domingo, novembro 15, 2015

Um pudim chamado Costa

Um grande pudim cor-de-rosa japonês

Substituir um governo minoritário que ganhou as eleições por um governo minoritário que as perdeu seria, em bom rigor, um golpe de estado parlamentar.


À pergunta, se viabilizará, ou não, um governo de António Costa e o primeiro orçamento, Jerónimo de Sousa, em entrevista à RTP, citou a mãe: “a melhor prova do pudim é comê-lo”. Está, pois, tudo dito sobre a falta de legitimidade a priori do putativo governo do PS que António Costa quer impor ao presidente da república e ao país.

Não há coligação, não há acordo parlamentar, não há nada que se veja salvo um ajuntamento espontâneo de posições bilaterais entre quatro partidos minoritários, que já chumbou o programa de um governo de maioria relativa, e destruiu três importantes paradigmas do regime:

  1. os partidos que ganham as eleições devem formar governo;
  2. o presidente da AR deve sair do partido que venceu as eleições.
  3. todos os partidos cooperam no parlamento, nomeadamente para produzir legislação útil ao país.

Para além da Constituição há o Código Civil e o Código da Estrada, os Estatutos das Sociedades e das Associações, códigos deontológicos e profissionais, regras comuns de urbanidade, e ainda o que chamamos boa educação. A Constituição não é a única letra da nossa democracia, da nossa cultura e da nossa história. Algo que as esquerdas apressadas parecem ter esquecido de um dia para o outro ao avistarem a miragem do poder.

Se, por exemplo, na apresentação de um programa de governo, o líder da Oposição decidisse ficar calado, não estaríamos perante um atentado à Constituição, nem de uma ilegalidade, mas certamente perante uma grosseria capaz de estragar por muito tempo o convívio parlamentar. Foi o que aconteceu no dia 9 de novembro de 2015. Enquanto António Costa frequentar a chamada casa da democracia, duvido que a cordialidade regresse.


Da argumentação falaciosa sobre supostas perdas de tempo e governos chefiados por partidos minoritários

As esquerdas chumbaram o programa de governo da maioria relativa PSD-CDS/PP, e desde então foram incapazes de apresentar uma solução de maioria alternativa. No entanto, reclamam na praça pública e junto do presidente da república a exoneração do governo em funções, como se este fosse ilegítimo, ou até inconstitucional. Dizem que o país não aguenta um governo de competências diminuídas, em gestão, até que o próximo presidente dissolva o parlamento e convoque eleições legislativas antecipadas (o que poderá ocorrer antes de junho de 2016). Seria demasiado tempo, gritam em uníssono. Já quanto à questão de um partido que perdeu as eleições ser chamado a formar governo, por ter conseguido uma maioria parlamentar favorável, repetem à saciedade exemplos que não explicam.

Quanto ao tempo e o que pode fazer um governo de gestão, vejamos exemplos recentes:

Bélgica

2007-2008: sem governo durante 194 dias (mais de seis meses), seguido de coligação.
2010-2011: sem governo durante 1 ano, 5 meses e 26 dias, seguido de coligação. Durante este interregno a Bélgica enviou os seus F15 para Líbia (integrados numa esquadrilha da RAF), e até os comboios passaram a andar melhor! Houve quem defendesse a ideia de que este governo de gestão poderia ter durado toda a legislatura (The Telegraph).

Portugal

2011: governo de gestão do PS, depois da demissão de José Sócrates, durou quase três meses, seguido de eleições e formação de um governo de maioria absoluta:

—23 de março: demissão do governo.
—3 e 17 de maio: assinaturas dos documentos do resgate com o FMI, BCE e Comissão Europeia, pelo governo PS e ainda pelo PSD e CDS/PP.
—21 de junho: tomada de posse do governo PSD-CDS/PP.

Alemanha

2013: 86 dias (quase três meses) para formar a coligação CDU-SPD, depois da CDU ter perdido o seu aliado.

Em todos estes casos, e ainda no do Luxemburgo, muito badalado a propósito de partidos que tendo ganho eleições com maioria relativa acabaram por ceder o poder a partidos minoritários, importa realçar que os governos se constituíram sempre como governos de coligação pós-eleitoral com maioria absoluta. Ou seja, em nenhum dos casos citados, e em nenhum outro que se conheça, pelo menos na Europa, um partido que perdeu as eleições substituiu o que as ganhou, sem para tal garantir um governo de maioria, coligando-se com outros partidos com assento parlamentar, ou exibindo, no mínimo, um acordo de incidência parlamentar onde estivesse garantido, preto no branco, a aprovação dos orçamentos e das principais iniciativas de legislatura.


Quanto ao que diz o nosso Tribunal Constitucional, a doutrina é clara:

No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 65 de 2002, pedido pelo então Presidente Jorge Sampaio, lê-se:

“Na verdade, o interesse público pode reclamar a prática inadiável, por exemplo, de actos legislativos; limitar a competência do governo demitido à prática de actos de gestão corrente, sabendo-se, além do mais, que a existência de governos com competência diminuída se pode arrastar no tempo, seria, pois, altamente inconveniente.  
Reafirma-se, assim, a conclusão de que a competência de um Governo demitido não está constitucionalmente limitada em função da natureza dos actos.” (¶10) 

Por fim, a questão da vontade política do presidente e do primeiro ministro empossado:

O que disse Cavaco Silva, de essencial para o nosso argumento, na tomada de posse do XX Governo Constitucional (30 out 2015)

Senhor Primeiro-Ministro,  
Senhoras e Senhores, 
Reafirmo, uma vez mais, o que disse em outubro 2009 na tomada de posse do XVIII Governo Constitucional, e cito:
«A ausência de um apoio maioritário no Parlamento não é, por si só, um elemento perturbador da governabilidade. A ausência de maioria não implica o adiamento das medidas que a situação do País reclama. Para qualquer Governo, o horizonte temporal de ação deve ser sempre a legislatura». 
Retomando essas palavras, quero afirmar-lhe, Senhor Primeiro-Ministro, que pode contar com a lealdade institucional do Presidente da República. 
Tendo em conta os resultados eleitorais, assumi a responsabilidade constitucional pela sua indigitação, cabendo agora aos Deputados apreciar o Programa do Governo e decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, sobre a sua entrada em plenitude de funções.

E o que respondeu Pedro Passos Coelho, atual Primeiro Ministro de Portugal:

“Minhas senhoras e meus senhores, 
Tendo recebido dos Portugueses um mandato claro para governar, aqui assumo hoje, na presença de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a responsabilidade indeclinável de respeitar essa vontade expressa pelos Portugueses.”

Moral da história

Tentar dividir o país entre Esquerda e Direita foi um enorme e fatal erro cometido por António Costa.


ÚLTIMA HORA!

Cavaco Silva segue a argumentação deste post, sem tirar uma vírgula!
Delicioso. Recomendo aos serviços da presidência que leiam com mais atenção o que escreve O António Maria ;)

Belém esclarece que Cavaco se referia a crises de 1987 e 2011
Jornal de Negócios, 16 Novembro 2015, 18:22 por Lusa

A Presidência da República esclareceu que Cavaco Silva, ao apontar crises políticas anteriores em que outros Governos ficaram em gestão, se referia a situações ocorridas em 1987 e 2011.
Questionado se não considera urgente que decida sobre a crise política, o chefe de Estado recomendou esta segunda-feira, na Madeira, que se verifique o que aconteceu em casos anteriores: "Vá ver nos dois casos de crises anteriores que aconteceram - um foi em 1987 e um em 2009 [sic] - quantos dias esteve o Governo em gestão, o que é que fez o Presidente da República de então e quais foram as medidas importantes que esse Governo de gestão teve que tomar".

Num primeiro momento, fontes de Belém esclareceram que o Presidente da República se referia, além do caso de 1987, ao Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Santana Lopes, tendo, por lapso, referido 2009 e não 2004.

No entanto, as mesmas fontes rectificaram, ao final da tarde, que Cavaco Silva se referia, afinal, a 2011, quando o então primeiro-ministro socialista José Sócrates se demitiu.

Em 2011, José Sócrates apresenta a sua demissão a 23 de Março, aceite 10 dias depois pelo Presidente da República, Cavaco Silva. A 7 de Abril, o chefe de Estado anuncia a dissolução do parlamento e marca eleições antecipadas para 5 de Junho. A 21 de Junho, o Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho toma posse.

Em 1987, o X Governo Constitucional, liderado pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, foi derrubado a 3 de Abril com a aprovação de uma moção de censura ao Governo apresentada pelo PRD.

O XI Governo Constitucional, também liderado por Cavaco Silva, tomou posse cerca de quatro meses e meio depois, a 17 de agosto. As eleições legislativas antecipadas aconteceram a 18 de Julho. O executivo entrou em plenitude de funções 28 de Agosto, depois do debate do programa de Governo na Assembleia da República.

Atualização: 18/11/2015, 00:03 WET

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