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sábado, junho 25, 2016

Sorry, no more euros!

Matt Rooney no Twitter: "It's beginning already! We're in Greece, no cash exchange & no cash machine withdrawals for Brits.



DA DECLARAÇÃO CONJUNTA DOS LÍDERES EUROPEUS
Aguardamos agora que o governo do Reino Unido concretize esta decisão do povo britânico o mais rapidamente possível, por mais doloroso que esse processo se possa revelar. Qualquer atraso prolongaria desnecessariamente a incerteza. Temos regras para lidar com esta situação de uma forma ordenada. O artigo 50.º do Tratado da União Europeia define o procedimento a seguir caso um Estado-Membro decida sair da União Europeia. Estamos prontos para lançar rapidamente as negociações com o Reino Unido relativamente aos termos e às condições da sua saída da União Europeia. Até este processo negocial estar concluído, o Reino Unido continua a ser um membro da União Europeia com todos os direitos e obrigações que daí decorrem. De acordo com os Tratados que o Reino Unido ratificou, a legislação da UE continua a ser plenamente aplicável ao e no Reino Unido até que deixe de ser membro.

Que acontecerá ao uso do idioma de Shakespeare na União Europeia?

Reparei que hoje todos os eurocratas falavam nas suas línguas nativas. O inglês, de repente, desapareceu! E a Europa? Bom, a Europa regressa paulatinamemnte às suas ilusões nacionalistas, reacionárias e populistas de esquerda e de direita. Mau agoiro, por certo.

A próxima segunda-feira dir-nos-à o que hoje ocorreu. As facilidades acabaram há anos, mas só agora o padrão universal das perdas começará a ser reconhecido como um fenómeno global. A angústia, nomeadamente entre os mais fracos, e mais endividados, tenderá a crescer.


Até porque, como disse Alan Greenspan (ZeroHedge), o verdadeiro problema é mais geral e sobretudo de natureza fiscal, abrange grande parte dos países desenvolvidos, e diz respeito ao envelhecimento demográfico e às crescentes e insustentáveis responsabilidades sociais dos governos, fundos de pensões e sociedades financeiras, nomeadamente de seguros.
“Brexit is not the end of the set of problems, which I always thought were going to start with the euro because the euro is a very serious problem in that the southern part of the euro zone is being funded by the northern part and the European Central Bank,” Greenspan said.
He then repeated a point that has been widely accepted in recent months, namely that monetary policy - while still the only game in town - is now impotent. Greenspan said the ECB is limited in what it can do because these fundamental problems like the stagnation of real incomes don’t have easy solutions. “There’s a certain amount that monetary policy can do, but our problem is fundamentally fiscal,” he said, adding that this is true in the United States as well as “every major country in Europe.” Part of the problem is that the “developed countries are all aging very rapidly,” which is leading to a higher ratio of government spending in the form of entitlements, Greenspan said.

segunda-feira, julho 06, 2015

O regresso ao dracma

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Grécia, ilusões de uma noite de verão


Os gregos votaram OXI num referendo populista à austeridade. Na realidade, votaram NÃO à sua continuidade na Eurolândia. Não interessa que gostem muito da Europa, ou do euro. A verdade é que, cercados pela austeridade e pelo desemprego, se precipitaram para um beco sem saída.

O estado grego moderno é uma  economia atrasada, corrupta e sempre endividada, que desde 1821-1829 (libertação do multissecular domínio turco) acumula bancarrotas: 1826, 1843, 1860, 1893, 1932, 2015.

A Grécia tem sido liderada por famílias de piratas sem escrúpulos, incluindo a família 'socialista' lá do sítio. Uma estranha coligação de esquerda e direita radicais liderada por Alexis Tsipras pretende, uma vez mais, não pagar, insultando os credores ao mesmo tempo que lhes pede mais dinheiro!


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Pelo que percebi das entrelinhas deste dia, o Plano B de Tsipras/Varoufakis é mesmo regressar ao dracma, proclamando eventualmente as dívidas astronómicas acumuladas como dívidas odiosas, de acordo, aliás, com um documento produzido no parlamento grego e divulgado a semana passada.

Por outro lado, da declaração do presidente do parlamento europeu, Martin Schulz, a Grécia, além de se ter colocado numa posição negocial insustentável, não terá liquidez do BCE na semana que hoje começa e nos tempos mais próximos, pelo que a Grécia entrará numa fase de emergência humanitária aguda.

Statement by Martin SCHULZ, EP President on the situation in Greece following the Referendum

“The ‘no’ side has won the referendum with an overwhelming majority and we have to respect the vote of the Greek people. In full sovereignty they expressed a clear ‘no’ to the proposals on the table in the eurozone. This is a difficult day: there’s a broad majority in Greece and the promise of Prime Minister Tsipras to the Greek people that with the ‘no’ the position of Greece for negotiating a better deal would become better is, in my eyes, not true...

“...We are in a difficult situation, the Greek people said no, but eighty other states of the eurozone agreed about the proposals to which the Greek people said ‘no’. But this is democracy in Greece and democratic governments and parliaments in other countries had another view a different view. It is now up to the Greek government to make proposals which could convince the eighteen other member states of the eurozone and the institutions in Brussels that it is necessary, possible and even effective to renegotiate, but this depends now on the proposals coming from Greece...”

“... But, nevertheless we have to respect the sovereignty and the will that the greek people expressed today in the referendum. The promise of the minister of finance that the banks will open tomorrow and that money will be available for tomorrow and tuesday seems to me very difficult and dangerous. And, therefore, because I believe that the Greek people will be, during the week and even every day in a more difficult situation, I think we should tomorrow, at the latest on Tuesday for the eurozone summit discuss about a humanitarian aid programme for Greece...”

“...Ordinary citizens, pensioners, sick people or children in the kindergarten should not pay a price for the dramatic situation in which the country and the government brought the country now. Therefore a humanitarian programme is needed immediately and I hope that the Greek government will make in the next coming hours meaningful and constructive proposals allowing that it is meaningful and possible te renegotiate. If not, we are entering a very difficult and even dramatic time.”

Link

A Grécia tornou-se um abcesso que é preciso lancetar, sob pena de contaminar toda a União Europeia. Não há alternativa ao Grexit. No entanto (ouvir esta crónica de Max Keiser), a saída da Grécia do euro e a renúncia ao pagamento das suas dívidas ao FMI e à UE poderá desencadear o colapso da própria zona euro, e mesmo da União Europeia. A menos que a tia Merkel esteja disposta a fazer ao Deutsche Bank o mesmo que Bush deixou fazer ao Lehman Brothers...

Atualizado em 6/7/2015 11:23

quarta-feira, julho 01, 2015

Et in Arcadia ego

Nicolas Poussin. Et in Arcadia est (1637-38)

Estou no Paraíso, ou morto?


Islândia, Chipre, Grécia, e em dramas mais sofríveis, Irlanda, Espanha e Portugal, a que se foram juntando as aflições de italianos, franceses e britânicos, são peças de um dominó em metamorfose.

Este dominó chama-se ocaso da abundância capitalista.

Abundância, porque houve durante meio século, sobretudo na Europa ocidental, nos Estados Unidos da América e no Canadá, sociedades humanas muito produtivas, com elevados padrões de consumo e onde se desenvolveram e instalaram sistemas de segurança social extremamente baratos, representando uma fração exígua na poupança individual e coletiva gerada por uma produtividade económica que teve a sua origem na emergência de várias indutores historicamente excecionais (ao longo dos séculos 19 e 20), tais como a energia barata proveniente do carvão, e depois do petróleo e do gás natural, ou ainda da fissão nuclear, usada na forma de vapor motriz, eletricidade e explosão de gases sob pressão.

Esta enorme capacidade de produzir barato e em grandes quantidades (quantidades industriais) teve na energia abundante, barata e transportável, a sua condição necessária, mas não suficiente. Para que os excedentes que deram lugar à poupança e ao bem estar social pudessem ter existido foram necessários ainda duas condições essenciais: a tecnologia oriunda das primeiras sociedades de conhecimento organizado e capitalizado, e a disponibilidade colonial de matérias primas e contingentes de quase escravos obtidos pela via de um desenvolvimento económico, social, cultural e político desigual. Não podemos, pois, imaginar a extraordinária dimensão e complexidade das infraestruturas materiais e imateriais, e o bem estar do Ocidente e das suas classes médias, nem a ociosidade cultural de franjas significativas e crescentes das suas populações, e muito menos o aumento espetacular da longevidade das gentes destes paraísos que ainda hoje atraem migrações gigantescas, sem pressupormos a conjugação provavelmente irrepetível das circunstâncias descritas.

À medida que esta conjugação de recursos e interações dinâmicas se expandiu por todos os continentes, ao mesmo tempo que se produzia uma equalização tímida entre o primeiro mundo (Estados Unidos e seus aliados desenvolvidos) e os segundo (União Soviética e seus aliados) e terceiro (os países neutros e não-alinhados—em geral, subdesenvolvidos) cresceu, por um lado, a população mundial e diminuiu, por outro, o ritmo de crescimento da riqueza média individual, ao mesmo tempo que os recursos naturais foram sendo submetidos a uma pressão ecológica cada vez mais destrutiva, e aumentaram os custos totais de cada unidade de PIB produzido no planeta.

Capitalista, porque o modo como toda esta explosão produtiva ocorreu e se desenvolveu é um fruto genuíno das sociedades capitalistas nascidas e desenvolvidas na Europa ao longo dos séculos 15, 16, 17, 18, 19 e 20.

As sociedades capitalistas comerciais e a luta pela criação de instituições laicas e democráticas foram determinantes nos séculos 15, 16, 17 e 18, as sociedades comerciais e industriais empurraram os séculos 19 e 20 para a era do crescimento rápido e da modernidade urbana e internacional, finalmente as sociedades comerciais, industriais e financeiras do século 20 expandiram exponencialmente o novo modelo de sociedade afluente e cosmopolita, através de guerras e revoluções brutais. Por fim, o início do século 21 marca o pico e provável ocaso de uma era de crescimento rápido inflacionista, e o início de uma nova era de crescimento moderado: deflação, queda dos rendimentos médios per capita, e absoluta necessidade de um renascimento científico e cultural suficientemente forte para nos convencer de que a felicidade não está no consumo conspícuo, nem no desperdício, nem muito menos na destruição dos ecossistemas, mas numa nova aventura por vir.

O fim do socialismo como o conhecemos

Os movimentos socialistas, nomeadamente sob influência do marxismo, serviram sobretudo o desejo do proletariado industrial e dos povos mais atrasados e submetidos a formas de exploração e despotismo pré-modernos, de se aproximarem da abundância e da liberdade inerentes ao capitalismo criativo. O maniqueísmo e messianismo judaicos de que vinham impregnados, nomeadamente sob a forma da teleologia hegeliano-marxista, foi e continua a ser para muitos um modo de fé travestido de pseudo cientismo dialético. Daí, aliás, a sua extrema fraqueza pragmática e incapacidade crescente de olhar para a realidade sem o véu da fantasia, da hipocrisia e do oportunismo.

A falência das esquerdas tem pois uma origem que não é apenas conjuntural à crise das democracias do bem-estar, nem sequer apenas um fruto podre do desaparecimento do proletariado industrial entretanto substituído por máquinas inteligentes, ou da emigração do trabalho produtivo para as antigas colónias dos antigos impérios europeus e americano. A falência das burocracias sociais-democratas e socialistas, a falência dos cadáveres adiados do estalinismo e das novas eflorescências geneticamente modificadas da esquerda radical, são uma espécie de resto da História em movimento. Daí o estilo populista e de farsa que as suas encenações cada vez mais exibem.

Os novos revolucionários são, como sempre foram, terroristas. A sua emergência explosiva e suicida no início deste século denota uma realidade, só por distração, inesperada, que precisa de ser estudada e entendida. O desespero que indivíduos, tribos do deserto e urbanas, sociedades inteiras, amanhã países, transportam sob o manto de uma ressurreição religiosa é real e é profundo. Não percamos tempo com os motards do Syriza!

Propagar, pela via da demagogia que reduz e vitupera, anamorfoses ilusionistas da complexidade do momento que vivemos é um erro que poderemos pagar caro. O abrandamento do crescimento mundial é um fenómeno complexo, mas inexorável. Acontece numa fase da humanidade em que as desigualdades económicas entre pessoas, cidades, países e regiões estratégicas continuam muito acentuadas, acontece num momento em que a aproximação dos rendimentos entre os continentes, e sobretudo entre os países mais populosos do planeta e o Ocidente rico, propiciado pelo desenvolvimento rápido dos chamados países emergentes, começa a abrandar. Se não forem a Europa, os Estados Unidos, a Rússia, a China, o Canadá e a Austrália a promoverem novas estratégias partilhadas de equidade económica, social e cultural, quem será?

Houve uma fuga em frente quando nos deparámos nos idos anos 70 do século passado com os limites do crescimento. Essa fuga acabaria por traduzir-se num endividamento astronómico dos governos, das empresas e das pessoas, sobretudo no Ocidente desenvolvido. À queda permanente dos rendimentos do trabalho, mas também do capital, respondeu-se com derivados especulativos sobre o futuro, transformando o imobiliário, as obras públicas injustificadas e insustentáveis, a hipertrofia dos governos e das burocracias, o automóvel, a educação, e a especulação com taxas de juro e moedas, em fichas viciadas dum casino global. As bolhas incharam, são muitas e gigantescas, e estão a rebentar desde 2007.

É por isso que as imagens do sofrimento e da aflição das pessoas, pungentes nos casos das crianças e dos idosos, seja em Nova Iorque, Atenas, no Cairo, Damasco, Lampedusa, ou amanhã em Lisboa, devem servir-nos para pensar e não atiçar os demónios do maniqueísmo partidário e religioso.

Os governos gregos fizeram pouco até hoje para emendar o seu estilo de vida insustentável, uma vez percebido que o mundo mudou. Aos eurocratas e aos burocratas do FMI, por sua vez, faltou melhor comunicação com as populações e com as elites gregas. A senhora Merkel, por fim, talvez tenha razão, mas enquanto não cuidar dos piratas do Deutsche Bank ninguém lhe dará ouvidos!

A bancarrota grega não chega para abalar os mercados de capitais de forma decisiva. Este foi o erro de cálculo de Varoufakis, Tsipras e Putin, e que custou aos pobres pensionistas e desempregados gregos um agravamento brutal do seu dia a dia.

A bancarrota grega vai marcar uma viragem na Europa, e provavelmente no mundo ocidental. Vamos todos perceber até ao fim deste ano que o mundo está mesmo a mudar, e que precisamos de o reinventar.

domingo, junho 28, 2015

Grécia fora do euro no dia 1 de julho

Greece’s Prime Minister Alexis Tsipras delivers a speech to the lawmakers during an emergency Parliament session tonight. Photograph: Petros Karadjias/AP

O referendo anunciado por Tsipras e aprovado pelo parlamento grego morreu antes de nascer, por efeito deste simples mas irremediável comunicado emitido pelo Eurogrupo na tarde de 27 de junho de 2015:


Since the 20 February 2015 agreement of the Eurogroup on the extension of the current financial assistance arrangement, intensive negotiations have taken place between the institutions and the Greek authorities to achieve a successful conclusion of the review. Given the prolonged deadlock in negotiations and the urgency of the situation, institutions have put forward a comprehensive proposal on policy conditionality, making use of the given flexibility within the current arrangement.
Regrettably, despite efforts at all levels and full support of the Eurogroup, this proposal has been rejected by the Greek authorities who broke off the programme negotiations late on the 26 June unilaterally. The Eurogroup recalls the significant financial transfers and support provided to Greece over the last years. The Eurogroup has been open until the very last moment to further support the Greek people through a continued growth-oriented programme.

The Eurogroup takes note of the decision of the Greek government to put forward a proposal to call for a referendum, which is expected to take place on Sunday July 5, which is after the expiration of the programme period. The current financial assistance arrangement with Greece will expire on 30 June 2015, as well as all agreements related to the current Greek programme including  the transfer by euro area Member States of SMP and ANFA equivalent profits.

The euro area authorities stand ready to do whatever is necessary to ensure financial stability of the euro area.

[1] Supported by all members of the Eurogroup except the Greek member.

Já na manhã de sábado Tyler Durden escrevia:

"... moments ago Varoufakis was quoted as saying he would ask the Eurogroup for a bailout extension of a few weeks to accommodate the referendum. 

And the punchline: if the Eurogroup says "Oxi", then the entire Greek gambit, which has been a bet that to Europe the opportunity cost of a Grexit is higher than folding to Greek demands, collapses.

If the Eurogroup declines Varoufakis' request, there simply can not be a referendum, as the "institutions proposal" will no longer be on the table. As such, the only question is whether the ECB will also end the ELA at midnight on June 30, adding insult to injury, and causing the collapse of the Greek banking system days ahead of a referendum whose purpose would now be moot."

in Zero Hedge, 27/6/2015

Poderá haver ainda um volte-face?

Espera-se que o BCE aguente os bancos gregos até dia 5 de julho, mas não depois desta data se o resultado do referendo grego for não às condições exigidas pelos credores. Se for sim, então poderá haver uma regresso in extremis à mesa das negociações que, entretanto, deixará oficialmente de existir no dia 30 deste mês.

Mas neste caso em que posição ficará o governo de Tsipras? E o Syriza?

Que peso terão a Rússia e a China nesta fase do campeonato? A situação caminha rapidamente para uma zona perigosa, onde não perder a face, de ambos os lados do conflito, é cada vez mais difícil.

Assim começam todas as guerras :(


POST SCRIPTUM

Dois artigos de leitura obrigatória: "Como resolver a crise grega?", de Paul De Grauwe, e "Dias de Big Bang europeu", de Maria João Rodrigues, ambos no Expresso desta semana. Recomendação: a tradução do artigo de Paul De Grauwe publicada no Expresso, além de truncada, é má. Logo recomendo a leitura do original.

Sabia que a dívida pública efetiva da Grécia poderá estar abaixo dos 90% do PIB, e que os juros pagos pela mesma representam um esforço orçamental inferior ao da Espanha, ao de Portugal e mesmo aos da Bélgica e França? Sabia que a dívida portuguesa efetiva deve andar pelos 165% do PIB (130% reconhecidos no perímetro orçamental + 35% de PPP)? Cuidado, pois, com a situação grega, nomeadamente pelo ricochete que poderá fazer em breve sobre Portugal. Não se endivide!

Por outro lado, quer Merkel e o Eurogrupo consigam conservar a Grécia na Zona Euro, quer a façam regressar ao dracma, a União Europeia será uma nova realidade depois deste verão, e não será nada favorável aos populistas profissionais da esquerda, os quais sempre souberam gastar dinheiro, mas não sabem nem o que é o dinheiro, nem como de cria.

Atualizado em 28/6/2015 13:13

domingo, dezembro 15, 2013

Alemanha aponta caminho: mais democracia!

Sigmar Gabriel (E), chefe do Partido Social-democrata (SPD) e Horst Seehofer (D), líder do CDU, apertam as mãos observados pela chanceler, Angela Merkel (C), que segura uma versão impressa do acordo de coalizão (AFP/Arquivos, JOHN MACDOUGALL)

Alemanha e a Grande Coligação: um processo histórico de decisão que aponta o futuro dos processos democráticos na Europa. Menos partidocracia e mais referendos. As pessoas não são estúpidas!

Euronews: A Alemanha vai ter um governo de grande coligação. Os militantes social-democratas aprovaram por larga maioria a coligação governativa com os democratas cristãos de Angela Merkel, depois das eleições de setembro não terem dado uma maioria absoluta.

No referendo no maior partido da oposição da Alemanha, o SPD, votaram 396 mil membros dos 475 mil que compõem o partido. O anuncio do resultado coube à tesoureira do partido, Barbara Hendricks, em Berlim, que deverá ser a próxima ministra alemã do ambiente.

Hendricks declarou que “75% dos votantes” aprovaram o acordo de coligação com os conservadores de Angela Merkel.

Em Portugal, para aqui chegarmos, vai ser preciso mudar as lideranças do PS, do PSD e do PCP. Vamos ter também que esperar pela saída do Pastel de Belém. Mas a corrida para uma metamorfose do regime democrático já começou. As próximas eleições europeias serão muito importantes para mostrar que há uma maioria de eleitores e de portugueses que não se reconhecem, nem nos excessos ideológicos da Constituição, nem na partidocracia, nem na corrupção. Queremos mais democracia e menos burocratas!

Queremos acabar de vez com o predomínio dos cleptocratas, rendeiros e devoristas na tomada de decisões que são da exclusiva responsabilidade e direito exclusivo dos eleitores e seus legítimos representantes.

Como o síndroma da Cadeira de Salazar continua patente, vai ser preciso alguém dar um pequeno empurrão para a bola começar a rolar de uma vez por todas.

PS: aos que temem o regresso dos piratas que afundaram o país ao topo da pirâmide digo: basta haver consenso num ponto: quem nos trouxe até este buraco não pode tirar-nos do buraco. Simples e direto!

terça-feira, março 12, 2013

Indignados, sim, mas organizados!


Manifesto pela Democratização do Regime

A tragédia social, económica e financeira a que vários governos conduziram Portugal interpela a consciência dos portugueses no sentido de porem em causa os partidos políticos que, nos últimos vinte anos, criaram uma classe que governa o País sem grandeza, sem ética e sem sentido de Estado, dificultando a participação democrática dos cidadãos e impedindo que o sistema político permita o aparecimento de verdadeiras alternativas.

Neste quadro, a rotação no poder não tem servido os interesses do Povo. Ela serve sobretudo para esconder a realidade, desperdiçando a força anímica e a capacidade de trabalho dos portugueses, bem como as diversas oportunidades de desenvolvimento que o País tem tido, como aconteceu com muitos dos apoios recebidos da União Europeia.

A obsessão do poder pelo poder, a inexperiência governativa e a impreparação das juventudes partidárias que, com inusitada facilidade e sem experiência profissional ou percurso cívico, chegam ao topo do poder político, servem essencialmente objectivos e interesses restritos, nacionais e internacionais, daqueles que utilizam o Estado para os seus próprios fins.

O factor trabalho e a prosperidade das pessoas e das famílias, base do progresso da Nação, são constantemente postos em causa pela austeridade sem desígnio e pelos sacrifícios impostos aos trabalhadores, como se fossem eles, e não os dirigentes, os responsáveis pelo desgoverno do Estado e pelo endividamento excessivo a que sucessivos governos conduziram Portugal.

Como se isso não bastasse, o poder político enveredou pela afronta de culpar os portugueses, procurando constantemente dividi-los: os mais novos contra os mais velhos, os empregados contra os desempregados, os funcionários públicos contra os trabalhadores do sector privado.

A Assembleia da República, sede da democracia, desacreditou-se, com os deputados a serem escolhidos, não pelos eleitores, mas pelas direcções partidárias, que colocam muitas vezes os seus próprios interesses acima dos interesses da Nação. A Assembleia da República representa hoje sobretudo – com honrosas excepções – um emprego garantido, conseguido por anos de subserviência às direcções partidárias e de onde desapareceu a vontade de ajuizar e de controlar os actos dos governos.

A Nação portuguesa encontra-se em desespero e sob vigilância internacional. Governos sem ideias, sem convicções, sem sabedoria nem estratégia para o progresso do País, colocaram os portugueses numa situação de falência, sem esperança, rumo ou confiança.  O Estado Social está a desmoronar-se, mais do que a racionalizar-se, deixando em angústia crescente centenas de milhares de desempregados e de novos pobres.

E não é apenas o presente que está em desagregação. É simultaneamente o futuro de dezenas de milhares de jovens sem emprego ou com salários que não permitem lançar um projecto de vida.

Só por incompetência partidária e governativa se pode afirmar que os portugueses têm vivido acima das suas posses —como se as posses de milhões de famílias que recebem menos de mil euros por mês fosse o problema— ou que não existem alternativas aos sacrifícios exagerados impostos aos mais pobres e à classe média.

É urgente mudar Portugal, dando conteúdo positivo à revolta e à crescente indignação dos portugueses. As grandes manifestações já realizadas mostraram de forma inequívoca o que milhões de portugueses pensam do sistema político e da nomenclatura governativa. Há uma diferença dramática entre os políticos que pensam na próxima geração e os que pensam sobretudo na próxima eleição. A sociedade portuguesa tem naturalmente respeito pelas figuras políticas e pelos partidos que foram determinantes no regresso do País a um Estado de Direito Democrático. E pelos políticos que, com visão, souberam recolocar Portugal na Europa.

O que está hoje em causa já não é a opção pela democracia, mas torná-la efectiva e participada. Já não está em causa aderir à Europa, mas participar no relançamento do projecto europeu. Não está em causa governar, mas corrigir um rumo que nos conduziu à actual crise e realizar as mudanças que isso implica.

Todavia, nada será possível sem um processo de reformas profundas no Estado e na economia, reformas cujos obstáculos estão, em primeiro lugar, nos interesses de uma classe política instalada e na promiscuidade entre o poder político e os interesses financeiros. Impõe-se uma ruptura, que a nosso ver passa por três passos fundamentais:

— Em primeiro lugar, por leis eleitorais transparentes e democráticas que viabilizem eleições primárias abertas aos cidadãos na escolha dos candidatos a todos os cargos políticos;

— Em segundo lugar, pela abertura da possibilidade de apresentação de listas nominais, de cidadãos, em eleições para a Assembleia da República. Igualmente, tornando obrigatório o voto nominal nas listas partidárias;

— Em terceiro lugar, é fundamental garantir a igualdade de condições no financiamento das campanhas eleitorais. O actual sistema assegura, através de fundos públicos, um financiamento das campanhas eleitorais que contribui para a promoção de políticos incompetentes e a consequente perpetuação do sistema.

Esta ruptura visa um objectivo nacional, que todos os sectores da sociedade podem e devem apoiar. Alterar o sistema político elimina o pior dos males que afecta a democracia portuguesa. Se há matéria que justifica a união de todos os portugueses, dando conteúdo às manifestações de indignação que têm reclamado a mudança, é precisamente a democratização do sistema político.

É urgente reivindicar este objectivo nacional com firmeza, exigindo de todos os partidos a legislação necessária. Queremos que eles assumam este dever patriótico e tenham a coragem de —para o efeito— se entenderem. Ou então que submetam a Referendo Nacional estas reformas que propomos e que não queiram assumir. Os portugueses saberão entender o desafio e pronunciar-se responsavelmente.

Entretanto, os signatários comprometem-se a lançar um movimento, aberto a todas as correntes de opinião, que terá como objectivo fazer aprovar no Parlamento novas leis eleitorais e do financiamento das campanhas eleitorais.

A Pátria Portuguesa corre perigo. É urgente dar conteúdo político e democrático ao sentimento de revolta dos portugueses. A solução passa obrigatoriamente pelo fim da concentração de todo o poder político nos partidos e na reconstrução de um regime verdadeiramente democrático.


NOTA (22 mar 2013)

Estive em dado momento envolvido nas conversas que viriam a dar lugar ao Manifesto pela Democratização do Regime. Contribuiu para a sua redação, embora questionasse sempre alguma terminologia suscetível de convocar demónios populistas com que não me identifico. O que se seguiu ao anúncio público prematuro do Manifesto levou-me entretanto a desligar-me do processo. O blogue e a página Facebook que entretanto publicara em apoio ao manifesto perderam assim justificação, tendo por isso sido retiradas. Publico, e para memória futura, cópia do email enviado à lista de subscritores.

Caio fora :(
Caros concidadãos,

Desde que o Manifesto foi publicado tive ocasião de acompanhar mais de perto o que se está a passar. E francamente não gosto :(

Não se pode exigir mais democracia, mais representatividade, e mais transparência, e demonstrar ao mesmo tempo, por enquanto pela calada, um tão inacreditável desejo de controlo centralista do que não passa de uma mão cheia de nada.

Desvinculo-me assim, hoje mesmo, do Manifesto.

Este blogue e a página associada no Facebook ficarão no éter como testemunhos da minha passagem por mais uma ilusão momentânea, mas deixarão ambos de aceitar publicações.

Saudações democráticas,

António Cerveira Pinto

quinta-feira, novembro 01, 2012

Os fariseus do PS

Lutero traduzindo a Bíblia para alemão
Ilustração: autor desconhecido


Traduzam o Memorando, para o povo ler!

O deputado socialista Pedro Marques comparou hoje o convite para o diálogo dirigido pelo Governo ao PS a "uma farsa", manifestando "indignação" por técnicos do FMI estarem a estudar cortes, que passam pelas "funções sociais do Estado" — in  Negócios online, 1 nov 2012.

O Governo está a preparar a reforma do Estado anunciada na passada semana por Passos Coelho com a ajuda de técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) que já estão em Portugal e já tiveram reuniões com membros do Executivo, revelou nesta quarta-feira Marques Mendes — in Público, 31 nov 2012.

Os fariseus do PS fazem-me lembrar cada vez mais a burocracia de Roma contra a qual Lutero se rebelou em nome da honestidade intelectual, da liberdade económica e da soberania popular.

À época, Roma e a sua imensa burocracia sangravam os povos europeus de impostos a que chamavam indulgências, cujo fim era, diziam, a salvação das almas. Hoje, a dita esquerda e o estado social ineficiente, injusto, com uma burocracia gigantesca, e servindo em última instância a partidocracia que capturou as democracias ocidentais, nomeadamente as recém chegadas ao clube (Portugal, Espanha, Grécia), gritam contra as ameaças ao estado social, quando, na verdade, a única coisa que pretendem salvar é a partidocracia e a imensa burocracia que se alimentam de impostos cada vez mais insuportáveis, para seu conforto e risota dos deputados (veja-se o bacanal em que se transformou a Assembleia da República) — enfim, para benefício último dos banksters e rendeiros indígenas.

Assim, o PS não vai lá!

É preciso não esquecer que  o PS, como a generalidade da partidocracia (incluindo o PCP e o Bloco) consolidaram o seu poder, não pelo desenvolvimento de uma sociedade democrática participativa, mas apenas através da compra populista de votos, à custa, primeiro, do ouro que Salazar obrigou os portugueses a poupar, depois, à custa dos fundos comunitários, e já durante a fase final deste regime (comandado por uma banda de piratas que tomou conta do PS), à custa de um endividamento criminoso. Ora estas e outras árvores das patacas acabaram, e portanto agora, sem poderem comprar mais votos, nem poderem verdadeiramente prometer o paraíso social, resta-vos o quê? Talvez uma rebelião luterana!

O pirata Sócrates ajoelhou quando os banqueiros piratas locais lhe disseram que não havia mais dinheiro, nem quem emprestasse. A Troika chegou, enfim, por culpa de um crime que falta julgar. Não confundamos as coisas!

Os partidos do chamado arco governamental assinaram de joelhos o Memorando. Que outra coisa podiam fazer?

Entretanto, uma parte do compromisso assinado —reforma do estado, redução das rendas excessivas, e desmantelamento dos oligopólios económico-financeiros instalados (medidas expressamente inscritas no Memorando)— foi sendo sucessivamente adiada, com a bênção do PS, e amnésia do PCP e do Bloco, sempre perdidos nas suas rezas obsoletas!

Resultado: o governo laranja transformou-se numa espécie de terrorista fiscal, única forma de compensar a não renegociação das 120 PPP, a não redução dos CIEGs e outras rendas escandalosas, e a não reforma do estado ineficiente, partidarizado e paquidérmico que temos.

Só que a fadiga fiscal e a seca fiduciária chegaram ao limite. Agora, ou reformamos rapidamente o estado, ou cairemos no clube grego em menos de um ano :(

O PS indignado é uma farsa! Haja alguém que reforme este partido, antes que desapareça!

quarta-feira, novembro 02, 2011

Dia de los muertos (uma farsa grega)

Os Estados Unidos não desistem de tentar tudo para acabar com o euro. Mas o dólar cairá primeiro!

A caveira coberta de diamantes do artista britânico Damien Hirst é bem a metáfora do dia de hoje!
Foto©Daily Mail

Greece has stunned Europe by calling a referendum on the bailout plan agreed to by EU leaders last week. The move throws efforts to rescue the euro into doubt and heralds weeks of market turbulence ahead of the vote. A Finnish minister said Greece will in effect be voting on whether to remain in the euro.
— Spiegel Online, 1-11-2011

Das duas uma: ou estamos perante a sabotagem de um agente infiltrado de Washington —cujo objectivo é destruir o euro—, ou de um demagogo populista vagamente idiota, o que não é verosímil.

A verdade é que foi este mesmo grego-americano, George Papandreu, quem, com apoio da Goldman Sachs, ajudou a esconder o endividamento grego até... à bancarrota!

Basta ler a sua biografia para perceber quase tudo. Do desastre olímpico, ao novo e ruinoso aeroporto de Atenas, passando pelas contas públicas marteladas com o auxílio, pago a peso de ouro, da Goldman Sachs, tudo este monarca republicano e o seu antecessor "socialista" (Costas Simitis) fizeram para enterrar a Grécia!

Crer que esta criatura teve uma inspiração divina na véspera do Dia dos Mortos, e que tão só o vento levou as palavras solenes proferidas na sequência da cimeira que cortou pela metade os dividendos esperados por quem apostou na dívida grega e perdeu, ou é ingenuidade ou confusão entre democracia e populismo referendário.

Five banks -- JPMorgan, Morgan Stanley, Goldman Sachs, Bank of America Corp. (BAC) and Citigroup Inc. (C) -- write 97 percent of all credit-default swaps in the U.S., according to the Office of the Comptroller of the Currency. The five firms had total net exposure of $45 billion to the debt of Greece, Portugal, Ireland, Spain and Italy, according to disclosures the companies made at the end of the third quarter. Spokesmen for the five banks declined to comment for this story.
Bloomberg, 1-11-2011

Há 46 milhões de americanos a recorrerem à sopa dos pobres. No sonho americano chama-se Food Stamps e dá direito a cartão de plástico emitido pela insuspeita JP Morgan.

As the European news flow overflow continues, it is useful to occasionally look at how America's own economy is doing. After all remember that the latest paradigm is that the US will decouple from everyone (as is always foolishly and erroneously assumed whenever the ROW turns lower) and carry the weight of the global economy on its own shoulders. So here is this month's refresh from the Supplemental Nutrition Assistance Program, which informs us that in August, a new all time record number of Americans, or 45.8 million, relied on food stamps for sustenance.
 — ZeroHedge, 1-11-2011

Talvez seja bom recordar, a propósito desta farsa grega, e da aflição americana, uma pequena sociedade secreta chamada Skull and Bones. Só por acaso as coisas acontecem por acaso.


POST SCRIPTUM

A China indicou hoje esperar que a zona euro permaneça fiel ao plano de resgate aprovado há uma semana e reafirmou a disposição de "continuar a investir" na Europa, depois do referendo anunciado na segunda-feira pela Grécia.
Negócios online, 2-11-2011.

A única forma de avaliar as notícias financeiras desta crise global é imaginar um teatro de guerra financeira entre os EUA e a Eurolândia, de que as moedas japonesa e chinesa são uma espécie de actores oscilantes. Algumas das guerras militares convencionais e assimétricas em curso, actos de terrorismo, invasões ilegais de países e mudanças de regimes são obviamente parte desta mudança dos termos de troca mundiais. O império anglo-americano está em declínio acelerado. A sua última grande batalha é a batalha pelo par dólar-libra. E o seu inimigo estratégico, ao contrário do que se quer fazer querer, não é a China, mas o euro!

O volte-face grego de ontem não foi mais do que uma manobra imposta à Grécia pelos amigos americanos do americano-grego Papandreou. Como todas as provocações bem montadas, é uma operação populista quase perfeita, e conta, como não podia deixar de ser, com o olhar complacente dos ingénuos e dos distraídos, e sobretudo conta com o apoio militante dos burocratas oportunistas da Esquerda Empalhada Europeia!

A grande armadilha montada à União Europeia passa obviamente por lançar o euro na corrida descendente da desvalorização —forçando o BCE a baixar os juros, a parir euros do nada e, por conseguinte, a esvaziar a própria dívida europeia. Isto significará por em marcha a expropriação acelerada da poupança europeia, por via fiscal e através de uma inflação acelerada. Isto significará, em suma, se vier a ocorrer (a Alemanha poderá sempre mandar o euro às urtigas!), que os súbditos britânicos, incluindo os patetas americanos, conseguirão encurralar uma vez mais a Alemanha. Vale-nos, por enquanto, o namoro apaixonado entre Angelita e Sarko. E vale-nos, sobretudo, a inteligência estratégica da China e em geral dos países emergentes (com particular destaque para o Brasil)

act. 2-11-201122:51

segunda-feira, maio 19, 2008

Espanha 4

Manif a favor do uso da língua galega na Galiza
Santiago de Compostela: a favor do uso oficial efectivo da língua Galega.

Ibéria: dois ou mais Estados?

Findo o ciclo colonial, de que as ditaduras Franquista e Salazarista foram os derradeiros símbolos, e sobretudo perante a dinâmica da União Europeia, vai ser muito difícil impedir que os anseios independentistas profundos da Catalunha acabem um dia destes por chegar à almejada recuperação da sua perdida independência. O mesmo se dirá do País Basco, ou melhor, da antiga Navarra. E creio que é tempo de sabermos para onde se inclinará a Galiza -- se para Madrid apenas, ou se finalmente para Portugal também. Os sinais recentes são sintomáticos: a chamada Espanha das autonomias entrou num impasse, que apenas poderá agravar-se à medida que o milagre económico espanhol começar a esmorecer e os fundos comunitários chegarem ao fim (em 2013-2014), como podemos constatar nas notícias deste domingo vindas da Galiza e da Catalunha, mas também do reavivar do processo pendente de Olivença, de que abaixo dou conta.

Pergunta-se: como deverá Portugal reagir à polémica e aos apelos?

Em primeiro lugar, participando sem complexos na discussão em curso, respeitando naturalmente o melindre do problema.

Em segundo lugar, defendendo uma visão estratégica própria clara que em nenhum momento suscite dúvidas sobre a nossa rejeição liminar de qualquer forma de federalismo radial com capital em Madrid. Pessoalmente, acredito que a Espanha poderia evoluir para um Estado federal a sério, em vez de persistir no actual esquema autonómico, cujo resultado mais visível parece ser a crescente macrocefalia de Madrid e a radicalização dos movimentos independentistas, que aumentará à medida que finde o maná de Bruxelas. Também creio que a Ibéria, como grande região estratégica da nova Europa, poderia evoluir, resolvido que fosse o caso espanhol, para uma rede colaborativa de Estados e Nações sustentada em objectivos comuns e compromissos claros, sem quaisquer tentações centralistas, fazendo desta cabeça europeia um dos elos decisivos da força europeia futura.

Sobre a questão linguística, falo do que sei: na península ibérica há três línguas historicamente consolidadas: o Português (com cuja normas internacionais o Galego deve alinhar se quiser efectivamente preservar o seu património linguístico próprio e participar de uma diáspora linguística a caminho dos 240 milhões de falantes), o Castelhano/Espanhol e o Catalão. O Basco, por sua vez, embora recheado de espanholismos, poderá vir a consolidar-se como um idioma efectivo ainda que residual. Ou seja, muito provavelmente, teremos antes de 2050, na península ibérica, quatro línguas oficiais efectivamente faladas pelos povos que a habitam. Não vejo nenhum dramatismo nisso. Antes pelo contrário.


Reflexões complementares podem ser lidas em Espanha 3, Espanha 2, Espanha e Portugal 12.


Galiza: 25 mil pessoas reunidas em defesa da língua galega

18-05-2008 16:10:00. Vinte e cinco mil pessoas manifestaram-se hoje em Santiago de Compostela, na Galiza, em defesa da língua galega, criticando a alegada tentativa estatal de impor o uso do castelhano naquela região autónoma espanhola.

«O que nós exigimos, acima de tudo, é o reconhecimento da condição internacional da nossa língua, que é falada por centenas de milhões de pessoas no mundo, quer como língua nativa, como é o caso dos galegos, quer como língua oficial de oito Estados», disse, à Lusa, Alexandre Banhos Campo, um dos principais mentores desta manifestação.

«A nossa língua não é regional nem dialectal, mas sim internacional. O galego é o português da Galiza, e o que nós queremos é que o galego se confunda com o português, mantendo, obviamente, as suas especificidades próprias», acrescentou. -- in Diário Digital.

Catalunha garante que "Espanha ainda não assumiu independência de Portugal”

18.05.2008 - 14h26 Lusa. O vice-presidente do Governo Autónomo da Catalunha, Josep-Lluís Carod Rovira, disse hoje em Barcelona que Espanha ainda não assumiu que Portugal é um Estado independente. Carod Rovira considera que Madrid pretende manter uma "tutela paternalista" e uma atitude de "imperialismo doméstico" sobre o Estado Português, onde, acrescentou, "historicamente, sempre houve um certo complexo por parte de alguns sectores dirigentes em relação a Espanha". -- in Público.

PS: sobre a polémica provocada por este sound bite do político catalão, e a ingenuidade dos que crêem na absoluta bondade da diplomacia Castelhana, há que reflectir um pouco... Se souberem responder à pergunta: porque censurou o El País a figura de José-Manuel Durão Barroso nas duas fotos que publicou da Cimeira das Lajes (Açores), antes do início da guerra contra o Iraque, ficarão com uma bela ideia sobre as ambições óbvias do nacionalismo espanhol face a Portugal.

O Sr. Saramago, que defende abertamente a submissão de Lisboa a Madrid, não tem autoridade moral para atacar os independentistas catalães! Escreva livros!

Fotos censuradas pelo El País sobre a Cimeira dos Açores: falta o então primeiro-ministro português! Foto 1, Foto 2.

Olivença: Manifesto de 1 de Maio

Passam hoje duzentos anos sobre o Manifesto de 1 de Maio de 1808, acto legislativo do Príncipe-Regente após a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil na sequência da invasão francesa comandada por Junot, pelo qual o Governo Legitimo e Soberano de então declarou «nulo e de nenhum efeito» o Tratado de Badajoz, assinado sob a coacção dos exércitos espanhóis e franceses, sete anos antes.

Assim foi repudiada a ocupação de Olivença por Espanha, alcançada com um acto de guerra que nem o Direito de então havia de admitir, conforme veio a explicitar o Congresso de Viena, em 1815.

Com o Manifesto de 1 de Maio de 1808, Portugal jamais reconheceu ou aceitou a ocupação de Olivença pelo Estado espanhol, posição que obteve e tem consagração constitucional.

O Manifesto, proclamação da perenidade e independência de Portugal, visto por todos os portugueses como indicação para a insurreição contra os invasores, teve para os oliventinos, em particular, o significado de que a sua Pátria não os esquecia e não os abandonava. Duzentos anos de separação forçada não apagaram a identidade mais profunda e verdadeira de Olivença.

O reencontro de Olivença e Portugal, sustentado na História, na Cultura, no Direito e na Moral, sendo uma promessa por cumprir, é desafio para ambas as margens do Guadiana. -- Amigos de Olivença.

OAM 363 19-05-2008, 04:08

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Tratado Europeu 4

Mapa Parcial dos Eixos de Transportes na Europa e Regiões Vizinhas
Mapa Parcial dos Eixos de Transportes na Europa e Regiões Vizinhas (doc. integral)

É preciso ver a floresta!
Razões que fizeram cair a oportunidade do referendo constitucional europeu.

Do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007:
ARTIGO II-101.º
Direito a uma boa administração
  1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
  2. Este direito compreende, nomeadamente:
    a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente;
    b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
    c) A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
  3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
Basta ler este fragmento do Tratado de Lisboa para percebermos até que ponto, pelo menos nós, os portugueses, ansiamos por uma Europa estratégica e com horizontes largos. É o único empurrão que nos pode livrar da pequenez, indolência, endogamia e corrupção localmente instaladas. É a única janela de esperança para os que vierem depois dos burocratas do quotidiano que há trinta anos, em nome de uma revolução que não fizeram, sentados avidamente à mesa do orçamento, presumem de democratas bem pensantes. Para se perpetuarem num poder que não merecem, puseram 60% da população do rol de dependentes do Estado, endividaram o país, mantiveram boa parte dos sistemas corporativos herdados do Salazarismo, fomentaram redes descaradas de nomenclatura ideológica e partidária, em suma, sequestraram o regime democrático para seu uso e proveito. A nata deste regime imprestável tem uma única aspiração em mente: entrar no restrito grupo de plutocratas que manda em Portugal. Qualquer português inteligente, honrado e que disponha de alguma informação sobre o que se passa, não pode senão desejar ardentemente entregar o que for preciso da nossa soberania para que alguma racionalidade e decência se instalem, de uma vez por todas, neste sítio indecoroso. Há um Portugal febril de iniciativas e de ilusões generosas, e há o Grande Albergue do Zombie Lusitano, onde habita esta sub-espécie social manhosa, imbecil e protegida, que teima em fazer definhar a esperança onde exista. Nesta guerrilha surda entre a inércia e o movimento, a divisão tradicional entre esquerda e direita deixou de fazer sentido. A nova divisão vai sendo estabelecida entre os que pensam, criam, produzem e amam, e aqueles que especulam, apodrecem nas burocracias, vivem para o poder ou roubam.

O tam-tam mediático anda entretido com os ossos que o poder político e financeiro lhes lança para roer. Na semana que corre, por exemplo, em vez de se perguntarem sobre o que terá levado um juiz a decretar prisão domiciliária para o assassino confesso de uma personalidade com conhecidas ligações políticas (refiro-me ao caso do "Director dos CTT decapitado", Maurício Levy), satura o espaço noticioso com o processo policial e jurídico que conduziu à presunção de "associação terrorista" (!) relativamente a uns provocadores profissionais, supostamente a soldo de máfias portuenses. Em vez de vermos os políticos a exigir do Banco de Portugal, da CMVM e da Polícia Judiciária uma rápida investigação das actividades aparentemente ilícitas e danosas da banca privada portuguesa, exigindo que os casos que envolvem nomeadamente o BES e o BCP sejam levados até fim e sejam, desde logo, matéria de interesse para a Assembleia da República, temos os tímpanos a zumbir com os argumentos demagógicos a favor do referendo ao Tratado de Lisboa.

O fracasso do referendo ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (também conhecido por Tratado da União Europeia), por motivos que deveram mais às situações internas da França e da Holanda, do que a uma rejeição conscienciosa do conteúdo do texto constitucional referendado, colocou a burocracia de Bruxelas e a generalidade dos políticos europeus interessados no avanço da União perante uma escolha difícil: ou recuar simplesmente, deixando a Europa estrategicamente desarmada perante parceiros, concorrentes e rivais mundiais (Estados Unidos, Rússia, China, etc.), ou reagir prontamente, procurando uma forma expedita de mitigar a impossibilidade de fazer aprovar uma verdadeira constituição europeia. O resultado final tem um aspecto horrível!

Chama-se Projecto de tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Este documento, assinado pomposamente em Lisboa, é virtualmente ilegível como está, na medida em que se trata basicamente de uma errata do tal Tratado Que Estabelece uma Constituição para a Europa, que foi chumbado em dois referendos e aprovado em vários outros. Porém, se a errata tivesse sido previamente vertida no texto do Tratado, como deveria se vivêssemos num mundo razoável, por-se-ia de novo a questão terminológica de se estar a aprovar um Tratado Constitucional. O que se fez então (parece que sob inspiração de Sarkozy) foi aprovar alterações, supressões e acrescentos ao suspenso Tratado da União Europeia, bem como ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, esperando-se agora que os diligentes funcionários de Estrasburgo compilem o documento final a ser presente, para discussão e aprovação, aos 27 parlamentos da UE. A Irlanda submeterá a referendo o agora chamado Tratado de Lisboa, nome suave e bonito que evita o fantasma federativo por mais algum tempo. Veremos se outros países seguirão as suas pisadas (no caso, decorrentes de obrigação constitucional própria.)

Como bem observou o primeiro ministro das finanças de José Sócrates, Luís Campos e Cunha, a alternativa ao SIM, neste caso, é apenas o vazio, um grande e desestabilizador vazio constitucional. Que alternativa realista resta pois a um pequeno ou mesmo médio país europeu que resolva rejeitar o Tratado de Lisboa? Em bom rigor, apenas a porta de saída da União, prevista no Tratado! É isso que os irresponsáveis do Bloco de Esquerda e do PC querem? Se é, digam-no francamente, para que todos fiquemos a saber. Se têm propostas concretas de alteração do documento, digam quais são. Ou será que pretendem apenas delapidar mais erário público e obter tempo de antena extra para repetiram ad nauseam desconexas cartilhas? Não sabem já que a maioria dos portugueses aprovaria o Tratado de Lisboa se, por conveniência própria, Sócrates resolvesse optar pelo referendo? E a quem serviria a mais do que certa e humilhante derrota destes partidos? A estupidez política revelada por uma tal insistência demagógica ficaria escancarada. Não se livrariam sequer da acusação de irresponsabilidade e insensibilidade fiscal. Acaso referendámos a Constituição Portuguesa ou alguma das suas alterações? TENHAM JUÍZO!

Não creio que o pragmático primeiro ministro que temos caia na grosseria de romper o acordo tácito estabelecido com os demais governantes europeus nesta delicada matéria. Mesmo tendo a certeza de que venceria o referendo, uma tal guinada para mero consumo interno (e preparação/teste da Oposição) seria um tiro fatal no prestigiante contributo dado pelo governo e pela diplomacia portuguesa à Europa nestes últimos seis meses.

Em 6 de Junho de 2005, depois do fracasso dos referendos francês e holandês, tomei nota de algo que pode servir a presente reflexão:
Num artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes" encontrei alguns dados interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no futuro do Estado Providência. -- in A Multidão Europeia quer Votar!
A discussão forçada sobre a necessidade imperiosa de um referendo para legitimar a actualização dos tratados da União Europeia acordada em Lisboa não tem nenhuma justificação, nem formal, nem de princípio, nem substancial.

Formalmente, o novo documento não se reveste de nenhuma característica que o distinga dos tratados anteriores, cujas assinaturas tiveram sempre lugar entre representantes dos países aderentes. Na perspectiva dos princípios, a redacção e aprovação de tratados internacionais sempre foram competências de governos e instâncias parlamentares, pelo que o recurso a campanhas referendárias como forma de legitimação democrática acaba por ser a excepção e não a regra. Por fim, no que se refere à substância, são óbvias três realidades:
  1. 99,9% dos cidadãos portugueses não leram, nem vão ler tão cedo, os documentos que constam da síntese que deu lugar ao Tratado de Lisboa;
  2. apesar disto, a maioria dos portugueses confia no objectivo geral do Tratado de Lisboa: fazer da Europa um grande espaço de liberdade, de igualdade perante a lei, de tolerância, de democracia, de paz e de prosperidade económica;
  3. sendo certo que os principais partidos do arco parlamentar, nomeadamente aqueles que formam o arco da governação, apoiam o desígnio estratégico da União Europeia, e no caso vertente, aprovam mesmo o Tratado de Lisboa, não se vê porque motivo deverão os cidadãos exigir a realização de um referendo para nele reiterar aquele que é consabidamente o seu sentimento sobre a matéria, ainda por cima conforme às posições amplamente expressas pelos partidos que formam uma clara maioria de 2/3 na Assembleia da República.
Levar o Tratado de Lisboa a referendo seria apenas uma maneira manhosa de obter um cheque em branco à ordem da peculiar indolência partidária e parlamentar que caracteriza o estado actual do regime democrático. Se houvesse referendo, o SIM venceria. E vencendo o SIM, os nossos queridos deputados e os nossos queridos ministros teriam mais uma justificação para a sua proverbial passividade política em tudo o que diz respeito à defesa dos interesses nacionais no caleidoscópio de interesses e matizes culturais da União. O lema da União é: "Unida na diversidade". Ora, para defender esta diversidade, fonte primordial das vantagens competitivas da União, como declaradamente o fazem países como a Dinamarca e o Reino Unido, o país precisa de políticos cultos, imaginativos, enérgicos e trabalhadores. Não precisa de uma ganga de penduras, cujo único objectivo é levar para casa todos os meses, trabalhando quase sempre em regime de part-time, 10 a 15 salários mínimos!

Defendi a realização do referendo ao Tratado Constitucional quando o mesmo prefigurava de facto uma aceleração federalista (que propugno) dos tratados, em direcção à criação de uma verdadeira Constituição Europeia. O documento de então, que acabaria por ser rejeitado nos referendos francês e holandês, era explicitamente definido como um "Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa". Não é pouca a diferença com o Tratado de Lisboa! Por isso, num caso, se justificava a realização de referendos em todos os países europeus da União, e noutro, não.

O governo português deve disseminar o Tratado de Lisboa, desde logo editando-o e pondo-o à disposição dos cidadãos, em formato electrónico no prazo de poucas semanas, em forma de livro tradicional, no prazo máximo de dois ou três meses. O parlamento deve trabalhar, discutindo substancialmente o documento, por forma a que o essencial das ideias contidas no documento e as objecções de quem se lhe opõe fiquem concreta e limpidamente explicadas aos cidadãos.

Post scriptum (12-02-2008) -- Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia: "versões consolidadas do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que passa a chamar-se Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com as alterações neles introduzidas pelo Tratado de Lisboa".

OAM 296 19-12-2007, 05:05

terça-feira, dezembro 04, 2007

Venezuela 2

Venezuela, Referendo Constitucional, 2007, Cartel, Foto AP
Venezuela, Referendo Constitucional, 2007, Cartel, Foto AP

Então não houve fraude eleitoral?!

"Habrá que madurar y seguir construyendo nuestro socialismo" -- Hugo Chávez.

Caracas, 03 de diciembre de 2007. "No hemos perdido nada (...) los programas de Gobierno continúan", expresó el presidente de la República, Hugo Chávez Frías, la tarde de este lunes, mediante un contacto telefónico en el programa "Dando y Dando", donde felicitó una vez más al pueblo venezolano por la conducta asumida este domingo durante las elecciones del referendo constitucional.

"La propuesta de reforma es mucho más que una propuesta de reforma, son unos lineamientos estratégicos, algunos de los cuales incluso, quizás con menor peso, con menor intensidad, caben dentro de la Constitución, es un programa social de avanzada", dijo.

"Los consejos comunales aún cuando no están en la Constitución son una realidad, la geometría del poder se ha despertado, vamos a buscar y seguir trabajando en ello, en cómo darle un giro en el marco de la Constitución hasta donde se pueda", agregó el primer mandatario.

Para el presidente Chávez, quizás, éste no era el momento de asumir el proyecto de reforma. "Habrá que madurar y seguir construyendo nuestro socialismo".

"Puede ser que aún no estamos maduros y preparados políticamente para asumir sin temores y sin dejarnos atemorizar por la propaganda adversaria, un proyecto abiertamente socialista. Eso habrá que discutirlo", dijo.

Indicó que uno de los retos que desde hoy en adelante tiene el pueblo venezolano es demostrar con hechos en qué consiste, (más allá de la teoría), el proyecto socialista. "Levantemos las banderas del socialismo, estudiemos y compactémonos mucho más", expresó el líder de la Revolución Bolivariana.

El Jefe de Estado señaló además que es necesario que los adversarios a la reforma evalúen su victoria. "Ni un paso atrás, yo llamo al pueblo a que levantemos la moral".

Sobre la actitud honesta y democrática que tomara, tras recibir los resultados del ente comicial en la madrugada de este lunes, Chávez indicó "actué en consecuencia con ustedes mismos y con la dignidad de este pueblo".

Reiteró su tesis, en cuanto a la excelencia de la propuesta del proyecto de reforma, y sobre este aspecto destacó "falta tiempo para ese salto, yo creo en el libro rojo, es una propuesta muy buena, es múltiple, compleja y habrá que seguir trabajando en el orden ético, social, económico, político y geográfico. No hay que decir que fracasamos en esta propuesta, ahí está y hay que seguir discutiendo sus bondades, porque esa propuesta es positiva hasta para los que no votaron por ella".

El mandatario nacional hizo un llamado una vez más a todos los venezolanos revolucionarios para que acepten dignamente los resultados de las elecciones.

"Hemos avanzado mucho, no estoy exagerando cuando digo que no hemos perdido nada, no significa ningún debilitamiento del gobierno. He escuchado algunas opiniones de personas que se han acercado gritado en el Palacio, alegando que si hubo fraude o que fue por los traidores. Yo llamé al Vicepresidente para que hable con ellos, es importante mantener la moral, hemos hecho lo que se debía, ahora la propuesta continua. Con esto hemos ganado en conocimiento y cultura, no empecemos a buscar culpable entre nosotros mismos".

Durante el programa "Dando y Dando" que transmite VTV, Chávez leyó un mensaje enviado por el presidente cubano Fidel Castro, quien lo felicitó por su discurso en la madrugada de este lunes, el cual calificó como digno y muy ético. -- FS/LD/Venezolana de Televisión.

A "esquerda" europeia, sobretudo portuguesa e espanhola, parecem sentir uma urticária danada sempre que ouvem a palavra "socialismo", ou têm diante de si um país em dificuldades passando por uma qualquer experiência de democracia mais popular, isto é, menos previsivelmente controlada pelas sofisticadas e corruptas plutocracias que hoje dominam as mitigadas democracias ocidentais.

Afinal o que estava em disputa, e acabou por derrotar Chávez, no referendo do passado dia 2 de Dezembro, era a possibilidade de o presidente da Venezuela deixar de estar sujeito a qualquer limite de mandatos. Quer dizer, não era um caso de entronização, como ocorre na monarquia aqui ao lado ou na corrupta Albion, mas de uma referendária modificação constitucional visando possibilitar o exercício sem limites temporais da presidência da república, desde que o pretendente conseguisse a maioria do voto popular. Nada, portanto, nesta fórmula de renovação dos mandatos democráticos, que não ocorra entre nós, portugueses e europeus, em variadíssimos processos de renovação dos mandatos executivos, quer na organização política do Estado, quer nas agremiações, por exemplo, sindicais! Basta olhar para os rebanhos lusitanos de deputados nacionais e autárquicos, ou para o caso de estudo da Madeira, para se perceber o ridículo da "nossa" indignação (mediaticamente induzida) face ao referendo promovido por Hugo Chávez.

Ao contrário de George W. Bush, que roubou as últimas eleições presidenciais americanas, para poder prosseguir a guerra de ocupação contra o Iraque e a promoção do inferno bélico no Médio Oriente, e que interferiu no referendo venezuelano ao ponto de ter autorizado o desenvolvimento de um plano de desestabilização do país, a cargo da CIA, o populista Hugo Chávez, depois de perder a consulta popular, reconheceu de imediato a derrota (por menos de 2 pontos percentuais), e pediu unidade ao país, ao mesmo tempo que reiterou a sua vontade de prosseguir com o projecto de instaurar na Venezuela um regime nacionalista, de inspiração socialista, adequado ao país, ao sub-continente e ao século 21. Compare-se isto com o último avatar do "socialismo" lusitano, José Sócrates, posto onde está para que o país se deixe vender sem dor ao mini-hegemonismo espanhol (via BBVA, Santander-Totta, Endesa, Iberdrola, CEPSA, Repsol, Somague-Grupo Sacyr Vallehermoso, Abertis, Telefónica, etc.) e ficaremos com um bom tema para meditar. Não foram o actual primeiro ministro português e o actual ministro dos negócios estrangeiros português quem, na Oposição, defenderam um referendo em Portugal sobre o novo Tratado Constitucional europeu (1), e agora pretendem evitar a consulta popular em nome de uma aprovação na alcova do parlamento viciado que temos? Em que ficamos? Onde fica a democracia? No "socialismo" populista de Chávez, ou na traição permanente do PS português?

Eu não tenho especial simpatia pelo ex-militar que governa a Venezuela, mas tão pouco nutro qualquer tolerância ideológica pelas eternamente corruptas elites latino-americanas (putas eternas dos imperialismos de turno e chulos criminosos do seu próprio povo.) Ao longo das décadas de 80 e 90, depois de se terem arruinado sob o império do vizinho rico e poderoso do norte, apanhando-o distraído com o desafio oriental e pós-soviético, resolveram perder-se de amores com a antiga potência colonial, até que a implosão económico-financeira da Argentina revelou algo que vem em todos os manuais: o imperialismo é todo igual e actua sempre da mesma maneira. Se perdermos a dignidade e vendermos o corpo ao primeiro que nos acene com um par de notas (ainda por cima virtuais!), acabamos doentes e na mais completa miséria material e ética. Foi o que aconteceu na Argentina, e é isso que a Venezuela, a Bolívia, o Equador e a Nicarágua, entre outros, não querem ver repetido nos seus países. Felizmente têm o petróleo venezuelano e o Brasil para alimentar tal sonho. Como poderia deixar de apoiá-los em tão justa aspiração? O que nós todos devíamos fazer era ir passar o Natal à Venezuela. Para ver, ouvir e conversar com as partes. Não há nada mais fascinante e divertido do que uma revolução. Lembram-se?



NOTAS
  1. Note-se que sou a favor da solução da aprovação parlamentar do Tratado, pois considero que um referendo, no caso em apreço -- isso sim--, seria uma farsa de democracia! A diferença da minha posição relativamente à do Socratintas, é que não mudei de avental por mero cálculo político.

OAM 288 04-12-2007, 23:27

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Portugal e o aborto 3

SIM!

Dos 8.832.628 eleitores inscritos votaram 3.851.613, i.e. 43.61%.

A legislação portuguesa obriga, estupidamente, a que 50% dos inscritos votem para que um referendo seja vinculativo. Imagine-se o que sucederia à nossa democracia se o mesmo critério fosse aplicado às eleições legislativas e presidenciais! Assim sendo, no caso do referendo de hoje, sobre o aborto até às 10 semanas, a primeira conclusão que se pode tirar é que o mesmo não é juridicamente vinculativo. Esta conclusão merece contudo ser analisada mais de perto.

Sabendo-se que há uma "abstenção técnica" na ordem dos 5 a 7 pontos percentuais, oriunda de erros nos cadernos eleitorais (eleitores falecidos e sobretudo importantes fluxos emigratórios recentes não reflectidos no cômputo nacional de eleitores), fica no ar a dúvida se na realidade não votaram mesmo 50% dos eleitores reais do país.

O "SIM" obteve 59.25% dos votos validamente expressos.
Esta vantagem de 18.5 pontos percentuais sobre o "NÃO", permite chegar a uma conclusão relevante: mesmo que todos os votos que faltam para atingir a meta jurídica dos 50% (mais um...) fossem votos do "NÃO", i.e. 6.39%, a "SIM" continuaria a sair largamente vencedor, tendo neste caso uma vantagem de 12.11%.

A validade política deste referendo alinha Portugal com a maioria europeia.
A verdade material dos resultados não pode, pelas razões acima aduzidas, oferecer grandes dúvidas ao eleitorado. Se os cadernos eleitorais fossem limpos da "abstenção técnica" (acentuada recentemente pelo novos fluxos emigratórios de longa e curta duração), ter-se-ia muito provavelmente cumprido o critério absurdo dos 50% estipulado pela lei do referendo; se todos os votantes que faltaram ao quorum deste referendo viessem a votar no "NÃO", nem por isso deixaria de vencer o "SIM" e portanto a tese daqueles que apoiam a despenalização do aborto e o apoio do Estado à sua realização em condições de dignidade e qualidade sanitária, no período que vai desde a fecundação até às dez semanas de gestação. Daí falar-se, com propriedade e justeza, da natureza "politicamente vinculativa" do resultado de hoje. Aduz ainda a este género de legitimidade o facto de se ter respeitado a vitória "não vinculativa" do "NÃO" aquando do anterior referendo sobre esta mesma matéria. Por uma questão óbvia de coerência, ter-se-ia agora que respeitar o "SIM".

O nova lei da IVG e a política orçamental da actual maioria socialista.
O referendo mostrou que o país não deixou de evoluir ideologicamente no sentido de uma convergência assinalável com os padrões racionais e democráticos dominantes na União Europeia. Apesar do peso reaccionário das religiões, sobretudo nas zonas rurais, e do atavismo natural das franjas socialmente mais desprotegidas da sociedade, a crescente urbanização e suburbanização do país, pela sua intrínseca natureza sociológica e económica, acabou por impor-se às fantasias misóginas de uma direita ideológica imbecil e hipócrita. O imediato acolhimento dos resultados do referendo por parte de Marques Mendes (líder muito fraco do segundo maior partido do arco governamental) reflecte, apesar de tudo, um saudável instinto de sobrevivência.

Quanto ao PS, terá que dar rápido andamento às expectativas criadas por esta vitória do "SIM". Não basta descriminalizar o aborto, pois o principal da tarefa está noutro lugar da política: assumir e garantir uma política de saúde à altura dos desafios decorrentes de um panorama económico-social muito preocupante. Portugal está à beira da recessão demográfica, não existe nenhuma política séria de incentivo à natalidade, a sangria da emigração regressou ao historial da nossa incapacidade política, o envelhecimento da população ameaça a estabilidade sociológica e económica do país, o aborto clandestino é uma praga. E como todos sabemos, na arena dos jogos políticos, a direita e o titubeante centro-direita nada de substancial e consequente têm a dizer sobre estas matérias. A sua visão do mundo continua a ser, infelizmente, puramente cínica e negativa.

Correndo o risco de me repetir, direi que atravessamos uma fase muito crítica da nossa existência colectiva. As principais ameaças, internas e externas, podem ser caracterizadas como longas emergências, cujos efeitos se farão sentir de forma cada vez mais dramática no decorrer dos próximos 20-30 anos: a emergência climática, a emergência nuclear bélica, a emergência energética, a emergência demográfica, a emergência alimentar e a emergência médico-sanitária. Quem não perceber isto e não agir em conformidade, perdendo tempo e dinheiro com devaneios grandiloquentes, ou insistindo nos velhos e esgotados modelos mentais da economia capitalista ("business as usual"), estará a perder estupidamente uma preciosa vantagem compeitiva: a de se preparar racionalmente para um longo inverno civilizacional.

Dados oficiais sobre o referendo

OAM #172 12 FEV 2007

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Portugal e o aborto 2

Mapa europeu do aborto
Referendo ao aborto em Portugal visto pela BBC

Quando começa a vida humana?


por Scott F. Gilbert

Esta nota pode gerar alguma controvérsia. Teve origem num boletim organizado por um grupo de acção política na nossa universidade. O boletim defendia que enquanto a filosofia e a religião podem ter diferentes opiniões sobre o momento em que a vida começa, a ciência não tem esses problemas. Os estudantes foram informados de que havia um acordo unânime entre os biólogos sobre o facto de o início da vida coincidir com a fertilização, e de que não existia nenhuma disputa sobre este tema na literatura científica. Para além de não passar de uma paródia da ciência (i.e., que os factos científicos são a verdade objectiva e que todos os cientistas concordam com o que tais factos significam), é errado. Eu analisei um amplo leque de posições científicas sobre quando é que a vida começa, e verifiquei que essas posições dependem do aspecto da vida que cada um privilegia na discussão. Eis a minha classificação esquemática sobre a definição do momento em que a vida humana começa. Outras haverá certamente.

-- A visão metabólica: Não há um ponto a partir do qual a vida começa. A célula do esperma e a célula do ovo são tão vivos como qualquer outro organismo.

-- A visão genética: Um novo indivíduo é criado durante a fertilização. É nesse momento que os genes dos dois progenitores se combinam para formar um indivíduo com propriedades únicas.

-- A visão embriológica: Nos humanos, a geminação univitelina pode ocorrer até aos 12 dias p.c. (post coitum). Uma tal geminação produz dois indivíduos com vidas distintas. Mesmo ligados ("Siameses") os gémeos podem ter personalidades diferentes. Assim, uma individualidade singular não é fixada antes do dia 12. (Em termos religiosos, os dois indivíduos têm duas almas). Alguns textos médicos consideram os estádios anteriores como "pré-embriónicos". Esta perspectiva é defendida por cientistas como Renfree (1982) e Grobstein (1988) e tem sido recomendada teologicamente por Ford (1988), Shannon and Wolter (1990), e McCormick (1991), entre outros. (Esta visão permitiria a contracepção, a "pílula do dia seguinte", e agentes contraceptivos, mas não o aborto depois das duas semanas.)

-- A visão neurológica: A nossa sociedade definiu a morte como a perda do padrão EEG (electroencefalograma) cerebral. Reciprocamente, alguns cientistas pensaram que a aquisição do EEG humano (por volta das 27 semanas) deveria ser definido como o momento em que a vida humana começa. Esta perspectiva tem sido avançada mais concretamente por Morowitz e Trefil (1992). (Esta perspectiva e as seguintes permitiriam a realização de abortos entre a 14ª e a 24ª semana de gestação).

-- A visão ecológica/tecnológica: Esta perspectiva vê o começo da vida humana no momento que a mesma pode subsistir fora do seu ambiente biológico maternal. O limite natural da viabilidade ocorre quando os pulmões ganham maturidade, mas os avanços científicos podem agora permitir a sobrevivência de bébés prematuros com cerca de 25 semanas de gestação. (Esta é a perspectiva actualmente dominante em vários estados norte-americanos. A partir do momento em que um feto possa ser potencialmente independente, não pode ser abortado.)

-- A visão imunológica: Esta perspectiva vê a vida humana como começando quando o organismo reconhece a distinção entre eu e não-eu. Nos humanos, isto ocorre por alturas do nascimento.

-- A visão psicológica integrada: Esta perspectiva vê a vida humana como tendo o seu início quando um indivíduo se tornou independente da mãe e tem o seu próprio sistema circulatório, o seu próprio sistema alimentar e o seu próprio sistema respiratório. Este é o tradicional dia de aniversário, i.e. quando o bébé nasce para o mundo e o seu cordão umbilical é cortado.

(tradução OAM)
versão original

Por uma questão de inteligência e humanismo: VOTA SIM

OAM #168 29 JAN 2007

sexta-feira, novembro 03, 2006

Portugal e o aborto

Lennart Nilsson, Life, 1965Ovulo e espermatozoides humanos
Lennart Nilsson, Life, 1965Óvulo humano

A mão de Deus e a hipocrisia nacional


Comecemos pelo princípio: a proposta de referendo aprovada pela Assembleia da República e a que seremos chamados a votar em 11 de Fevereiro de 2007 não é sobre a liberalização do aborto, mas apenas sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas de gestação. Não sei o que levou o PS a baixar o prazo inicial de 12 semanas.

Apesar de estar em causa um processo de decisão política tipicamente democrático, a hierarquia católica não se coibe de intrometer-se onde não é chamada (1). Este não é definitivamente o seu reino, mas a velha e reaccionária Igreja portuguesa (através da sua famosa Conferência Episcopal) ameaça uma vez mais abusar das suas prerrogativas e tribunas dominicais para coagir os seus fieis e promover o escândalo em volta de um tema que só à democracia compete decidir. Fá-lo como instituição hipócrita e historicamente comprometida com o autoritarismo, a corrupção e o atraso económico e cultural do país. Fá-lo em nome de uma fé atávica sibilinamente manipulada. Fá-lo pela voz dos fariseus que administram os tristes templos da cristandade. Fá-lo sem sequer ter a humildade de reconhecer que nem tudo vai bem nos corredores sombrios da sua evidente a antiquíssima misoginia. Fá-lo sem que dela se ouça um único e sincero protesto contra quem sistematicamente promove a corrupção, a fome e a guerra no mundo. No caso das massivas carnificinas programadas de seres humanos, o verbo hipócrita dos cardeais torna-se, em nome da bíblica separação de poderes, abstracto e geral. Mas no caso do aborto, como se de uma ultima ratio essencial à vitalidade do seu poder se tratasse, a igreja católica julga ter uma palavra inalienável a dizer, por cima da legitimidade democrática instituída e contra o Estado que a subsidia generosamente. A igreja católica apostólica romana de Portugal, ao referendo do aborto, disse e votará "Não", apesar da tímida tentativa do Cardeal Patriarca de Lisboa de fazer ver que o tema não era do foro religioso. Tentará, pois, arrastar ilegitimamente a maioria dos seus fieis para o apoio ao encarceramento das mulheres que abortam(2). Talvez fosse bom começarmos por exigir à instituição paroquial lusitana a devolução dos subsídios financiados pelos nossos impostos, em razão do óbvio desvio dos objectivos e destinatários da sua esperada aplicação. Foi assim que os socialistas espanhois começaram, com sucesso, a quebrar a espinha do arqui-reaccionário poder católico espanhol.

Para alguns católicos, em nenhum caso pode uma mulher, homen ou instituição decidir sobre a vida humana intra-uterina. Desde o momento da fertilização até ao eventual nascimento de uma criança a vida humana é coisa sagrada, que só a mão invisível de Deus pode comandar. Por esta mesma ultima ratio o Vaticano opõe-se à eutanásia, mesmo nos casos de doenças incuráveis e extemamente dolorosas; opõe-se à masturbação masculina (na realidade, cada ejaculação realizada fora de um coito entre homem fértil e mulher em idade de procriação pode ser vista como um verdadeiro genocídio de 180 a 400 milhões de espermatozóides!); e opõe-se ao suicídio. Não se opõe, que eu saiba, com o mesmo vigor, à pena de morte ou à guerra, nem muito menos ao celibato dos padres. Que farão estes pobres servos de Cristo aos triliões de espermatozóides que produzem ao longo a vida? Ejaculam nos lençois e administram depois a Extrema Unção aos atarantados herois da nossa espécie?

A igreja católica continua, porém, a exaltar, ou pelo menos a tolerar, a auto-flagelação da carne e o martírio em nome da purificação e da fé. Esta religião defende, pois, a vida como um dom que só Deus pode dar e tirar, salvo se a sua própria lei ou os Estados dispuserem de outra forma! Quando benze as tropas nas vésperas e durante os grandes morticínios civis, coloniais e inter-estatais, quando assiste alegremente ao exercício criminoso, tantas vezes sanguinário e letal das ditaduras, quando "perdoa" os condenados à morte nas vésperas da execução, sem um protesto sequer contra sistema penal que autoriza o assassinato legal de seres humanos, esta igreja aceita sem indignação, sem crítica e sem remorso a mão pesada de César.

No entanto, quando está em causa dirimir os grandes dilemas da história humana, sobretudo quando dizem respeito a dramas profundos, ou à nossa intimidade biológica e antropológica, evidente na interrupção voluntária de uma gravidez, esta igreja hipócrita revela uma inacreditável frieza, insensatez, crueldade ideológica e cinismo político.

Percebo que a vida e a morte tenham sempre constituído o seu inatacado latifúndio especulativo. Mas tal como a reflexão do Papa Benedictum XVI serviu para atacar o fanatismo irracional dos extremistas islâmicos, em nome daquilo que ele chamou, e bem, a superioridade racional do Cristianismo, deveria também servir aos crentes católicos informados para saberem dirimir os conflitos éticos gerados por alguns dos mais antigos e fundamentais dilemas da vida humana na direcção da prudência histórica, mas também de uma corajosa racionalidade humanista.

Quanto aos médicos-especuladores e sirenes parlamentares que proclamam em nome da ciência a sua oposição à legalização do aborto voluntário até às dez semanas, convem dizer que não existe nenhuma verdade científica sobre este tema, mas sim várias perspectivas de abordagem, confluindo as mais recentes e razoáveis para a ideia de que, por um lado, vida humana e ser humano são filosófica e legalmente (3) duas coisas diferentes, e que, por outro, a formação da consciência, ainda que na forma mais primitiva, ou puramente neurológica, tal como o apetrechamento da vida humana para a existência pós-umbilical, nunca poderão ocorrer antes das 24-27 semanas de gestação. Há vida humana, quer dizer informação genética única (e divina na perspectiva dos crentes) no espermatozóide do homem e no óvulo da mulher, mas não há nenhum ser humano potencial até que as formas, os tecidos, os órgãos e as funções essenciais à existência independente de um ser humano tenham sido desenvolvidos no interior do corpo materno, e isto não acontece se não depois de haver actividade cerebral comprovável e capacidade de respiração autónoma. Recomendo vivamente o equilibrado artigo de Scott F. Gilbert sobre o suposto consenso científico em volta da definição de vida humana e ser humanoWhen Does Human Life Begin?

Descriminalizar o aborto voluntário até às 10 ou até às 12 semanas (4) é uma decisão lógica do ponto de vista político, humana do ponto de vista civilizacional e democrática do ponto de vista cultural. Trata-se, no fundo, de decidir sobre uma questão muito difícil, mas inadiável, usando a razão e sobretudo o conhecimento, quer dizer, o estudo contínuo e sistemático de todas as envolventes do problema. A pergunta do referendo proposta pelo PS é muitíssimo prudente, se não mesmo conservadora. Ainda assim é um passo essencial para impedir que a barbárie penal prossiga, sob os auspícios perversos da hierarquia católica, de médicos hipócritas e de uma boa dúzia de juízes impróprios num regime democrático.

A interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas deverá ser um direito responsavelmente partilhado pela mulher que aborta, pelo seu parceiro e pela comunidade. Esta última tem a obrigação científica, social e política de acompanhar de perto este tema tão sensível. Quanto ao inenarrável presidente da Ordem dos Médicos e alguns dos respectivos associados, pseudo devotos do juramento de Hipócrates (segundo o qual nenhum médico poderia exercer cirurgia...), a receita é enviá-los directamente para a medicina privada. No Estado, as regras democráticas são para cumprir!




NOTAS
1. Num panfleto distribuído pela Conferência Episcopal Portuguesa, que me chegou à caixa de correio, aduz-se como argumento fundamental para a intromissão da hierarquia católica num assunto que não lhe diz respeito (nomeadamente ao abrigo da Concordata vigente) a seguinte frase absurda: "O aborto não é uma questão política, mas de direitos fundamentais".
É caso para perguntar quem escreveu esta alarvidade conceptual? Ou que entende a arqui-reaccionária hierarquia católica portuguesa por Política? Pois não é na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Declaração Universal dos Direitos da Criança (que os pedófilos e algumas instituições religiosas, pelos vistos, não respeitam), na Convenção da Genebra, nos Tratados de Não-Proliferação Nuclear, e nas Constituições de todos os países que as têm, que precisamente se definem, estabelecem e regulam os direitos fundamentais? E quem o faz não é precisamente a Política enquanto instância histórica, social e política da vontade dos povos? Desde o tempo de César Tibério, e nas próprias palavras atribuídas a Jesus Cristo, que este problema foi definitivamente resolvido, apesar das resistências dos fariseus de todas as religiões ao longo dos tempos. A racionalidade da Política é uma conquista lenta dos povos; as dogmáticas das religiões, quando exarcebadas (como ocorreu agora com as afirmações da besta episcopal de Bragança-Mitanda) não têm sido outra coisa que o espigão da barbárie!
2. A mulher que aborta vai presa, o mesmo sucedendo aos técnicos de saúde que procederem à intervenção. O estabelecimento que acolher o acto será multado ou encerrado. Só o inocente que ajudou com os seus espermatozóides à fecundação indesejada passa incólume nesta procissão de misoginia inquisitorial.
3. Nem o feto, nem muito menos o embrião, têm personalidade jurídica. É por isso que não se declaram óbitos dos fetos destruídos em consequência da morte acidental da mãe, nem se condena alguém que atropele fatalmente uma mulher grávida de duplo homicídio. É também por isso que um feto não pode ser tido por herdeiro, nem por acusado (por exemplo, na morte eventual da sua progenitora durante a gravidez ou no parto).
4. [31/01/07] O muito retomado argumento pelo NÃO de Marcelo Rebelo de Sousa diz que o referendo em curso não é sobre a descriminalização do acto abortivo até às 10 semanas, mas sim sobre a sua liberalização, a bem do negócio da saúde e com inevitáveis encargos suplementares e sobrecargas de serviço para um SNS abraços com o cumprimento das suas tarefas mais elementares.
Na opinião de Marcelo, seria possível descriminalizar a prática abortiva independentemente da idade do embrião (até às 8 semanas) ou do feto (depois das 8 semanas e até, digamos em abono da sua tese, à 25ª semana), não punindo as pessoas envolvidas no acto abortivo com penas de prisão, mas eventualmente (suponho eu por ele) substituindo tais penas por multas e por uma política de saúde reprodutiva adequada e com meios.
A pergunta que ele faz, sibilina,
não pode deixar de obter resposta. Grosso modo, é esta: a mulher que abortar, clandestinamente, em estabelecimento não autorizado, ou abortar à 12ª semana, continua a ser considerada uma criminosa e a incorrer em pena de prisão?
Em primeiro lugar, o referendo, ao autorizar a realização de abortos até às 10 semanas em estabelecimento legalmente autorizado, define o quadro temporal dentro do qual o Estado, por decisão dos cidadãos, pode proporcionar à mulher apoio médico, segurança e legitimidade social para interromper uma gravidez indesejada, perigosa ou impossível. A determinação temporal das 10 semanas não resulta de nenhum dictat religioso (pois vivemos num Estado laico, no qual a liberdade religiosa jamais poderá sobrepor-se à lei escrita pelos cidadãos), nem sequer de nenhuma verdade científica, objectiva e incontroversa (pois existem várias perspectivas sobre o tema), mas antes de uma ponderação razoável do conhecimento científico actualmente disponível, de uma ponderação da dimensão social do problema e sobretudo da avalição do estado de espírito da cidadania sobre esta questão difícil e sobre os dilemas que a mesma frequentemente coloca a quem tem que a enfrentar na carne.
Em segundo lugar, se o referendo legitimar a IVG até às 10 semanas, esse facto levará naturalmente o parlamento a redesenhar a lei existente sobre o aborto, podendo então, em sede própria de regulamentação, acolher a sugestão liberal e generosa de Marcelo Rebelo de Sousa.
Em terceiro lugar, se Marcelo Rebelo de Sousa votar NÃO, estará simplesmente a prejudicar o natural curso da História, que no caso irá na direcção que pretende, pois parece razoável crer que o sentido de voto da maioria civilizada deste país vai precisamente na direcção de descriminalizar o aborto (independentemente do momento em que se pratique, desde que até à 25ª semana), cuidando de praticá-lo legalmente se dentro de um intervalo considerado tolerável pelo nosso actual entendimento da natureza da vida humana (10-12 semanas), e desincentivando-o fortemente, sobretudo a partir de medidas positivas, da responsabilidade do Estado e da co-responsabilização cidadã.
Como vê Professor Marcelo, para ser coerente, deveria votar SIM! -- OAM



Gato Fedorento (no seu melhor) e o silogisma do Professor Marcelo




OAM #148 03 NOV 2006