domingo, fevereiro 01, 2015

António Barrreto?


O ANTÓNIO MARIA, de Raphael Bordallo Pinheiro
I Série | 1879-1885
12 de janeiro de 1882, p.15
Dialogo na rua
Cão (ganindo com acrimonia): Não me deixam entrar em parte nenhuma.
Zé Povinho (consolando): Nem a mim. E todavia entre nós ambos ha esta differença : tu não pagas nada, e eu pago tudo.

Entrevista de um não-candidato presidencial


António Barreto apoia uma revolução constitucional, mas não tem perfil para a liderar. É um facto. Reafirma, porém, uma ideia acertada, perfilhando desde há algum tempo o que outros têm escrito, na mesma direção, sobre esta matéria: POR UMA NOVA CONSTITUINTE!

Será que chegou finalmente o momento de extinguir a imprestável partidocracia que nos levou a conhecer o precipício da bancarrota? Ou precisamos ainda de esperar pelos próximos cem dias de goveno de Alexis Tsipras? De ver primeiro o que acontece em Espanha? Ou de presenciar a balbúrdia que se adivinha no caso de António Costa ganhar, sem maioria, as próximas eleições?

Quem atirou Portufgl para a fossa (PS, PSD, CDS/PP, PCP e BE) não sabe, nem pode tirar-nos da bancarrota. Quanto mais tempo confiarmos os nossos votos à nomenclatura irresponsável e corrupta deste regime, a esta partidocracia incorrigível, menos hipóteses teremos de sobreviver à metamorfose que nos foi imposta pela estupidez e pela ganância.

O que diz Barreto

António Barreto como nunca o viu. "Gostaria de ver alguns ex-governantes e banqueiros presos"
Por Isabel Tavares
Jornal i, publicado em 31 Jan 2015 - 19:00


[...]
Os partidos estão a esvaziar-se. Creio que vamos ter novos candidatos políticos nos próximos anos, é inevitável. Aliás, em vários países europeus já estão a aparecer muitos partidos. Os nossos estão a esvaziar-se num clima crispante, as pessoas não têm confiança nos partidos, nos seus dirigentes. [...]

Que Constituição nos serviria?

Uma Constituição que dê mais liberdade às gerações actuais, que lhes permita eleger os seus partidos, os seus políticos e que tenha uma maior margem de liberdade nas suas decisões. Em muitas matérias laborais, de saúde, de educação, de segurança social, de organização do Estado, função das autarquias e justiça, a Constituição, em vez de definir as grandes estruturas e deixar o tempo e as classes preencherem os conteúdos, fixou-os. Podia ser muito limpa de todos os ónus ideológicos.

Mas o país pode mudar mesmo com a Constituição que tem, ou não?

Nalgumas coisas não. O sistema político está totalmente desenhado para permitir que estes partidos fiquem perpetuamente no poder e que os que venham continuem com o mesmo sistema. Tem de limpar da Constituição o método d'Hondt, o sistema proporcional, a ideia de que os deputados são eleitos por listas. O mundo que mais aprecio, e não é só o anglo-saxónico, tem sistemas uninominais, as pessoas elegem um deputado a quem pedem contas. Se esse deputado morre ou muda de emprego, elegem outro, não vão buscar o 15.º ou 27.º, um analfabeto qualquer, um atrasado que está lá no fundo da lista para encher. Há um sistema de confiança nos seus eleitos que a nossa Constituição destruiu. Um deputado que vote ao contrário do Dr. Passos Coelho ou do Dr. António Costa corre riscos muito sérios de ser vilipendiado, destruído, até expulso do partido. Isto não é um sistema livre e tem de ser expurgado da Constituição.

Disse que não confia em ninguém. Em quem confiaria para trabalhar numa nova Constituição?

Se alguém começasse a fazer esse trabalho, eu confiaria imediatamente. Porque é um trabalho muito difícil - eu não sou um optimista em relação a isto.

Não vai fazer-se?

Penso que vai fazer-se por necessidade. Se os partidos não quiserem fazer isto a bem, daqui a cinco, daqui a dez, a 20 anos terão de fazer a mal.

O que quer dizer com isso?

Um golpe de Estado, uma revolução, pronunciamentos ou assassinatos, não sei. Se fizer a lista das constituições portuguesas, foram todas assim. Foi preciso uma revolução para fazer a Constituição de 76, como a de 33. A de 10 foi uma revolução e uma ditadura. Ao fim de 40 anos - e oito ou nove revisões, algumas de cosmética ou coisas necessárias por causa da Europa -, a necessidade de a rever mantém-se. O relação entre o Presidente da República, o parlamento e o governo também tem de ser revista.

Em que sentido?

Continuamos com uma espécie de reinado, de rei positivo. Desde há quatro anos todos os dias há partidos a pedir a demissão do governo. E viram-se para o Presidente da República e zangam-se. Uma das razões pelas quais o PR não é aceite com legitimidade por todos os partidos é porque todos, excepto os do poder, acham que o presidente já devia ter posto o governo na rua. Este sistema não é aceitável, tem uma situação pré-fabricada para as instituições estarem permanentemente em conflito. Tivemos no último ano dois ou três conflitos gravíssimos com o Tribunal Constitucional, num dos casos até acho que o TC tinha razão. Mas o que é importante é que o governo e o parlamento não tiveram a liberdade suficiente para administrar a coisa económica e social.

Qual é a liberdade que nos falta?

A primeira de todas é dizer não. A segunda é pensar sozinho ou escolher as próprias influências.

Há 50 anos tínhamos 50% de analfabetos, impensável na Europa. Tudo dependia do Estado e do poder político, do poder militar, do poder da Igreja. Se se dizia não, perdia-se tudo, vivia-se no medo. Isto criou o hábito da reverência, do respeitinho, de dizer que sim e ter medo de quem manda.

Por isso é tão difícil decidir?

Decide-se desde que seja às escondidas. Fazem-se uns despachos, umas circulares, umas portarias que saem no Diário da República. Se a decisão implica uma tomada de posição aberta, a coisa torna-se mais difícil.

A nova Constituição deveria ser referendada?

É importante que a Constituição seja referendada, coisa que nunca se fez. E isto é gravíssimo, que Portugal se tenha recusado sempre, desde 76, a referendar a sua Constituição. E referendar a adesão à União Europeia, etc. Foi liminarmente retirado ao povo o direito de decidir sobre as coisas importantes que se fizeram em Portugal, ao contrário do que acontece na maior parte dos países europeus.

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