quinta-feira, junho 25, 2015

Revolução sem condutor?

Salazar, colocado no poder pelos militares de um país na bancarrota

Do diagnóstico da crise ao futuro vai ainda uma grande incerteza


Acabei de ler este mês dois livros que recomendo vivamente: Pensar o que lá vem—Para acabar com o Portugal pasmado, de Manuel Maria Carrilho, e Carta a um Bom Português—Manual para Fazer a Revolução de Cidadania que Falta para Resgatar o País, do corajoso e ativo jornalista, José Gomes Ferreira.

O primeiro é uma reflexão rara no panorama português da Filosofia Política, e deveria ser lido por todos aqueles que têm votado no Partido Socialista e no resto dos derivados adulterados do marxismo que ainda subsistem no país e no parlamento. Trata-se de uma viagem autocrítica, em sentido lato, ao fim do conforto das boas ideias. É certo que Manuel Maria Carrilho não se coloca nunca fora da órbita do Partido Socialista, que defende como uma identidade para lá das más conjunturas e dos desastrosos protagonistas. O PS é ainda, para o antigo ministro da cultura de António Guterres, a bóia de salvação num naufrágio que nunca mais acaba. À direita do PS, Carrilho apenas vislumbra a fuga em frente da burguesia financeira mundial, que vê como protagonista de primeira linha do individualismo comportamental e do neoliberalismo económico, e cujo enriquecimento pornográfico só poderá promover maiores desgraças no futuro. À esquerda do PS, não descortina mais do que uma mole de arteriosclerose ideológica, oportunismo sindical e aventureirismo hedonista no que resta da extrema-esquerda. A total e irremediável incapacidade da esquerda à esquerda do PS de voar eleitoralmente aconselha, na visão pragmática deste filósofo, promover o aggiornamento do PS, em vez da sua destruição na fogueira do populismo iconoclasta. Não acompanho este desejo reformista orgânico, mas percebo e respeito as suas motivações e ainda quem o acompanha no desiderato: Henrique Neto, Ventura Leite, Armando Ramalho, etc.

O segundo livro, que parece pertencer a uma trilogia iniciada com O Meu Programa de Governo, não é nem populista, nem neoliberal. Pertence, isso sim, a uma nova categoria de observação e posicionamento perante um regime basicamente rentista, devorista, neocorporativo, clientelar e rotativista, podre de oportunismo e corrupção, e que cavou a sua própria e irremediável sepultura. José Gomes Ferreira não conhece, ou melhor, não sente nem vibra com os velhos paradigmas morais da esquerda, e o que desta conhece são sobretudo mentiras, oportunismos e hipocrisia de circunstância. Ao mesmo tempo viu como o capitalismo indígena, historicamente frágil, prisioneiro de banqueiros, de rendeiros e de bandos de piratas socialistas (PS), sociais democratas (PSD) e populistas (CDS-PP), se transformou numa jangada a caminho do naufrágio, onde o salve-se quem puder acabaria por levar o país à falência e à perda de soberania financeira, económica e institucional. O que José Gomes Ferreira tem feito é identificar objetivamente, sem preconceitos, nem medos, os pontos de rotura do regime. Mas não só! Também exige uma mudança profunda no regime democrático, para o que reclama, como muitos de nós, uma nova Constituição, sem fantasias nem cintos de castidade hipócritas, aceitando ainda como boa a nossa integração na União Europeia, apesar das inúmeras e graves vicissitudes por que tem passado. No fim do livro ficamos a saber o que pretende quando convida o Bom Português a fazer uma revolução. José Gomes Ferreira quer uma nova Constituição e a Democracia de Qualidade reclamada, nomeadamente, por Henrique Gomes, Henrique Neto, Luís Campos e Cunha, ou Mira Amaral. Mas não diz como lá chegar, ou por outra, recomenda manifestações do bom povo português à porta da Casa da Democracia (a Assembleia da República), um comportamento individual consequente no dia a dia, e diz ainda que “temos de aproveitar a revolução electrónica para a pôr ao serviço da nossa Revolução de Cidadania.” Mas falta claramente um condutor, ou um navegador, para esta revolução. Quer dizer, falta uma síntese operacional estratégica dos pontos fundamentais a mudar, e meios para lá chegarmos. Falta, creio, uma ideia de plataforma abrangente, pós-partidária —no sentido de uma democracia sem hegemonia partidária—, capaz de congregar a maioria do país num processo credível de transformação.

Mais do que uma democracia de qualidade, precisamos de uma democracia qualitativa, isto é, de uma democracia não apenas decente, mas que seja também um edifício ideológico e cultural novo. Onde, por exemplo, a felicidade, o amor, ou a qualidade da água, do ar e os equilíbrios ecológicos sejam mais importantes do que o sucesso, o PIB, a produtividade, ou do que a taxa de crescimento. A realidade do planeta está a deteriorar-se rapidamente. Os humanos, ou se adaptam, ou extinguir-se-ão mais cedo do que o esperado, a par de muitas outras espécies em extinção.

Seja como for, os dados estão lançados. Basta compilar o muito que se tem escrito sobre a crise do nosso regime e sobre a crise mundial, e ainda a sobre a necessidade imperiosa de mudarmos de vida, para ficarmos com um diagnóstico suficientemente fundamentado, a partir do qual poderemos então modelar da melhor maneira a inadiável metamorfose do país.

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