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sábado, novembro 20, 2010

O amigo americano

Portugal, uma espécie de Suíça diplomática?

Air Force One com Barack Obama aterra na Portela (Foto —pormenor— de Rui Spotter)
Com a 10ª maior ZEE do mundo em perspectiva, Portugal passará a deter um domínio estratégico na ordem dos 3.119.799 Km2. Só para termos uma ideia do que isto é, basta pensar que corresponde mais ou menos à superfície da Índia. Embora o Portugal à tona dos mares (continental e insulares) ocupe a modestíssima posição 109 entre todos os países do mundo, já quando medimos o território nacional e a sua ZEE, ficaremos certamente entre os 10 maiores países do mundo!  — in O António Maria, 22 nov 2008.

Escrevi há exactamente dois anos atrás que Portugal voltará a ter um papel de charneira diplomática entre o Ocidente e o Oriente. A formulação de um novo Tratado de Tordesilhas aproxima-se rapidamente. Previ então que a nova Rússia penderia para Ocidente. Vamos ver o que nos reservam a segunda viagem de Medvedev a Portugal e esta crucial Cimeira da NATO (1).

Pensemos por um momento nesta coincidência: Durão Barroso tornou-se presidente da Comissão Europeia na era Bush, e viu renovado o seu cargo já com Obama no poder; Vítor Constâncio é chamado a ocupar o cargo de vide-presidente do Banco Central Europeu no pico da maior crise financeira mundial desde 1929, e certamente naquela que é a maior ameaça à consolidação do euro como nova moeda de reserva mundial; Portugal venceu o Canadá na corrida para a posição de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU; António Borges é o novo director para a Europa do FMI; António Horta Osório tornou-se recentemente presidente executivo do Lloyds Bank, deixando o Santander; Hu Jintao decidiu fazer uma viagem relâmpago a Lisboa poucos dias antes da cimeira da NATO, a que se seguiria uma viagem igualmente relâmpago de Sócrates a Macau, para se encontrar com o primeiro ministro chinês Wen Jiabao; Obama, enfim, escolhe Portugal para aquela que é já uma das mais importantes reuniões da NATO de sempre — pois, ao contrário dos inúmeros obituários já escritos sobre a organização, esta poderá ser dado neste encontro à beira Tejo o pontapé de saída para uma nova partilha do planeta entre os hemisférios ocidental e oriental. É o que venho chamando há já alguns anos o novo Tratado de Tordesilhas.


Tal como quando a Inglaterra viu bloqueados os seus acessos ao Oriente e ao Norte de África, por causa do fiasco das Cruzadas e da Guerra dos Cem Anos, teve que se virar para a praia lusitana, casando a sua Princesa Filipa de Lencastre com João I de Portugal, como meio expedito de lançar uma ponte em direcção ao Golfo da Guiné (a célebre Costa do Ouro), onde se encontrava o metal de que tanto precisava, nomeadamente para pagar a guerra contra os franceses, também agora a América e o Reino Unido, ambos falidos até à medula, e de quem a Alemanha, a Rússia, a China e 4/5 do planeta desconfiam, precisam hoje de Portugal e do seu imenso mar territorial, para segurar o Atlântico Norte e Sul, impedir a expansão descontrolada da China e garantir os bons ofícios de um amigo nos corredores da diplomacia do euro.


Portugal é um país pequeno, mal governado e coberto de dívidas. Mas se houver alguém lúcido entre as nossas desmioladas elites, verá que está na hora de arregaçar as mangas e de disciplinar a burguesia clientelar, as corporações profissionais e partidárias, e a burocracia, por forma a podermos tirar real vantagem da nossa nova centralidade geo-estratégica. É preciso acantonar imediatamente a corrupção, o desperdício e a balbúrdia parlamentar. Só depois, poderemos renegociar as nossas dívidas em paz, sem assassinar a classe média, nem humilhar os pobres, os desempregados e os idosos. Só depois poderemos cobrar à vontade, de Washington a Pequim, a nossa boa vontade e experiência diplomáticas. Um pequena quermesse entre os grandes colocará as nossas finanças públicas em ordem num ápice. Mas antes de tudo o mais teremos que despedir o imprestável Sócrates, e o imprestável Cavaco, mais as procissões de inúteis e corruptos que os seguem.

NOTAS
  1. Pouco depois de publicado este texto, veio a confirmação (ler notícia do DN) de que a Rússia iniciou oficialmente um processo de convergência com os países da NATO. O cenário de um dia destes estar entalada entre a China e o Irão foi seguramente determinante para a nova estratégia de Moscovo.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Angola 1

Suiça ameaça cleptocracia mundial
Bloqueados 100 milhões de dólares do presidente angolano.
Que se passa na banca portuguesa, neste como noutros casos de branqueamento de capitais?


Há dez anos que os tribunais suiços iniciaram um longo processo para bloquear os fundos depositados nos seus bancos por ditadores e políticos corruptos de todo o mundo, cujas fortunas, por vezes colossais, foram obtidas através da espoliação de bens públicos pertencentes ao povos que governam, usando para tal os mais diversos expedientes de branqueamento de capitais. O processo começou em 1986 com a devolução às Filipinas de 683 milhões de dólares roubados por Ferdinando Marcos, bem como a retenção dos restantes 356 milhões que constavam das suas contas bancárias naquele país. Prosseguiu depois com o bloqueamento das contas de Mobutu e Benazir Bhutto. Mais tarde, em 1995, viria a devolução de 1236 milhões de euros aos herdeiros das vítimas judias do nazismo. Com a melhoria dos instrumentos legais de luta contra o branqueamento de capitais, conseguida em 2003 (também em nome da luta contra o terrorismo), os processos têm vindo a acelerar-se, com resultados evidentes: 700 milhões de dólares roubados pelo ex-ditador Sani Abacha são entregues à Nigéria em 2005; dos 107 milhões de dólares depositados em contas suiças pelo chefe da polícia secreta de Fujimori, Vladimiro Montesinos, 77 milhões já regressaram ao Perú e 30 milhões estão bloqueados; os 7,7 milhões de dólares que Mobutu depositara em bancos suiços estão a caminho do Zaire; mais recentemente, foram bloqueadas as contas do presidente angolano José Eduardo dos Santos, no montante de 100 milhões de dólares. É caso para dizer que os cleptocratas deste mundo vão começar a ter que pensar duas vezes antes de espoliarem os respectivos povos. É certo que há mais paraísos fiscais no planeta, mas também é provável que o exemplo suiço contagie pelo menos a totalidade dos off-shores sediados em território da União Europeia, diminuindo assim drasticamente o espaço de manobra destas pandilhas de malfeitores governamentais.

No caso que suscitou este texto, o bloqueamento de 100 milhões de dólares depositados em contas de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola há 27 anos, pergunta-se: que fez ele para se tornar o 10º homem mais rico do planeta (segundo a revista Forbes)? Trabalhou em quê para reunir uma fortuna calculada em 19,6 mil milhões de dólares? Se usou o poder para espoliar as riquezas do povo que governa, deixando-o a viver com menos de dois dólares diários, que devem fazer os países democráticos perante tamanho crime de lesa humanidade? Olhar para o outro lado, em nome do apetite energético? Que autoridade terão, se o fizerem, para condenar as demais ditaduras e estados falhados? Olhar para o outro lado, neste caso, não significa colaborar objectivamente com a sobre-exploração indigna do povo angolano e a manutenção de um status quo anti-democrático e corrupto que apenas serve para submeter a esmagadora maioria dos angolanos a uma espécie de domínio tribal não declarado?

Na Wikipedia lê-se:
Os habitantes de Angola são, em sua maioria, negros (90%), que vivem ao lado de 10% de brancos e mestiços. A maior parte da população negra é de origem banta, destacando-se os quimbundos, os bakongos e os chokwe-lundas, porém o grupo mais importante é o dos ovimbundos. No Sudoeste existem diversas tribos de boximanes e hotentotes. A densidade demográfica é baixa (8 habitantes por quilómetro quadrado) e o índice de urbanização não vai além de 12%. Os principais centros urbanos, além da capital, são Huambo (antiga Nova Lisboa), Lobito, Benguela, e Lubango (antiga Sá da Bandeira). Angola possui a maior taxa de fecundidade (número de filhos por mulher) e de mortalidade infantil do mundo. Apesar da riqueza do país, a sua população vive em condições de extrema pobreza, com menos de 2 dólares americanos por dia.

O recente entusiasmo que acometeu as autoridades governamentais e os poderes fáticos portugueses relativamente ao “milagre angolano” (crescimento na ordem dos 21% ao ano) merece assim maior reflexão e sobretudo alguma ética de pensamento.

Os fundos comunitários europeus aproximam-se do fim. Os portugueses, entretanto, não foram capazes de preparar o país para o futuro difícil que se aproxima. São muito pouco competitivos no contexto europeu. As suas elites políticas, empresariais e científicas são demasiadamente fracas e dependentes do estado clientelar que as alimenta e cuja irracionalidade por sua vez perpetuam irresponsavelmente, para delas se poder esperar qualquer reviravolta estratégica. Quem sabe fazer alguma coisa e não pertence ao bloco endogâmico do poder vai saindo do país para o resto de uma Europa que se alarga, suprindo necessidades crescentes de profissionais nos países mais desenvolvidos (que por sua vez começam a limitar drasticamente as imigrações ideologicamente problemáticas): Espanha, Alemanha, Luxemburgo, Suiça, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Noruega... No país chamado Portugal vão assim ficando os velhos, os incompetentes e preguiçosos, os indecisos, os mais fracos, os ricos, os funcionários e uma massa amorfa de infelizes agarrados ao futebol e às telenovelas, que mal imaginam a má sorte que os espera à medida que o petróleo for subindo dos 60 para 100 dólares por barril, e destes para os 150, 200 e por aí a fora...

A recente subida em flecha do petróleo e do gás natural (mas também do ouro, dos diamantes e do ferro) trouxe muitíssimo dinheiro à antiga colónia portuguesa. Seria interessante saber que efeitos esta subida teve na conta bancária do Sr. José Eduardo dos Santos. E que efeitos teve, por outro lado, nas estratégias de desenvolvimento do país. O aumento da actividade de construção já se sente no deprimido sector de obras e engenharia português. As empresas, os engenheiros e os arquitectos voam como aves sedentas de Lisboa para Luanda. É natural que o governo português, desesperado com a dívida... e com a sombra cada vez mais pesada dos espanhois pairando sobre os seus sectores económicos estratégicos, se agarre a qualquer aparente tábua de salvação. E os princípios? E a legalidade?

Se a saída do ditador angolano estiver para breve, ainda se poderá dizer que a estratégia portuguesa é, no fundo, uma estratégia para além de José Eduardo dos Santos. Mas se não for assim, e pelo contrário viermos a descobrir uma teia de relações perigosas ligando a fortuna ilegítima de José Eduardo dos Santos a interesses e instituições sediados em Lisboa (1), onde fica a coerência de Portugal? Micheline Calmy-Rey, ministra suiça dos Negócios Estrangeiros, veio lembrar a todos os europeus que tanto é ladrão o que rouba como o que fica à espreita ou cobra comissões das operações criminosas.



NOTAS

* Fonte original deste post: El País, 19 Out 2006. Link
* José Eduardo dos Santos manda refutar acusações.

1 — Em 19 de Outubro de 2005 rebenta entre nós um escândalo sobre o presumível envolvimento de vários bancos portugueses numa megafraude fiscal e branqueamento de capitais. A coisa, apesar de escancarada em todos os média, foi rapidamente abafada, deixando porém atrás de si a evidência de que Portugal é uma boa praça para operações de fraude fiscal, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Ver este link. E este. Vale também a pena ler o relatório do Finantial Task Force sobre a luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, dedicado à situação actual portuguesa, publicado em Outubro de 2006, e de que destacamos esta passagem:
Adequate powers are available to investigative authorities to gather evidence and compel the production of financial records and files from financial institutions and DNFBPs. Portuguese authorities have sufficient powers to prosecute ML and TF offences; however, the structures, staffing and resources to investigate these offences are also responsible for examining a range of crimes. While legal measures are available to investigate and prosecute for ML [money laudering] or TF [terrorism financing] offences, a relatively small number of cases have been successfully prosecuted. ” — Texto integral (pdf)

Referências
In Angola, new evidence from IMF documents and elsewhere confirm previous allegations made by Global Witness that over US$1 billion per year of the country's oil revenues - about a quarter of the state's yearly income - has gone unaccounted for since 1996. Meanwhile, one in four of Angola's children die before the age of five and one million internally-displaced people remain dependent on international food aid. This report highlights the latest revelations from the ‘Angolagate’ scandal, in which political and business elites in France, Angola and elsewhere exploited the country's civil war to siphon off oil revenues. Most recently, evidence has emerged in a Swiss investigation of millions of dollars being paid to President Dos Santos himself. The government continues to seek oil-backed loans at high rates of interest which are financed through opaque and unaccountable offshore structures. A major concern exists that Angola's elite will now simply switch from wartime looting of state assets to profiteering from its reconstruction.” — in “Time for Transparency”, March, 2004. Global Witness

Os Homens do Presidente. A história devastadora das indústrias petrolíferas e bancárias na guerra privatizada de Angola. Os Homens do Presidente é o resultado de dois anos de investigações da Global Witness e apresenta uma actualização da campanha a favor de transparência total nos sectores bancário e petrolífero, dando prosseguimento às revelações iniciadas em Dezembro com o relatório Um Despertar Cru, sobre o mecanismo de saque estatal generalizado em Angola. Texto integral, PDF (2.7 Mb)

OAM #147 19 OUT 2006