Mostrar mensagens com a etiqueta parlamentarismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta parlamentarismo. Mostrar todas as mensagens

domingo, janeiro 10, 2016

O sinaleiro presidencial

Américo Thomaz, presidente da república portuguesa de 1958 a 1974, conhecido como o 'corta-fitas'

A nossa democracia tem vindo a perder sucessivos graus de liberdade


Com o fim à vista da essência do regime saído da Constituição de 1975, o parlamento vai tornar-se o refúgio democrático de um país onde o poder essencial de decidir o que é importante emigrou para Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt.

Desta circunstância ao embaciamento do cargo de presidente da república foi o passo de uma vigência: a do último mandato de Aníbal Cavaco Silva. Mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa, o previsível próximo presidente, consiga promover uma grande coligação à portuguesa, a qual, na realidade, há muito existe e voltou a verificar-se no resgate público do Banif e na subsequente aprovação do orçamento retificativo (o PSD apoiou o PS, votando a favor ou abstendo-se, e depois deste passo garantido, o PCP e o Bloco puderam votar contra em nome das suas cada vez menos convincentes aparências), a abertura futura para acordos de regime orientados para a sobrevivência dos poucos graus de liberdade que ainda nos restam, ainda que necessária e urgente, já pouco poderá fazer pelo poder das elites nacionais. Daí a situação de impasse em que nos encontramos. O próximo presidente da república, mantendo embora os poderes da representação simbólica, da palavra, da chefia suprema das forças armadas, do veto constitucional e da dissolução do parlamento, será cada vez menos capaz de impor soluções às crises políticas que aí vêm. Estas, ou se resolvem no quadro parlamentar, ou terão que ser dirimidas em sucessivas eleições e referendos.

Nada impede, porém, num quadro extremo de degradação insanável da situação política, que os futuros presidentes da república, esgotada a capacidade de promover o diálogo institucional, e perante impasses perigosos, como aquele que poderia ter existido depois das últimas eleições legislativas, mas que acabou por se resolver matando uma convenção não escrita sobre quem deve governar depois de umas eleições legislativas, não use a palavra e a comunicação direta com o povo —i.e. as suas forças vivas— para promover governos de iniciativa presidencial. Seria sempre uma ultima ratio, mas o espaço para esta emergência existe, tem toda a legitimidade constitucional, e porque assim é, não se pode afirmar que o semi-presidencialismo tenha desaparecido. Serão mais os governos a depender do parlamento, do que o presidente a depender de ambos.

Se o próximo presidente vier a promover uma maior e mais isenta relação entre eleitos e eleitores, tornar-se-à então mais verosímil a emergência de uma nova balança institucional entre políticos, partidos políticos, parlamento, governo e presidência da república na sua relação democrática com o povo que a todos legitima direta ou indiretamente.

Profetizar que os próximos presidentes da república não passarão de sinaleiros do regime não chega para transformá-los em figuras decorativas do regime, como Américo Thomaz foi para Salazar e Marcello Caetano.

sexta-feira, dezembro 04, 2015

Democracia parlamentar à vista?

31 de Janeiro, proclamação da República no Porto - 1891
A proclamação da Republica das janellas da Camara Municipal
Grav., Bertrand Dete in A Ilustração, Paris 1891, vol. 3, p. 73
BN J. 1505 M.

Sintomas de um novo regime


A grande novidade, embora dissimulada, do debate do programa do novo governo minoritário do Partido Socialista, apoiado criticamente pelo PCP, Bloco, PEV e PAN, foi a convergência de todo o arco parlamentar em direção à prudência e ao realismo.

Aquilo que hoje ainda parece o soviete supremo de São Bento será em breve, provavelmente, um parlamento forte, que deixará aos futuros presidentes da república mais tempo para viajar, nomeadamente na grande geografia que ajudámos a desenhar desde 1415.

Governo para um ano teremos seguramente. Para toda a legislatura, nada exclui, para já, tal possibilidade.

Vamos precisar dum aparelho de estado mais técnico e estável do que político-partidário e instrumental.

As esquerdas estão, finalmente, em pleno processo de AGGIORNAMENTO.

As direitas devem prosseguir o AGGIORNAMENTO que, aliás, iniciaram com Paulo Portas e Pedro Passos Coelho.

O estigma da ilegitimidade

Não se mudam as regras a meio do jogo, e portanto, Cá se fazem, cá se pagam!

O governo minoritário do partido que perdeu clamorosamente as eleições não é inconstitucional, nem afronta o Código da Estrada, mas é ilegítimo, porque nasceu de uma mudança oportunista das regras a meio do jogo. A regra dizia: deve ser primeiro ministro o líder do partido que vence as eleições. Mas havia ainda outra regra não escrita: PCP e Bloco de Esquerda não fazem parte do arco da governação, pelo que só ganhando eles mesmos as eleições, poderão governar.

Tal como foi fácil a Jorge Sampaio derrubar uma maioria absoluta, pela simples circunstância de o 'povo' não gostar da ideia de ver um primeiro ministro não eleito a substituir o que elegera e entretanto se baldara para Bruxelas, deixando atrás de si a famosa deixa o país está de tanga, também António Costa não tem outro remédio senão ficar para a história como um primeiro ministro ilegítimo. O que não quer em absoluto dizer que não possa vir a ser amado pelo povo. Quantos ilegítimos o foram!

O problema institucional

1102 - Diego Gelmírez, primeiro arcebispo de Santiago de Compostela rouba os restos mortais de S. Frutuoso para expô-las como relíquias na cripta da Catedral de Santiago. Este roubo ficou conhecido como 'pio latrocínio'

1966 - as relíquias são devolvidas a Braga, encerrando-se o incidente ocorrido 864 anos antes.

Desde o ano 45 até 1999 foram consagrados 145 bispos e arcebispos em Braga.
O arcebispo de Braga usa o título de Primaz das Espanhas.

Como se percebe por esta deliciosa história que li de Adolfo Luxúria Canibal, vimos de muito longe, e não nos atrapalharemos com pequenos incidentes democráticos, como aquele que António Costa protagonizou.

Tendo havido e havendo uma coligação partidária e parlamentar negativa contra a maioria relativa que suporta Pedro Passos Coelho, líder do PSD, o regime chegou a um beco sem saída, ou antes, à necessidade de rever in extremis algumas regras não escritas. Por exemplo, que os governos e as maiorias governamentais passam a formar-se no parlamento e não nas eleições; ou que no arco parlamentar todos os partidos são iguais. Ou seja, no caso em apreço, temos António Costa a liderar um governo, mas amanhã, no atual quadro parlamentar, poderemos ter Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, ou André Silva, bastando para tal que o fiel da balança mude de lugar.

Principais protagonistas do debate do Programa do XXI Governo Constitucional

O novo bunker socialista
  • António Costa/ Pedro Nuno Santos
  • Carlos César
  • Augusto Santos Silva
  • Rui Vieira da Silva
  • Capoulas Santos

... e o resto
  • Mário Centeno: um desastre anunciado, foi pior do que alguém poderia imaginar; no entanto, lá recorreu à aura da inclusividade que trouxe a fama a Daron Acemoglu e James Robinson (Why Nations Fail?)
  • Pedro Marques: mantenho uma expetativa positiva sobre o Ministro das Infra-estruturas e Planeamento,
  • João Soares: exigirá ele, e terá, 3% do Orçamento, para fazer da Cultura o epicentro da transformação criativa do país? 1% para as artes; 1% para a informação, comunicação e redes sociais; 1% para o património cultural? Duvido muito.

Os novos aceleradores críticos da Esquerda
  • Mariana Mortágua, Catarina Martins
  • João Oliveira/ Jerónimo de Sousa, Arménio Carlos, João Ferreira
  • Pedro Nuno Santos

PAN, o próximo grupo parlamentar
  • André Silva é uma agradável surpresa

PSD
  • Vai procurar preencher o vazio deixado ao centro esquerda pelo PS de António Costa e fazer marcação cerrada às componentes 'esquerdistas' da agenda do governo minoritário do PS, forçando, uma e outra vez, o PCP e o Bloco a clarificarem as suas posições, e o PS a secundá-las.

CDS/PP
  • Se não clarificar e melhorar a sua agenda conservadora, perder-se-à no meio do processo de mutação rápida do regime iniciada pelas eleições de 4 de outubro.

sexta-feira, novembro 13, 2015

O parlamento como soviete supremo?

O parlamento como soviete supremo?

O regresso ao parlamentarismo, anunciado por António Costa, é uma fraude evidente.


O discurso de António Costa parece caminhar rapidamente para o género chavista de propaganda.

Perdeu as eleições, mas diz que foi a coligação quem as perdeu; não tem nenhuma coligação formalizada com os partidos à sua esquerda, mas diz que tem uma maioria e quer governar quanto antes; derrubou num mês todos os códigos de comportamento parlamentar, mas acusa o PSD e o CDS/PP de estarem em rota de colisão com a democracia; diz que o seu putativo governo será um governo do Partido Socialista, com tudo o que poderíamos esperar de tal afirmação, mas reitera que há linhas vermelhas desenhadas pelo PCP, pelo Bloco e pelos falsos Verdes—ou seja, que derrubou o muro erguido por Mário Soares em 25 de novembro de 1975, mas que há um muro novo a ser levantado por si e pelos estalinistas, maoistas e trotskistas com quem se amancebou, no dia 25 de novembro de 2015.

O problema maior é que este tipo de deriva chavista de António Costa —que ele começou, ao dividir o país entre direita e esquerda— está a crescer. O resultado desta fratura vai ser muito mau para todos, mas sobretudo para as esquerdas no seu conjunto, incluindo a que pensa de forma independente e tem princípios.

O autoritarismo jacobino que regressa a golpes de mentira aflora nas bocas dos intelectuais, jornalistas, técnicos e burocratas mais insuspeitos. É o resultado da indigência que acometeu uma sociedade cada vez mais pobre, de pão, de razão e de ética. Vejam, por favor, os gráficos financeiros de 1926, antes de mergulharem Portugal noutra tragédia.

Se o PS tem pressa e quer uma maioria de governo, e é verdade que PCP, pseudo Verdes e BE querem ajudar António Costa a alcançar tal objetivo, então o PSD está disponível para rever a Constituição e retirar a rolha constitucional que impede a convocação imediata de novas eleições. Só assim se poderá esclarecer, de forma incontroversa, o impasse pós-eleitoral em que António Costa mergulhou o país.

PS, Bloco e PCP-PEV derrubaram o governo minoritário, mas não há um governo de maioria para o substituir.

Em suma, se Costa tomar o governo de assalto com a ajuda de uma maioria parlamentar que não é sua, tudo passará a ser decidido no Soviete Supremo de São Bento. Só restaria então saber quem seria o nosso Lenine, e depois, quem seria o nosso Estaline. Trotsky, coitado, voltou a levar com uma picareta no toutiço antes mesmo subir ao pódio.

Atualização: 13 nov 2015, 18:29 WET