com uma guerra qualquer. Esta é uma guerra de estilo novo: global, assimétrica, suja e hipermediática (de hipermédia...). Muito mal gerida pelos falcões de Washington. Ameaçando a estabilidade em toda a bacia mediterrânica. Impondo, em suma, o maior desafio estratégico que a Europa terá que enfrentar nos próximos 10 ou 20 anos.

A táctica dos assassínios selectivos, elevada por Israel à categoria de espectáculo mediático, contrapontual do efeito devastador das bombas humanas, não será a melhor ideia para o futuro desta complicação civilizacional, mas pode ter efeitos dissuasores de curto prazo e transformar-se num clássico do novo modelo de guerra assimétrica em curso (a chamada guerra anti-terrorista). As acções militares selectivas (por muito crua que seja esta afirmação) são menos letais do que as guerras civis, menos devastadoras do que as guerras militares convencionais e encontram-se a anos luz de um ataque químico ou nuclear. Estamos a falar de coisas terríveis, e no entanto, diante da evidência incontornável dos factos, não poderemos deixar de os analisar, nem deveremos, infelizmente, deixar de conjecturar as soluções que, em nosso entender, pareçam as mais humanas e objectivamente adequadas para estancar a hemorragia em curso e todo o espectáculo macabro que a rodeia. Pode ou não impor-se uma forma de governo representativo no Iraque? Isto é, pode-se ou não forçar a maioria Chiita a moderar a sua concepção doutrinária de Estado Islâmico? Eu creio que sim. Desde que todos tenhamos uma visão ponderada dos ciclos históricos. Se o socialista Zapatero ainda teve que jurar por um Rei e por uma Bíblia, para ser Chefe de um Governo europeu eleito por sufrágio directo e universal, por que não podemos ter todos um pouco mais de paciência para com o Iraque e o Mundo Árabe em geral? A eleição de Kerry poderia seguramente acelerar esta perspectiva. O novo Primeiro Ministro espanhol, ao decidir antecipar a retirada dos militares do seu País do Iraque, afirma no fundo o desejo de uma reaproximação da Espanha ao eixo Paris-Berlim, não deixando, por outro lado, de dar uma bofetada oportuna no Sr Bush e na estratégia da nova direita messiânica norte-americana. A ver vamos.

PS: o remoque de Durão Barroso ao seu homólogo Espanhol repõe os dois países onde estavam antes do Conselho de Guerra dos Açores: Portugal não deve perturbar a sua aliança estratégica (a qual impõe sacrifícios...) com o Reino Unido e a super-potência norte-americana; e Espanha deve retomar as suas prioridades mediterrânicas.

Antes de iniciar este blog escrevi alguns textos sobre o Iraque, que enviei por email e publiquei na revista O António Maria. Apesar dos raciocínios e sentimentos contraditórios neles manifestos, resolvi trazê-los de volta e arrumá-los por ordem cronológica. Quanto mais não seja, servir-me-ão de lastro a meditações futuras sobre a infindável imprestabilidade humana. -- ACP


Lisboa, 04.03.2003

Vai correr tudo mal



Iraque: bomba de fragmentacao made in USAO somatório de testemunhos chegados ao meu portátil ao longo dos dois últimos meses não deixa margem para dúvidas sobre a natureza agressiva da actual Administração estado-unidense na sua mais recente tentativa de condução unilateral da política mundial. Sob o pretexto de uma mudança da natureza dos conflitos estratégicos, que os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 teriam confirmado, os estrategos mais duros da mão militar norte-americana decidiram ter chegado o momento de responder à guerra global e irregular das redes terroristas e dos Estados párias em geral com uma guerra não menos global e tão irregular quanto as circunstâncias o exigirem. Na sua perspectiva, o 11-9 provou que as chamadas guerras em rede, desterritorializadas, tendo como principal objectivo desorganizar o chamado mundo civilizado, democrático e rico, atingiram a idade adulta, e como tal, deverão esperar dessa mesma civilização, que pretendem destruir, uma resposta não apenas proporcional, mas também à altura da ameaça anunciada. Este maniqueísmo político comete um sério erro estratégico ao não tentar perceber por que raio será que o mundo está a ficar fora de controlo e tão anti-americano.

A crise económica deixou de ser um problema nacional, regional ou internacional, para passar a ser uma endemia sistemática e global, a que nenhum dos remédios conhecidos tem trazido significativas melhorias. A guerra é outra das doenças generalizadas, aparentemente sem cura. E a corrupção, por sua vez, agrava ainda mais estes dois flagelos humanitários. A fome e a violência assassina que aí vêm serão inevitavelmente portadoras das mais diversas máscaras e ideologias, mas a causa comum que fará delas a frente imparável da entropia e da distopia em curso é uma só: a derrapagem antropológica da espécie.

Quando se diz que a guerra do Iraque é uma guerra pelo controlo inequívoco das fontes energéticas a favor do grupo de países industrializados, democráticos e ricos do planeta (E.U.A., Canadá, Europa, Japão, Austrália e Rússia, mais uma banda flutuante de países aliados ou historicamente associados), e que portanto não há motivos para divergências fundamentais no seu seio, está-se de facto a sublinhar o óbvio. A divergência actual entre a Europa e os Estados Unidos, por muito importante que seja ? e a possibilidade da moeda europeia vir a substituir o dólar norte-americano em muitas das transacções internacionais, como as que dizem respeito ao petróleo, é uma divergência importante (que aflige os bonecreiros que agitam o neurónio sobrevivente do Sr. Bush) ?, não mostra a verdadeira linha divisória da crise actual.

A crise tem uma causa única, e essa decorre da nossa própria derrapagem enquanto espécie. Se os estudos pioneiros sobre a sustentabilidade da Humanidade, realizados por Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers ("The Limits to Growth", 1972, e "Beyond the Limits", 1992) fazem algum sentido, e eu creio que fazem, estamos a menos de 20 anos de uma catástrofe antropológica sem precedentes, aliás irremediável, se as coisas continuarem fora de controlo, como de momento estão. O actual modelo de crescimento económico e o actual modelo de felicidade não só se esgotaram, como podem ter exaurido a nossa própria viabilidade enquanto espécie. E assim como um número apreciável de formas de vida desaparecem para sempre em cada dia que passa, nada impede que o nosso fim esteja mais próximo do que somos capazes de admitir. Num dos cenários previstos em "Beyond the Limits", por volta de 2020 assistir-se-à a uma queda brutal e simultânea da população, da produção industrial, das reservas alimentares, da esperança de vida, do consumo 'per capita', da quantidade de alimentos disponíveis e dos serviços (saúde, educação, regime de pensões, justiça, comunicações, serviços municipalizados de água e energia, etc.) Pode alguém imaginar o significado subjectivo deste cenário computacional?!

A resposta dos falcões americanos à crise actual traduz uma visão totalitária do futuro. Para eles, bem informados sobre a escassez dos recursos e sobre os devastadores efeitos retroactivos do modelo de crescimento capitalista, há que potenciar ainda mais as assimetrias socio-económicos actuais e assegurar sem hesitação a distribuição desigual dos recursos. Se for necessário, e será seguramente necessário (!), a fome e a guerra devidamente telecomandadas levarão a cabo a espinhosa missão de corrigir os excessos demográficos. A guerra, incluindo sofisticados sistemas de guerra nuclear limitada, de guerra logística, de guerrilha planetária e de guerra electrónica, poderão ser uma realidade inescapável nas próximas décadas. A sua função será sobretudo uma função separativa e concentracionária, deixando depois à economia da escassez a missão aniquiladora. De facto, o controlo violento das reservas energéticas e o controlo violento dos movimentos demográficos são os elementos básicos da estratégia posta em marcha pelos actuais sectores radicais do Capitalismo. Bush é apenas a figurinha caricata desta larga e macabra manobra de sobrevivência, a todo o custo, de um modelo civilizacional exangue (mas nem por isso menos disposto a fazer correr rios de sangue e sofrimento). Tony Blair representa o elo de ligação (só aparentemente em risco) entre o polícia americano e a velha Europa. Os senhores Barroso, Portas e Aznar, que deveriam estar proporcionalmente calados à sua óbvia falta de dimensão estratégica e operacional, revelam também, no seu atlantismo frenético, a mesma verdade básica desta crise: nada de definitivo irá separar o continente americano da Europa na grande tempestade que se avizinha.

Esta rigidez estratégica, somada a uma escandalosa crise económica, torna os norte-americanos cada vez mais impróprios para liderar a imprescindível reorganização do mundo. Por outro lado, este mesmo unilateralismo cultural estimula, por contraposição, a expansão de uma conectividade anti-imperialista sem precedentes. No pior dos cenários (já anunciado pela Coreia do Norte), vários serão os Estados e redes clandestinas ao serviço das mais variadas causas desesperadas, dispostos a jogar a roleta russa da guerra biológica, química e nuclear, contra os Estados Unidos e os seus agentes político-comerciais instalados em países maioritariamente muçulmanos. A segunda guerra do Iraque colocará os EUA num isolamento profundo, empurrando a Europa para um protagonismo de tipo novo. A Europa que se prepare, pois, para as pesadas responsabilidades que aí vêm. Receber uma mais do que previsível vaga de imigração norte-americana (imigração humana e imigração de capitais) será uma delas. Mas desenhar a travagem de emergência que assegure a sobrevivência e sustentabilidade da espécie humana, em colaboração com o resto do mundo, é desde já o seu maior desafio. Um desafio, porém, que não poderá ser confiado apenas aos modelos tradicionais da política: inquinados pela corrupção e pela inércia dos privilégios burocráticos.

Apesar de a Europa surgir nesta fase da confusão, como um bloco geo-estratégico flexível e com credibilidade negocial, apenas a realidade aumentada de uma República Electrónica baseada na conectividade humanista pós-política poderá gerar as energias suficientes para corrigir a trajectória suicida deste vai-e-vem chamado Terra.


Poucos mortos!



Ministerio iraquinao de PlaneamentoPost Scriptum. Lisboa, 17.03.2003, 14:22.
O 'ultimatum' dos Açores acentua alguns elementos decisivos para a compreensão da crise actual:
1) seria um desastre para o futuro do mundo vermos os USA perderem completamente a face nesta partida de póker;
-- o Reino Unido, o seu velho aliado (Portugal) e o seu velho inimigo (a Espanha), na sua divergência táctica com o eixo franco-alemão, acabam por tornar-se na principal força mediadora do tenebroso jogo de estratégia iniciado por esta crise de hegemonia;
-- Portugal (através do seu Primeiro-Ministro), apesar da situação delicada em que se colocou e apesar das questões ideológicas entretanto chamadas à colação (como a radicalização militarista dos Estados Unidos), agiu correctamente sob pelo menos quatro pontos de vista: 1) respeitou as suas alianças estratégicas, com o Reino Unido, com a NATO e com os Estados Unidos; 2) coadjuvou e continuará a coadjuvar o Reino Unido no esforço de impedir o isolamento total dos Estados Unidos nesta crise; 3) toma posição como país independente, ao lado do sempre ambicioso vizinho castelhano, clarificando uma vez mais que, se houver iberismo, ele terá que ser multipolar; 4) e demonstrou ser capaz de, como pequeno país europeu, ter uma presença mais do que simbólica na decisiva partida de xadrez que se vai seguir.

O que está em causa neste funeral do 'status quo' saído das conferências de Ialta e Potsdam é a possibilidade de definir uma nova ordem mundial assente num efectivo eixo atlântico, ou, em alternativa, o caos que inevitavelmente adviria, quer dum isolamento excessivo dos EUA, quer da travagem do processo de construção europeia. A Europa continua a precisar do potencial tecnológico e militar dos EUA, mas estes vão precisar cada vez mais da parceria económica e diplomática europeia.

Se no plano ideológico, faz todo o sentido a actual movimentação pacifista, que como tal deve ser estimulada e defendida, se no plano político é preciso travar o desvario (muito pouco constitucional) do actual poder norte-americano, não deixa de ser igualmente certo que a crise iraquiana necessita de um desfecho justo, militarmente controlado, do qual resultem sinais muito claros para as ditaduras que se preparam para desestabilizar o planeta, e ainda, e de uma vez por todas, a solução do conflito entre Israel e a Palestina. Depois de desarmar o Iraque do seu potencial de armas de destruição massiva (nuclear, química e biológica), haverá que fazer o mesmo em Israel - custe o que custar! E já agora, daqui para a frente, que os franceses (fornecedores ilegais de tecnologia nuclear ao Iraque), os alemães (fornecedores ilegais de tecnologia química ao Iraque) e os norte-americanos (fornecedores de toda a espécie de merda bélica ao mesmo Iraque) aprendam a lição e não voltem a brincar com o fogo. Ao activismo planetário contra o terrorismo e a guerra, e pela sustentabilidade, compete manter a maior pressão possível sobre a carne irremediavelmente fraca dos políticos!

Desafio os intelectuais e os artistas independentes a acompanharem activamente a presente crise! -- ACP


05 Mar 2003

O Lobo e o Cordeiro



Danos colateraisEsopo (circa 620aC-560aC):
Enquanto bebia água no cimo de um ribeiro, o lobo reparou num cordeiro alguns passos abaixo. Decidido a atacá-lo, começou a magicar numa desculpa plausível para fazer dele sua presa.

"Seu patife!" gritou, correndo até ao cordeiro. "Como te atreves a turvar a água que eu estou a beber!"
"Peço desculpa," respondeu o cordeiro humildemente, "mas não vejo como posso ter feito alguma coisa à água que corre de si para mim, e não de mim para si."
"Seja", respondeu o lobo, "mas sabes muito bem que ainda há um ano andaste a chamar-me nomes feios pelas costas."
"Mas, Senhor," disse o cordeiro, "Eu nem sequer havia nascido há um ano."
"Bem," assertou o lobo, "se não foste tu, foi a tua mãe, e isso para mim é a mesma coisa. De qualquer maneira, não adianta tentares desviar-me do meu jantar."

E sem uma palavra mais, caíu sobre o desgraçado e indefeso cordeiro, despedaçando-o.

Mutatis mutandis...

A actual campanha de Bush contra Saddam Hussein recorda inevitavelmente esta moraleja, ainda que no caso vertente, a ovelha seja obviamente ranhosa. A fábula, para ser justa, necessitaria agora de alguns ajustes:

"Era uma vez dois filhos da puta. Um tinha muito petróleo, mas queria mais. O outro tinha muito petróleo, mas queria ser o Senhor das Arábias e o Grande Senhor dos Petróleos. O primeiro filho da puta e muitos outros filhos da puta antes dele ajudaram o infiel dos bigodes a armar-se até aos dentes. Depois, deram-se todos conta que o problema do petróleo iria ser uma coisa mesmo séria por volta do ano 2020 dC. Seguiu-se a confusão planetária, na qual o dito Hussein passou a ser a grande desculpa para uma iguaria irresistível, cuja caça faria milhares de vítimas inocentes, no Iraque, e depois por todo o mundo.
Moral da história: um tirano encontrará sempre um pretexto para a sua tirania. Mas se queremos evitar a tirania temos que, a tempo e horas, ver-nos livres dos tiranos, ainda que vistam pele de cordeiro.

NT - Consta que o grego autor desta instrutiva fábula não resistiu à fúria do Governador de Atenas, Peisistratus, conhecido inimigo da liberdade de expressão. Esopo foi condenado à morte por sacrilégio e atirado por um penhasco abaixo. As fábulas, essas, sobreviveram. -- ACP


Abril 2003

Colmeias Furiosas



11-S. Foto:GulnaraSamoilovaGlória ou ocaso de um império?

As pessoas atentas fazem perguntas como esta: se Nova Iorque ou Washington estivessem sujeitas ao terror de um bombardeamento aéreo ininterrupto semelhante ao que há mais de vinte dias cai sobre a cidade de Bagdade, qual seria a resposta do Governo norte-americano? Retaliaria ou não com armas de destruição massiva? Os EUA tiveram a ousadia e o despudor de serem o único país da Terra a usar semelhante armamento (contra o Japão, em 1945). Voltará ou não a fazê-lo?

Noam Chomsky, numa recente entrevista sobre o desvario do poder americano, refere-se ao caso iraquiano como a presa indefesa que a pandilha de Bush elegeu para cobaia da sua mais recente doutrina imperial: a doutrina da "guerra preventiva". Esta doutrina, com laivos messiânicos, surgiu da ideia de que os Estados Unidos, para defender a sua actual posição hegemónica, hipoteticamente ameaçada por uma conspiração terrorista internacional, terá que impor uma "soberania limitada" a todas as restantes nações do mundo. E para tal, segundo a mesma doutrina (defendida por gentuça da laia de Richard Perle), arrogar-se-à a prerrogativa de pairar acima da ONU, da Convenção de Genebra e do Tribunal Penal Internacional, sempre que lhe convier, bem como de desencadear acções punitivas comerciais, diplomáticas e militares (incluindo o uso de armas nucleares tácticas) quando considerar que os interesses norte-americanos foram, estão ou poderão vir a ser postos em causa. Talvez isto não passe dum pesadelo passageiro. Mas a verdade é que existe a possibilidade desta perigosa deriva estratégica da maior potência militar do planeta nos conduzir a um aterrador beco sem saída!

Que está de facto em causa nesta agressão inqualificável contra um povo indefeso perante a tecnologia apocalíptica que sobre si se abateu? O terrorismo, o petróleo, a crise interna americana, a probabilidade de o Euro vir a substituir (ou coexistir com) o Dólar como divisa de referência internacional; o surgimento duma nova Europa, economicamente poderosa e militarmente espevitada, a probabilidade de uma aliança estratégica entre a Europa, a Rússia e o mundo árabe (face à iminente trilateralização geo-estratégica do planeta); ou o imparável isolamento cultural dos Estados Unidos da América? Quando os chacais rondarem a carcaça do regime iraquiano, perceberemos até onde a Europa foi ou não, é ou não, a verdadeira espinha finamente cravada nas amígdalas de Bush, Condolezza Rice, Donald Rumsfeld, Dick Cheeney e de muitas empresas americanas.

Entretanto, nem tudo parece perdido nesta crise.

Desde logo, porque tem sido precisamente nos Estados Unidos que a mais séria oposição civilizacional ao desvario paranóico dos falcões da indústria militar e do fundamentalismo protestante se tem manifestado com enorme determinação e coragem. As leis proto-fascistas de limitação das liberdades cívicas aprovadas pela duvidosa maioria do Congresso norte-americano ("His Fraudulency", Bush II, teve menos 300 mil votos que Al Gore...), permitem sequestrar cidadãos, dentro e fora da América, para interrogatórios em regime de prisão preventiva, à margem de quaisquer controlos democráticos. Os Prémios Nobel da Paz, Jody Williams e Maidread Corrigan (conhecidas pela sua campanha para por fim ao fabrico de minas anti-pessoais), foram presas em Washington durante uma manifestação contra a agressão ao Iraque. Mas quando a maioria de que falam as sondagens acordar para as tremendas consequências desta guerra injusta, em cuja frente de batalha vimos todos meninos e meninas de 17 anos a combater pela bandeira americana, o actual protesto das largas franjas intelectualizadas da América explodirá como um verdadeiro enxame furioso em direcção à seita que tomou conta do Partido Republicano e de uma parte importante dos meios de comunicação de massas. Mais do que uma esperança e do que um desejo, esta parece-me em definitivo a evolução provável da situação política no complicado pós-guerra que se seguirá à tomada de Bagdade. Creio na democracia americana e sobretudo creio na formidável energia criadora da colmeia laica, trabalhadora, tenaz, tolerante e generosa amadurecida ao longo dos seus 200 anos de História. As críticas mais mordazes e lúcidas ao comportamento diabólico das corrompidas elites americanas têm-me chegado sobretudo de Nova Iorque (com especial destaque para a excelente Newsletter da Village Voice), de S. Francisco e em geral da muito vasta e muitíssimo activa web norte-americana.

A transparência mediática da actual crise contribuíu, como nenhum outro factor, e ao contrário do cepticismo anti-tecnológico e anti-informacional de alguns, para as dificuldades do comando aliado da guerra, para a exponenciação de um autêntico movimento global contra o "terror" desencadeado pela pandilha de Bush, e ainda para a imposição mediática do princípio da condenação e penalização populares dos chamados danos colaterais. Já imaginaram quão ciclópica será para os Estados Unidos montar a próxima campanha belicista? Pense-se, a título de exemplo, na Venezuela, em Cuba, na Coreia do Norte, na Arábia Saudita, ou no Irão. Acredito que o enxame da opinião pública planetária será capaz de travar tais cenários de "horror e espanto", desmontando a barbárie contida na doutrina da chamada "guerra preventiva". Temo, por outro lado, que a doutrina da dissuasão ganhe cada vez mais adeptos entre os alvos potenciais (alguns deles já enunciados!) do complexo industrial-militar dos EUA. -- ACP

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Subsidiar a Cultura 2

A. M. Seabra denuncia endogamia cultural.



Se descontarmos a benevolência relativamente ao Pedro Cabrita Reis e às suas poses cabotino-liricoides, o Seabra tem toda a razão em quase tudo o que vem escrevendo sobre a pandilha portuga da "arte contemporânea". No essencial, anda muito certo ao afirmar que a dita pandilha é uma nomenclatura (da mediocridade pomposa, acrescento); e que as respectivas membranas funcionam - há décadas - em regime de vasos comunicantes, sob os auspícios inocentes de inúmeros orçamentos de interesse público. A coisa, porém, já deixou de ser um problema de ética, para ser um caso de telenovela. Tem, de facto, todos os ingredientes: sexo, cabotinismo, tráfico de influências, prepotência, manipulação de inocentes, censura, falsificações históricas sistemáticas, cobardia, um bocado do cadáver do Bloco Central ainda aos pinotes e a mais completa ausência de estratégia cultural que imaginar possamos (escancarada, aliás, no pseudo Museu de Serralves). Como se tal herança não fosse já de si pesada, caiu ainda na actual sopa de pobres (diabos) um presidente IA meu bué de irreverente e um daqueles ministros que o Eça levava meses a burilar! Mas atenção: o caruncho corroeu também a totalidade dos pasquins do burgo. Não padecemos apenas de uma epidemia de pedófilos. Padecemos duma pandemia de estupidez! -- ACP

PS1 - antes comprar, olhem bem para as cotações, por exemplo no Artprice
PS2 - leitura obrigatória: Seabra #1  Seabra #2

O-A-M
blog #23
26 (?) Janeiro 2004

domingo, janeiro 04, 2004

Subsidiar a Cultura 1

Quem, o Augusto M Seabra? Tem toda a razão!



Apesar de não perder os tiques Adornianos (escusados em caso tão falho de substância), o gajo tem toda a razão. A burocracia artística do final do século 20, instalada na rede falida da museologia europeia, comporta-se cada vez mais como um lobby descarado e sem regras do comércio internacional das artes. Vejam-se, por exemplo, os sucessivos escândalos que atingiram as leiloeiras Sotheby's e Christi'es.

Por cá, as coisas atingiram as proporções de iniquidade e incompetência esperadas. Creio que escrevi há muitos anos uma catilinária contra o então todo-poderoso, e não menos ridículo, curador da colecção FLAD, um tal Castro Caldas, sobre os perigos, a inutilidade e sobretudo o desperdício económico envolvidos na substituição de regras racionais de investimento e gestão em arte, por meras regras de conveniência mais ou menos nepotistas, sem controlo nem responsabilização.

Ainda há poucos meses denunciei a aldrabice pegada que rodeia a permanente campanha de agit-prop em volta da biografia e da obra do Sr Cabrita Reis (o mesmo jantarista que conseguiu a proeza de inaugurar no mesmo mês uma estátua a um Presidente de Câmara na Maia e umas luminosas elucubrações plásticas em Veneza, com a cumplicidade inacreditável de quase toda a crítica e curadoria nacionais).
Tudo isto para sublinhar a evidência de o nosso sistema artístico se ter transformado há muito numa procissão de interesses paroquiais e retóricas imbecis. Apesar de ter havido um pintor de meninas que se comparou ao Figo (como se algum campónio de Xangai o conhecesse, como de facto conhece - e por vezes adora - Figo), a verdade é que tudo isto não passa de um jogo a feijões. Mas ainda assim, quando estão em causa dinheiros públicos, ou instituições pseudo-privadas cuja sobrevivência depende estritamente do Orçamento Geral do Estado, o abuso de informação privilegiada e a canalização forçada de recursos públicos para interesses privados (e familiares) é intolerável eticamente e deve ser penalizada. Por outro lado, temos que exigir uma regra qualquer para as comissões de serviço dos administradores de espaços vazios. Se, ao fim de quatro anos, continuarem sem público (excepto nos coquetails inaugurativos), devem, pura e simplesmente, ser substituídos por incumprimento de objectivos. As rotações do pessoal directivo, por sua vez, têm de deixar de ser, de uma vez por todas, uma pescadinha de rabo na boca e um assunto de família!

Neste contexto, a defesa de Pedro Lapa perante o ataque de Augusto M Seabra no passa de uma piedosa confissão de culpa. Os outros (Sardo, Pinharanda, Melo, etc.), pelos vistos, nem se atrevem a piar!

Tal como noutros dominios, a procissão ainda vai no adro. O essencial, porém, é que nenhum dos visados percebe patavina do que realmente está a acontecer na cultura contemporânea. Limitam-se a voar em bando e a escrever, muito de vez em quando, coisas ilegíveis. E por aqui morrerão. Cada vez menos contribuintes se dispõem, entretanto, a alimentar semelhantes pantomimas...

A arte pós-contemporânea já começou a ser outra coisa. Está bem e recomenda-se. Mas caminha para outra galáxia cultural, menos materialista, mais partilhada, mais democrática. Se me pagarem, eu digo-vos porquê. -- ACP


Arte e Sistema (a Culturocracia, Prosseguindo)
Por AUGUSTO M. SEABRA
Domingo, 28 de Dezembro de 2003

O-A-M
blog #22
4 (?) Janeiro 2004

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Jorge Sampaio 2

Presidente critica presença militar Portuguesa no Iraque, em Argel!


içar de bandeira no IraqueO-A-M
blog #21
4 Dezembro 2003

Jorge Sampaio pode estar em alta nas sondagens, mas revelou há dias grande falta de sentido de Estado. Já escrevi que, embora considere desastrosa a intervenção dos EUA no Iraque, na sequência da sua actual estratégia militar (assimétrica) contra o Terrorismo, Portugal deve demonstrar fidelidade às suas alianças estratégicas, sobretudo agora que os espanhóis se tornaram, finalmente, atlantistas! A marcha europeia, a meu ver, tem que ser feita mantendo um equilíbrio dinâmico entre a necessidade de incrementar a nossa autonomia estratégica (i.e. político-militar) e o reforço criativo da Aliança Atlântica. A solidez do eixo atlântico é o verdadeiro segredo da paz mundial. Quem não perceber isto, que é simples, e que também diz respeito ao progresso do Norte de África, deveria voltar aos bancos da escola.

Mas o mais grave de tudo, no episódio argelino, foi ouvir o nosso Presidente criticar a presença militar invasora no Iraque, sabendo ele que tal referência atingiria os soldados da GNR destacados naquelas paragens. Fazer um reparo destes no nosso País já seria grave, pois não lhe compete a ele, mas ao Governo e à Assembleia da República decidir sobre estas questões. Mas fazê-lo num país estrangeiro, perante os respectivos líderes políticos, brada aos céus. E se amanhã houver um ataque fulminante contra os destacamento português? Que dirá o Senhor Presidente ao País? A primeira figura do Estado não pode desertar das suas responsabilidades em ocasiões tão sérias da vida colectiva!

Que o PR manifeste os seus argumentos críticos no lugar reservado das conversas institucionais que mantem com o Primeiro-Ministro, exercendo aí a sua legítima influência política, todos entendemos como coisa natural. Que vá agitar complexos colonialistas durante uma viagem presidencial a um País que pouco sabe da nossa vida, parece-me um acto de impensável irresponsabilidade.

Mas como um mal nunca vem só, a moribunda direcção do PS continua a asneirar alegremente sobre o Iraque. -- ACP

domingo, novembro 02, 2003

Outro PS por favor 4

MES: Movimento de Eleitores Socialistas.


simbolo do MES, 1974O-A-M
blog #20
02 Novembro 2003


A actual situação do Partido Socialista é de tal modo preocupante que justifica o nascimento de um movimento de eleitores formado por cidadãos que não tendo nenhumas pretensões a cargos partidários ou governamentais, pelo simples facto de se reconhecerem como eleitores socialistas consistentes, podem e devem intervir na vida do PS sempre que considerarem estar em causa a integridade ideológica deste Partido ou presintam ameaças intoleráveis à dignidade institucional do mesmo.

É o caso do actual vazio de liderança no PS. A sua Direcção, com particular relevo para o seu Secretário-Geral, lançou um dos principais pilares da Democracia Portuguesa na maior crise de credibilidade da sua história. E o pior, como vimos, é que nem Ferro Rodrigues se demite (como o faria qualquer pessoa minimamente sensata) nem a Comissão Política tem a coragem de exigir a demissão do Secretário-Geral, assumindo a direcção colegial do Partido até que um Congresso, regular ou extraordinário, eleja novo Secretário-Geral.

O PS não é apenas do seu Secretariado, não é apenas da sua Comissão Política, não é apenas dos seus militantes. É de todos eles, mas também do seu eleitorado, o qual, em última instância, decide da sua aptidão para governar, ou para ser oposição. Como partido de eleitores que é, o Partido Socialista não pode ser confundido com uma qualquer seita maçónica, nem muito menos com um grupúsculo de interesses inconfessáveis. A transparência funcional é uma condição inalienável da sua maioridade política num universo assente na lei, na liberdade e na democracia. E numa democracia contemporânea, atravessada por uma lógica comunicacional cada vez mais transparente e dialéctica, nenhum partido político disposto a assumir encargos governativos pode pôr em causa o princípio da separação de poderes e os graus de autonomia a que cada um destes constitucionalmente compete. Nem, por outro lado, subestimar a opinião pública democrática, quer esta se dê a conhecer sob a forma de sondagens, comunicação mediática ou manifestações de rua.

Creio, pois, que chegou o momento de disseminar electronicamente a ideia de que é possível e necessário criar um Movimento de Eleitores Socialistas, capaz de influenciar de forma sensível e positiva a vida do PS.

Como dar corpo a este Movimento (MES), qual a sua missão, que limites aceitar ao âmbito da sua actividade, eis algumas perguntas de momento sem resposta. A disseminação desta mensagem e as reacções por ela geradas poderão, assim o espero, propiciar-nos algumas indicações preciosas sobre o grau e preparação da Democracia Portuguesa para a renovação e revitalização da sua "praxis" pública.

Precisamos de uma Democracia Comunicacional, entendida necessariamente como uma expansão criativa do cerne ideológico dos regimes inspirados pela longínqua Revolução Francesa. Liberdade, Igualdade, Fraternidade, continua a ser a única direcção civilizacional por que vale a pena lutar. De novo, temos a ecologia mediática onde estamos todos imersos, e onde teremos que aprender a restabelecer os necessários equilibrios da cooperação. De novo, temos a aceleração tecnológica, cuja progressão é imparável, mas relativamente à qual teremos que impedir novas fracturas sociais irrecuperáveis. De novo, temos o inadiável desafio da sustentabilidade da espécie humana e do planeta por ela colonizado.

Os desafios deste século são filosófica e politicamente gigantescos. Confundi-los com a mesquinhez dum pseudo-líder seria um erro trágico, quanto mais não seja, pela paralizia e atavismos que tais experiências traumáticas costumam induzir nas imediações práticas e subjectivas.

Gostaria de imaginar o Movimento de Eleitores Socialistas como uma expressão inovadora da República Electrónica por vir. Como uma rede de reflexão e crítica totalmente descomprometida com o exercício partidário quotidianao e com eventuais tarefas governamentais. Entre as suas missões estariam, por exemplo, as que dizem respeito à actualização do ideário socialista e ainda as que tocam temas candentes da política nacional e internacional.

Aproveitando a economia própria das novas redes de inteligência, informação e comunicação, será aliás perfeitamente possível arquitectarmos uma web semanticamente sintonizada com as múltiplas e urgentes agendas políticas e culturais do agitadíssimo século em que acabamos de entrar, deixando definitivamente para trás um armário cheio de esqueletos calcinados e cadávares adiados.

O primeiro passo experimental deste MES é difundir a presente mensagem pelos nossos amigos. Eu encarreguei-me, por razões óbvias, de difundi-la junto da imprensa e do aparelho do Partido Socialista. -- ACP

quarta-feira, outubro 22, 2003

Jorge Sampaio 1

Presidente muito preocupado com violação de segredo de justiça...


palacio de belemO-A-M
blog #19
21 Outubro 2003

Da substância do discurso do Presidente da República devem reter-se, para além da sua reiterada preocupação com o sobressalto dos Portugueses a respeito do escândalo de pedofilia e com os "apressados julgamentos de opinião pública [que] são a pior maneira de procurar a Justiça", dois momentos esclarecedores, mas igualmente críticos e discutíveis: o primeiro, é o do reconhecimento que teve acesso a informação em segredo de justiça, mas que não fez uso dela para influenciar o curso do respectivo Processo; o segundo, é que os responsáveis pelas violações do Segredo de Justiça não devem ficar impunes. Vale a pena transcrever estas passagens:

"[...] No exercício das suas funções, o Presidente da República está na posição singular de ter direito a toda a informação necessária e legítima, e de nessa posição se relacionar com todos os órgãos do Estado e seus titulares.

Mas porque assim é, está fora de questão - e os Portugueses que me elegeram duas vezes bem o sabem - que o Presidente da República pudesse usar tal informação ou aproveitar tais relações para fins menos legítimos, designadamente - que fique bem claro- para obstruir ou influenciar a marcha da Justiça. [...]"

Apesar dos louvores beatos dos dirigentes do PS que se pronunciaram sobre o discurso, apesar da benção inusitada de Francisco Louçã, não deixa de se poder perguntar uma coisa muito simples: de quem obteve o Senhor Presidente da República informação em Segredo de Justiça sobre as investigações então em curso sobre o deputado Paulo Pedroso, na véspera da sua detenção? Do Procurador-Geral da República ou de membros da direcção do Partido Socialista? E se por acaso foi destes últimos, que segundo Marcelo Rebelo de Sousa, há mais de dois meses que sabiam das investigações sobre Paulo Pedroso, pergunto: quem deu início à escalada da violação do Segredo de Justiça? Pergunto: perante o que naquele preciso momento se configurou como óbvia tentativa de perturbação de um Processo judicial, que fez o Senhor Presidente da República? Não essa entidade facilmente responsabilizada pelo alarido "Casa Pia" (chamada "público") mas eu, simples cidadão de um País democrático, exijo sobre esta matéria um esclarecimento à principal figura do Estado!

Mas vamos à segunda citação:

"[...] Perante tudo isto - que é muito, e que é o essencial dos desafios que nos estão colocados - não faz qualquer sentido que as prioridades e preocupações dos portugueses continuem a ser, diariamente, secundarizadas, por uma qualquer novela judiciária, tantas vezes com criminosa e despudorada violação do segredo de Justiça, que não pode, naturalmente, ficar impune. [...]"

A palavra "novela", para bom entendedor, significa de facto "telenovela", com tudo o que tal interpretação pode significar de rebaixamento do assunto da Casa Pia a um mero entretenimento. Ora o escândalo de pedofilia que atinge gente famosa e altas personalidades da vida política Portuguesa não é "uma qualquer novela"! E tem --sim Senhor!-- prioridade sobre muitos e pesados assuntos da vida dos Portugueses. Por uma razão muito simples: é que nenhum Português pode confiar nas suas instituições democráticas --precisamente para a resolução de todos os grandes problemas nacionais-- enquanto não houver sinais claríssimos de que este Processo vai correr bem e sem perturbações políticas, até ao fim. Ora poucas horas depois do discurso presidencial aquilo que vimos foi o Senhor Bastonário dos Advogados pedir a cabeça do Senhor Procurador-Geral da República! Aliás, o próprio Presidente da República, na sua alocução justificativa, depois de apelar ao País para que pense noutros assuntos, também acaba por pedir, não na forma, mas na substância, a cabeça do mesmo Procurador! Ora isto é de facto inaceitável.

Espero bem que Durão Barroso, depois de resistir à provocação de Ana Gomes, resista a mais esta tentativa de chegar a um consenso sobre a condução do Processo Casa Pia, fora da competente esfera de autonomia institucional. É preciso respeitar o Segredo de Justiça, regressando à Casa de Partida, sem retaliações unilaterais. Ou então, quem não pecou, no caso vertente, que atire a primeira pedra!. Mas para além do Segredo de Justiça, há também que respeitar (e pelos vistos defender!), sem vacilação, o regime democrático da separação de poderes, descaradamente espezinhado nos últimos meses pelas mais variadas personalidades políticas e corporativas. Durante a ditadura salazarista é que estas fronteiras eram mero disfarce dum poder autocrático. -- ACP

segunda-feira, outubro 20, 2003

Outro PS por favor 3

O Partido Socialista é um partido de eleitores, e não um grémio jacobino.


O-A-M
blog #18
Segunda-feira, Outubro 20, 2003

Senhor Secretário-Geral do Partido Socialista Português
Dr. Ferro Rodrigues,

A gravidade do seu envolvimento na perturbação do Processo Judicial que envolve o cidadão Paulo Pedroso é manifestamente incompatível com a sua permanência à frente dos destinos do PS.

O Partido Socialista não é mais seu do que do conjunto dos seus militantes. Nem pertence mais aos seus militantes do que aos milhões de eleitores que o transformaram numa força partidária imprescindível à Democracia Portuguesa. A dignidade com que o PS cumpriu até há pouco a sua missão civilizadora e pedagógica não pode ser desbaratada pela sua insensatez, nem pela apatia cobarde de alguns militantes irresponsáveis.

O Partido Socialista é um Partido de eleitores. E como tal tem que ser sensível à opinião pública, tanto na formação diária das suas opções políticas, como sobretudo em ocasiões de crise. Ora o País vive, largamente por sua causa, uma crise política e cultural gravíssima.

Assim sendo, e porque o mal feito não volta atrás, demita-se!
Se o não fizer voluntariamente, poupando ao PS e ao País pesadas humilhações, a Opinião Pública Portuguesa, e em particular os eleitores fieis do Partido Socialista, se encarregarão de chutá-lo de uma vez por todas para o caixote do lixo da História.

António Cerveira Pinto
artista pástico e escritor
eleitor do PS

¶ 11:44 PM

sábado, outubro 18, 2003

Outro PS por favor 2

Porta aviões do PS adorna perigosamente.


Ferro RodriguesO-A-M
blog #17
Sábado, Outubro 18, 2003
"Tou-me cagando p'ró Segredo de Justiça!"

— afirmação de Ferro Rodrigues em conversa telefónica escutada por ordem do Ministério Público.

Recomendei no primeiro escrito que dediquei a este caso (transformado por força das circunstâncias numa radiografia dramática da crise institucional da democracia portuguesa e do estado de degradação a que chegou a respectiva classe política) a leitura atenta de um livro excepcional sobre as dinâmicas agonísticas da mentira e da cooperação: "The Evolution of Cooperation", de Robert Axelrod. A propósito do conhecido "dilema do prisioneiro", onde vence quase sempre a estratégia conhecida por "TIT FOR TAT", pode ler-se uma conclusão interessante: "[...] um organismo não precisa de cérebro para jogar. As bactérias, por exemplo, são altamente responsáveis pela selecção de aspectos vitais do seu ambiente. São pois capazes de responder diferenciadamente às acções de outros organismos, podendo tais estratégias condicionais e comportamentos entrar na cadeia hereditária.[...]"

Não tendo sido possível até agora estabelecer a necessária ponte de confiança entre essa espécie de cartel que reune os vários poderes de facto do País e o Poder Judicial, de modo a cooperar na resolução equilibrada do escândalo da Casa Pia, no sentido de a Justiça cumprir a sua missão, de forma exemplar (como tem que ser num caso mediático destas proporções), mas exercendo também os poderes de ponderação e clemência ao seu alcance no tratamento de todo o Processo, desencadeou-se em seu lugar uma escalada deceptiva, incontrolável. Salvo se os directamente implicados na agonia deste jogo chegarem à conclusão de que a busca de alguma plataforma de cooperação é a única estratégia capaz de minorar os danos causados e futuros, o olho por olho, dente por dente para que os contendores se deixaram arrastar ameaça transformar os danos inicialmente circunscritos ao caso judicial (i.e. à agonística protagonizada pela instrução do processo e pelos respectivos suspeitos e arguidos) num incontrolável Processo ao estado de fragilidade e corrupção dos sistemas de poder democraticamente legitimados. Para que uma estratégia consensual de limitação dos danos possa ter pernas para andar, há porém uma condição sine qua non: o Partido Socialista, enquanto tal, deve retirar-se imediatamente desta querela, afastando dos seus órgãos de direcção todos os militantes directa ou indirectamente envolvidos nesta trapalhada: Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e António Costa. E há ainda outra condição: o silêncio religioso do Presidente da República sobre o futuro desenvolvimento deste caso --já que o cidadão Jorge Sampaio, padrinho de casamento de Paulo Pedroso, não poderá auto suspender a sua condição institucional, para tomar partido numa causa que o atinge psicologicamente.

A opinião pública tem, na sua larga maioria, a convicção de que os arguidos são muito provavelmente culpados dos crimes de que foram indiciados. E tem-na por conhecer o modo brando como sempre foram tratados os poderosos deste País. A dedução que baila na cabeça de cada português é esta: para um jovem Juíz se atrever a entrar pelo Parlamento dentro e prender um deputado e porta-voz do maior Partido eleitoral do País, é porque acumulou tal quantidade de indícios (de testemunhos, e de denúncias) que não lhe restava outra alternativa. Depois há ainda outro motivo para que esta suspeita pública se vá consolidando: a notória falta de convicção nos protestos de inocência dos visados, associada à desastrosa estratégia defensiva da generalidade dos advogados contratados pelos arguidos --cuja arrogância e permanente presença ostensiva nos meios de comunicação social, apenas vem piorando as probabilidades de salvação dos respectivos clientes (o Bibi mudou de advogado; não sei do que é que os outros estão à espera...). A imagem de culpabilidade estampada na face de Paulo Pedroso durante a inusitada e desastrosa conferência de imprensa dada antes de entrar para os calabouços policiais é um clip exaustivamente difundido pelo big brother dos média, causando uma poderosa impressão na opinião pública, a qual, pela sua autenticidade performativa, ameaça tornar-se indelével na memória colectiva. Um inocente, penso instintivamente, teria protestado a sua inocência doutro modo... Nada, depois daquele pico dramático --vivido mediaticamente na forma vicariante de uma "segunda realidade"--, conseguiu apagar a convicção de culpabilidade inoculada na massa cerebral de milhões de portugueses. E contudo, o homem, aquela gente toda, presa por suspeitas de pedofilia e abuso sexual de menores, até são de jure presumidos inocentes... Quem está, de facto, a prejudicar a sua defesa?

O simpático António Costa, nervoso e agressivo como nunca o viramos, teceu uma suposta teoria do Partido Socialista sobre as diferenças entre responsabilidade partidária e responsabilidade parlamentar, a propósito da justificação do regresso de Paulo Pedroso ao Parlamento ao mesmo tempo que mantinha suspensos todos os seus cargos partidários. Coisa mais ridícula seria difícil imaginar. Então o deputado não deve a sua eleição parlamentar ao facto de ser militante do PS? Será a tijoleira do Largo do Rato mais imaculada que o mármore de São Bento? E que tem o povo eleitor português que ver com as cogitações filosófico-metodológicas absurdas e casuísticas do aflito Directório partidário, sobre o que este entende por deveres éticos? Acaso a sua desorientação se poderia alguma vez sobrepor ao juízo ético instantâneo da opinião pública, manifestado através desse lugar novo da democracia que é mais do que uma simples opinião pública mediatizada, por ser já o vórtice explosivo da República Electrónica em formação?

O Partido Socialista (e até certo ponto também o Presidente Jorge Sampaio) deixaram-se escorregar para dentro do processo público que corre e correrá inevitavelmente ao lado do Processo judicial em curso. Ora isto é gravíssimo para a estabilidade democrática. Não tanto por causa do que individualmente possa suceder aos arguidos, não tanto por causa da sorte trágica da actual direcção do PS, mas sobretudo pelo irresponsável vazio cultural rasgado na expectativa democrática deste País. Não podemos deixar que a corrupção cívica e o cinismo machista instalados nalguns segmentos apodrecidos da classe política alastre como uma nódoa indelével de suspeição e descrédito profundo sobre a democracia. As partes interessadas do Processo da Casa Pia que se remetam de uma vez por todas para o lugar reservado do exercício das respectivas competências e direitos. Se para isso, a consciência impuser o afastamento dos cargos que ocupam, pois que o façam sem demora. Para bem da Verdade e para bem da Democracia. -- ACP

Post scriptum (19.10.03/23h10): Depois de ouvir as últimas revelações sobre as escutas telefónicas aos dirigentes do PS, depois de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa revelar que o irmão de Paulo Pedroso (João Pedroso) teria sido enviado para o Conselho Superior de Magistratura um mês depois de a Direcção do PS estar a par das investigações sobre Paulo Pedroso, depois de julgar ter ouvido também que o Presidente da República esteve ao corrente de tudo isto antes da prisão do deputado socialista, creio que o panorama é bem mais grave do que supunha. A ser tudo verdade, só poderemos esperar de Jorge Sampaio que renuncie ao cargo para que foi eleito, em nome de uma clarificação radical e definitiva da democracia portuguesa. Finalmente, ao Primeiro Ministro, caberá tirar as devidas conclusões da complicadíssima tempestade política que se abateu sobre Portugal. A democracia pode prosseguir sem problemas, mas primeiro há que limpar a casa. -- ACP

¶ 1:51 PM

sábado, outubro 11, 2003

Outro PS por favor 1

Escândalos de corrupção e pedofilia afundam o Partido Socialista.


Paulo PedrosoO-A-M
blog #16
Sábado, Outubro 11, 2003

1. Precisamos de ponderação em vez de histeria mediática.

A leitura de um instrutivo livro sobre a pedofilia e os seus mitos recentes, que recomendo vivamente [«Harmful to Minors, The Perils of Protecting Children from Sex» -- Judith Levine, 2003], leva-me a reflectir sobre a actual histeria mediática em volta do escândalo Casa Pia no sentido de uma maior racionalidade analítica. Nos Estados Unidos, segundo o estudo citado, tudo aponta para que os casos de violência sexual não familiar que conduzem ao rapto e assassinato de crianças não atinja anualmente um valor superior ao compreendido entre 1 em 364 mil e 1 em um milhão de crianças. Por outro lado, ainda nos Estados Unidos (em Portugal, como se sabe, não há estatísticas fiáveis de nada), o número de detenções por violações e outras ofensas sexuais foi aproximadamente, em 1993, de 1% de todas as prisões realizadas. Também se sabe que a histeria securitária em volta dos tabus sexuais, estimulada pelos média e invariavelmente potenciada pela Direita social e política, por alguns grupos feministas conservadores em matéria sexual, e ainda por agrupamentos religiosos sumamente hipócritas, tem pressionado os poderes políticos a agirem de forma precipitada e irresponsável, se não mesmo ilegítima. Sabe-se que neste tema sensível da Justiça internacional, num mundo onde as crianças e os jovens com idade inferior a 18 anos são «adultos» para estudar, são «adultos» para trabalhar, são «adultos» para consumir, são «adultos» para cumprir penas de prisão por terem entrado ilicitamente num sistema informático (ainda que sem produzir estragos), e ainda são «adultos» para vestirem uma farda militar e participarem numa guerra, tem havido frequentemente excesso de zelo mediático, policial e jurídico no específico âmbito dos chamados casos de pedofilia. Montagem de provas e de testemunhos, provocações policiais (muito comuns na Web), chantagens económicas, profissionais e políticas, têm por vezes servido para forçar o desenlace de investigações sobre ocorrências sexuais criminalizadas, abusos sexuais efectivos e crimes conexos, no sentido de uma pré condenação pública à revelia do normal funcionamento das instituições competentes estabelecidas pelos Estados de Direito desde há muito. Ora isto é civilizacionalmente intolerável.

Dito isto, e no caso vertente, nada aponta, porém, no sentido da cabala propalada por altos dirigentes do Partido Socialista no calor da espectacular detenção de Paulo Pedroso. Pelo contrário, a Justiça Portuguesa, conhecida pelas suas cautelas proverbiais na abordagem da criminalidade oriunda dos chamados colarinhos brancos (onde se incluem tanto o poder económico como o poder político estabelecidos), só muito improvavelmente actuaria, no caso vertente, de forma aventureira. Ou melhor dito, a probabilidade de uma actuação descuidada (tanto na investigação policial, como na instrução do processo) parece-me muito baixa. Houve um continuado «abuso sexual» de menores na Casa Pia (embora possamos discutir se esse «abuso» envolveu consentimento ou implicou violentação da vontade das vítimas). Houve montagem de uma rede clandestina para o efeito. Esta rede dedicou-se, não apenas a viabilizar os abusos, mas muito claramente também ao tráfico e exploração sexual de menores, tendo por clientes figuras públicas, cujo anonimato esteve sempre obviamente em causa, exigindo as necessárias garantias, que só uma organização criminosa poderia, em princípio, assegurar. Quem foram os clientes desta rede? Carlos Cruz? Paulo Pedroso? Jorge Ritto? Ferro Rodrigues? Que sobre eles paira uma suspeição pública, é daquelas evidências que não necessita de argumentos! E quem foram os coniventes desta mesma rede? Pois todos aqueles que, sabendo da sua existência, mesmo não tendo usufruído dela, nada fizeram para a sua denúncia e desmantelamento.

Porque havia indícios mais do que suficientes, o Juíz de Instrução impôs a medida de coacção máxima aos suspeitos entretanto constituídos arguidos deste monumental processo judiciário e jurídico: Carlos Silvino, João Ferreira Diniz, Hugo Marçal, Jorge Ritto, Carlos Cruz e Paulo Pedroso. Note-se que não estamos a lidar com um processo judicial envolvendo um caso de pedofilia singular, protagonizado por um indivíduo e uma ou duas vítimas, sobre o qual poderemos aventar a hipótese de uma confusão de protagonistas ou um falso testemunho ditado por uma vingança. O que temos pela frente é uma rede de pedofilia, dedicada à exploração sexual de menores, da qual foram clientes muitas dezenas de pessoas, algumas delas figuras públicas, que reiteradamente abusaram sexualmente de menores, pagaram directa ou directamente pelos «serviços» prestados, e que sabiam perfeitamente das ilegalidades em que estavam envolvidas. A probabilidade de estes indivíduos poderem provar a sua inocência ou inimputabilidade diante de uma compilação de factos e testemunhos séria e solidamente organizada parece-me pois muito escassa. Os advogados têm aliás demonstrado que lhes resta apenas uma única via estreita de actuação: lançar o descrédito sobre a investigação, sobre a instrução e sobre o julgamento, arrastando o processo de incidente processual em incidente processual, até que alguma milagrosa solução (processual ou política) venha esvaziar o caso de substância jurídica nos casos politicamente mais sensíveis. Tentaram afastar o actual Juiz de Instrução do Processo e tentarão daqui para a frente afastar o actual Procurador da República. Para tal, pressionam tudo -- por exemplo, as regras do segredo de Justiça -- e todos, incluindo partidos políticos, tribunais, orgãos de comunicação social, Governo, Parlamento e Presidência da República.

Apesar da evidência dos indícios, e da gravidade das ocorrências (trata-se de desmantelar e punir uma rede criminosa na qual estão envolvidas altas personalidades da vida pública e política portuguesa!) não vejo que seja necessário, do lado das vítimas e dos seus defensores, pressionar as instituições e embeber a opinião pública de pré-juízos, nomeadamente com marchas brancas e iniciativas congéneres. Em vez de procedimentos de intoxicação psicológica, venham donde vierem, precisamos de mais transparência informativa, de diálogo competente e do respeito absoluto do segredo de Justiça. O caso deve seguir os seus trâmites, o acompanhamento público deve manter-se particularmente activo, e quem infringir o segredo de Justiça deve ser incriminado. Há um manifesto interesse público na substância deste caso, mas para que esta venha a ser efectivamente conhecida importa cuidar da forma do Processo. O Ministério Público tem assim um gigantesco desafio à sua frente.

2. Precisamos doutro PS

Em Política o que parece é! E o que parece, neste caso, parece muito grave: o porta-voz de um dos pilares partidários do actual regime democrático é suspeito de pedofilia; e sobre o próprio Secretário-Geral e líder da Oposição chegaram também a pairar suspeitas semelhantes, que o tempo não dissipou inteiramente. Nenhuma destas personalidades foi acusada de nada. Mas existe uma pesada dúvida na opinião pública (i.e. entre os cidadãos eleitores) sobre a integridade comportamental destas duas individualidades. Manda a lógica cultural da democracia que, perante dúvidas tão perturbadoras, os dois se tivessem imediatamente demitido dos respectivos cargos políticos. Foi assim em casos de muito menor gravidade, embora escandalosos, que atingiram múltiplas personalidades políticas: Miguel Cadilhe, Carlos Borrego, António Vitorino, Murteira Nabo, Armando Vara, Isaltino de Morais, Pedro Lynce e Martins da Cruz. Todos eles, perante a dúvida instalada na opinião pública, fizeram o que se esperava que fizessem: demitiram-se (ou foram demitidos). Não foi assim no caso Paulo Portas, não foi assim no caso Fátima Felgueiras e não foi assim no caso dos políticos directa ou indirectamente implicados no escândalo de pedofilia da Casa Pia.

Vejamos este últimos casos um por um.

Paulo Portas não foi constituído arguido de coisa alguma em relação ao caso da Universidade Moderna. No entanto, a investigação jornalística mostrou à saciedade que o seu comportamento enquanto gerente da Amostra fora mais do que reprovável e moralmente incompatível com o exercício de um cargo governamental. A sua permanência no governo de coligação tornar-se-ia, depois deste episódio, na lenta agonia do PP e do seu líder. O futuro do político chegara ao fim, mas pior do que isso, o seu lento declinar acabará por apagar o PP do mapa partidário português.

Fátima Felgueiras foi constituída arguida num caso de corrupção com contornos nitidamente partidários, contemplando assim ilícitos que não se circunscreveram apenas ao âmbito dos benefícios pessoais. Muito antes de o escândalo ter dado lugar à acção do Ministério Público, i.e. quando o Partido Socialista ainda era Governo, o então Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, Barros Moura, demitiu-se depois de conhecer alguns dos factos comprometedores que viriam mais tarde a servir de base para a ordem de detenção. O Partido Socialista, cujo aparelho era então liderado por Jorge Coelho, nada fez. Ou melhor, deu escandalosa cobertura política ao que se afigurava já, nomeadamente por via das investigações jornalísticas, como um caso sério de possível envolvimento da Presidente da Câmara em actos de corrupção. Os caricatos episódios que se seguiram produziram uma profunda mossa moral no edifício do Partido Socialista.

Paulo Pedroso foi detido em pleno Parlamento pelo Juíz de Instrução encarregue do processo Casa Pia, tendo-lhe sido imposta a medida de coacção máxima (prisão preventiva), sob suspeita de participação em práticas sexuais com menores. Em vez de, perante a gravidade da situação, ter suspendido imediatamenmte as suas funções de deputado e o seu cargo de porta voz do PS, até que o caso fosse cabalmente esclarecido, ficámos ontem (dia 10 de Outubro) a saber que tal decisão havia sito tomada, não por um imperativo ético-institucional, não por uma óbvia obrigação moral, mas aparentemente apenas devido à impossibilidade física de continuar a exercer ambas as actividades! De facto, assim que o Tribunal da Relação deferiu o Recurso interposto sobre a sua prisão preventiva, ficámos todos a saber -- estupefactos -- que o deputado e o núcleo duro da actual Direcção do PS pretendiam o seu regresso às lides partidárias e parlamentares, antes mesmo de terminar a instrução do processo que lhe fora movido pelo Ministério Público. Em vez de ir para casa, Paulo Pedroso foi para o Parlamento, como se o motivo da sua prisão e da acção legal que corre contra ele fosse político! O Parlamento viu-se assim, depois da libertação de Paulo Pedroso, literalmente vandalizado pelo entusiasmo socialista, numa manifestação de boçalidade democrática só comparável à famosa exaltação dos socialistas de Felgueiras em volta da sua querida autarca. O Partido Socialista vai pagar muito caro este desaforo e esta estupidez.

O líder do Partido Socialista, Ferro Rodrigues, sobre o qual não deixou de pairar uma nuvem de perplexidades e interrogações sem resposta, tem-se comportado em todo este processo de forma absolutamente lamentável. Não percebeu que a única decisão decente a tomar, face às proporções do escândalo e das suspeitas públicas, teria sido a imediata suspensão das suas funções parlamentares e partidárias, em nome do esclarecimento público e jurídico do caso em que se vira envolvido. Não percebeu ou não quis perceber que o PS teria atravessado esta crise doutra forma se a direcção dos seus destinos tivesse sido entregue ao Conselho Nacional, o qual nomearia novo porta-voz das suas decisões, mantendo-se sem Secretário-Geral até que um congresso extraordinário, a convocar, elegesse novo líder. Ao invés, manteve-se no poder como um dirigente assombrado pelas mais perturbadoras dúvidas. Culminando tamanha desgraça, Ferro Rodrigues recebe em apoteose Paulo Pedroso na Assembleia da República, e no dia seguinte acusa os média de propagarem uma agitação populista roçando perigosamente o comportamento típico da Extrema Direita. É incrível o modo como o Secretário-Geral do PS amplifica e radicaliza uma inoportuna e recente deixa do Presidente da República (implicitamente alusiva ao Processo da Casa Pia) sobre os perigos de «populismo justicialista». Como se não houvesse vítimas, como se não houvesse uma rede criminosa por desmantelar, como se Paulo Pedroso, entre outros, não fosse efectivamente arguido num caso tão espectacularmente escandaloso e prejudicial à imagem do Poder em Portugal. Como se tudo isto fosse um «fait divers» (expressão empregue por Ferro Rodrigues a propósito das ovações a Paulo Pedroso na Assembleia da República no dia em que foi libertado da medida de prisão preventiva)...

Registo um entranhado machismo no modo como muitos dos dirigentes do PS vêm lidando com esta situação. Defendendo à toa os seus correligionários, sem olhar o problema no seu conjunto, ou mantendo um silêncio táctico sobe o assunto, em ambos os casos parece evidente a sua sobranceria jacobina, como se de facto imperasse entre nós (e só os ingénuos não soubessem) duas igualdades perante a lei: a da gentinha coitada sem instrução, sem meios económicos, sem influência, e a da gente fina, onde corre a linfa protectora da consanguinidade dos poderosos. Registo o comportamento exemplar do Juíz Rui Teixeira. Registo o infeliz comportamento do Presidente da República, neste como noutros temas quentes da nossa actualidade. Registo a pressa e o aventureirismo de Ana Gomes (a quem sempre vou dizendo que da boca de Ramos Orta ouvi um dia dizer que apenas havia conhecido um verdadeiro Ministro de Negócios Estrangeiros Português, Durão Barroso...). Registo, por fim, a atitude de Estado do Primeiro Ministro, que a manter-se, permitirá aos Portugueses a esperança de ver todo este imbróglio resolvido, doe a quem doer.

Desde que abandonei o Trotskismo, por volta de 1980, votei consecutivamente no PS. E também votei duas vezes em Jorge Sampaio. Duvido que o volte a fazer nos anos mais próximos. Até porque, no imediato, não terei outra alternativa ao dever de agir civicamente num caso que, de dramático, ameaça transformar-se em monstruoso. Outro PS por favor!

Em tempos escrevi que o fim da bonança Comunitária traria consigo uma grave crise a este País. Pois já começou. -- ACP

Sobre o mesmo tema:

O Dilema dos Prisioneiros e os perigos da sub-optimização, in O Antonio Maria
Rede pedófila, defesas perigosas, in Blog de O Antonio Maria
Acórdão do Tribunal da Relação, in O Independente

¶ 10:58 PM