quinta-feira, setembro 25, 2014

No Barreiro, jamé!

Exemplar de um Post-Panamax

Já imaginaram um bicho destes enterrado nos lodos do Barreiro?


O porto de contentores no Barreiro recentemente propagandeado pelo SET Sérgio Monteiro vai ter a mesma sorte que o célebre novo aeroporto da Ota (NAL). Querem apostar?

No entanto, parece que água mole em pedra dura tanto dá até que fura, sobretudo quando há facas que voam pela calada da noite à procura de um ministro distraído ou mal informado sobre o grave problema dos transportes e da mobilidade de pessoas e carga no nosso país (1).

Ou seja, depois de ter anunciado que o Barreiro acolheria o futuro porto de contentores de Lisboa, o SET Sérgio Monteiro acaba de meter a viola no saco e diz que não tem pressa!
  
SET “sem pressa” para anunciar o terminal de contentores de Lisboa

Mais de um ano e meio sobre a apresentação da Trafaria, o secretário de Estado dos Transportes disse ontem estar sem pressa para anunciar a decisão sobre a localização do terminal de contentores da região de Lisboa, assegurando que não está ainda decidido se fica no Barreiro ou na Trafaria.

... e disse mais:

Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes, adiantou que ainda não está definitivamente decidida a localização do novo terminal de contentores de Lisboa, admitindo porém estudos que apontam para as vantagens do Barreiro em relação às outras três localizações em análise.

"Aquilo que posso confirmar é que o trabalho que a Administração do Porto de Lisboa [APL] tem vindo a fazer com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) aponta para um conjunto de vantagens da localização Barreiro, face às outras localizações que temos estudado", referiu Sérgio Monteiro. As outras três opções são a Trafaria (Almada), Mar da Palha (entre Vila Franca e Lisboa) e Algés.

De resto, o governante referiu mesmo que apesar do Barreiro ser "mais favorável", a Trafaria prevalece num dos critérios em análise, que o secretário de Estado se escusou a revelar.

"Os próximos meses nos dirão qual é o "timing" da decisão, mas nós não estamos com pressa. Estamos mais focados na geração do consenso do que propriamente num anúncio mais rápido desse investimento", salientou.

No estudo, a APL terá concluído que o Barreiro prevalece sobre a Trafaria em todos os critérios menos na questão ambiental - áreas de reserva florestal ou agrícola. O mesmo estudo mostra que o custo das dragagens no Barreiro é muito inferior ao das acessibilidades na Trafaria.

in T&N News

Escreveu-me quem sabe do assunto (RR): "estes tipos não vão fazer nada", querem apenas ganhar votos no Barreiro — e entalar o atual ministro, acrescento eu.

Fazer um porto no meio de um estuário assoreado, obrigando a escavar o rio Tejo desde a foz até ao Barreiro, nem dá para acreditar!

Lisboa, a região de Lisboa, precisa de cuidar do seu porto, aumentando a sua capacidade e agilidade, e precisa de atingir este objetivo sem atrapalhar o grande centro da cidade-região que é o polígono Lisboa-Almada-Barreiro-Montijo. A solução existe e foi estudada há décadas. Chama-se Fecho da Golada do Tejo, ou seja, a reposição da língua de areia entre a Trafaria e o Bugio, a qual criaria as condições ideais para a construção de um novo porto de águas profundas na Trafaria. Assim se travaria, sem dispendiosas e intermináveis recargas anuais de areia, as praias da Costa da Caparica.

Basta ler esta síntese —O Porto de Lisboa e a Golada do Tejo - 2010 (ou esta versão mais desenvolvida)— para se perceber que o senhor Sérgio das PPP andou até ontem a vender gato por lebre ao seu ministro.

Por fim, as últimas estatísticas da OCDE são muito claras quanto às tendências relativas ao petróleo e seus derivados (base essencial da economia rodoviária): a parte do petróleo no mix energético global tem vindo a decair desde 1973 (e continuará a cair!); por sua vez, a Europa é quem tem vindo a perder mais quota de mercado no novo equilíbrio energético global. Não é pois por acaso que a União Europeia decidiu, penalizar os camiões, e em breve também, os aviões, e apostar milhares de milhões de euros na interoperabilidade ferroviária à escala europeia e na ligação prioritária dos comboios de passageiros, e de mercadorias, às grandes cidades e portos marítimos da Europa (TEN-T Connecting Europe).

Passos Coelho meteu a cabeça na areia, influenciado pelos rendeiros e piratas indígenas. O preço de semelhante corrupção da Política será o escândalo que se seguirá ao do endividamento excessivo criminosamente promovido pela generalidade dos protagonistas da democracia populista falida que temos.



Key World Energy Statistics by OECD, 2014
OECD total primary energy supply (excludes electricity trade) from 1971 to 2013 by fuel (Mtoe)

Key World Energy Statistics by OECD, 2014
OECD total primary energy supply (excludes electricity trade) from 1971 to 2013 by fuel (Mtoe)


ATUALIZAÇÃO

A destruição recorrente da Praia da Caparica é consequência da retirada maciça de areia da golada entre o Farol do Bugio e a zona da Trafaira, Cova do Vapor e Costa da Caparica. Esta deslocação de areias para a margem esquerda do Tejo, entre Belém e Algés, ocorreu a década de 1940.


Só hoje, 13/10/2014, lemos este documento fundamental e corajoso, que publicamos sem mais comentários.

CARTA ABERTA
Exmº Senhor Dr. Sérgio Silva Monteiro
Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações
Lisboa, 29 Setembro 2014

Assunto: UM POSSÍVEL (ou INADMISSÍVEL) TERMINAL DE CONTENTORES NO BARREIRO   

Um terminal marítimo novo deve ser construído (localizado) essencialmente de acordo com os navios que se pretendem nele acostar.

Não se implementa em função da localização das vias de comunicação (férreas e rodoviárias) ou de outras instalações já existentes, mas são estas que se deslocarão (construirão) para o local escolhido por opção dos navios.

No caso dum novo terminal de contentores, a construir no porto de Lisboa, põe-se igualmente a questão primordial: que navios se pretendem lá atracar?

Na actual política do transporte marítimo de contentores é por todos sabido que tal tipo de transporte tem procurado rentabilizar os custos da movimentação de contentores na base de grandes navios (com milhares de TEUS por unidade) que nos últimos anos alcançaram dimensões jamais vistas em navios mercantes. Não só por essas elevadas dimensões, como pelos grandes custos operacionais/hora.

O que resultou, por todo globo, na construção de novos terminais a eles destinados (segundo as directivas da MARADA  USA Administration e do CORNELL GROUP Inc. USA – note-se que o contentor nasceu neste país em 1956, o qual foi o primeiro a construir novos e amplos terminais fora das áreas dos grandes portos, em zonas amplas e livres de grande urbanismo) posicionados o mais próximo das entradas dos portos em águas profundas, se não mesmo nas fachadas oceânicas.

No estudo daquelas duas organizações recomenda-se que um terminal moderno deverá ser implementado num local onde possa ser possível permutar as cargas internacionais, (importações e exportações) por via de grandes navios oceânicos, com as cargas domésticas, com destinos internos ou em “transhipment”, por via de menores navios.                                                                                                                            

Nestas premissas, a escolha do Barreiro não parece ter:

1—Grandes profundidades (calados acima dos 14 metros) para o acesso e manobra dos grandes navios “Triple-E” ou até mesmo os “Post-Panamax”.

2—Possibilidade de grande movimento de “transhipement” entre aqueles navios e os menores.

3—A satisfação dos armadores, transitários e carregadores na rentabilização económica entre as cargas internacionais e nacionais.

4—Espaço de manobra para grandes e potentes rebocadores operarem em simultâneo com os grandes navios.

5—A possibilidade duma frente de cais mínima de 1.000 metros (atracação de dois grandes navios) que permita a instalação pelo menos de 6 pórticos.

6—As condições de segurança que teria um terminal próximo da barra evitando a navegação cruzada com todas as rotas de cacilheiros e ferries que se processa entre as duas margens do Tejo (nunca esquecer o desastre do cacilheiro “Tonecas” abalroado em 19 Dez 1938, no qual se registaram mais de 30 passageiros mortos).

7—As melhores condições para minimizar as emissões de gases nas áreas portuárias, provenientes dos navios (SOx,  NOx, ODS e VOC) e dar satisfação às normas aprovadas em Julho de 2011, apensas ao Anexo VI da Convenção MARPOR. Porque ao deslocar os navios das áreas de entrada do porto, para áreas interiores tais condições não são minimizadas mas maximizadas.

Condições já agravadas com a deslocação dos paquetes de Alcântara e Rocha para Santa Apolónia. (as directivas ambientais continuam “coisa” de 2ª classe…)

E por fim, a economia do transporte marítimo será agravada porque:

1—Quer o local quer os canais de acesso terão que sofrer não só grandes dragagens iniciais (largos milhares de m3 de lodo muito contaminado—e para onde removê-lo?) para aprofundar e alargar os acessos actuais, como continuas dragagens de manutenção dos fundos num rio de forte e constante assoreamento.

2—Os custos dessas grandes dragagens iniciais serão elevadíssimos—certamente superiores aos custos de 40 km de via férrea nova.

3—As dragagens constantes imporão taxas de dragagem sobre a navegação (noto que nos anos 50 a 70 o canal da Matinha, que dava acesso aos petroleiros, na preia mar, para Cabo Ruivo, era constantemente dragado, o que onerava os custos do petróleo ali desembarcado—fomos várias vezes pagadores desses custos em nome da SOPONATA)

4—Mesmo com os canais dragados a maior parte da navegação terá de ser feita com águas altas, sem grandes correntes atravessadas, o que implicará mais custos de estadia.

5—Os navios necessitarão, por via da limitação dos espaços, de mais rebocadores com maior potência e mais tempo na sua utilização.

6 —Haverá mais tempo de navegação entre a entrada da barra e o cais final (um grande navio custa cerca de 2 mil dólares/hora).

7—Haverá mais horas no serviço de Pilotagem.

CONCLUINDO: É nosso entender que, de acordo com os itens referenciados, a escolha do Barreiro será uma ruína para o transporte das mercadorias em contentores, originará uma navegação mais perigosa e onerosa, e não fará o país crescer, que necessita como de pão para a boca.

Em nossa opinião um novo terminal, no porto de Lisboa, deve trazer mais riqueza futura à economia do transporte marítimo, e não mais encargos, pelo que o local mais recomendável será implementá-lo sobre a Golada do Bugio reconstruída.

Solução—de há muito solicitada pelos técnicos no assunto— que, pensamos, não só eliminaria os riscos dos itens acima referenciados como resolveria cinco graves problemas duma vez:

1—Restaurar a Golada destruída pelas dragagens nos finais de 40.

2—Restaurar o estuário do Tejo às condições anteriores a essa época.

3—Travar a destruição da Caparica.

4—Travar o assoreamento da Barra Grande.

5—Travar a deslocação dos baixios – recentemente mais assoreados pelas areias levadas da Caparica— ao largo da Barra para sobre o eixo daquela.

Para lá destes graves problemas solucionados, a localização dum novo terminal na entrada do porto de Lisboa acrescia as vantagens:

1—Menos poluição atmosférica nas áreas interiores do porto, em especial nas margens mais urbanizadas.

2—Menor risco de acidentes por evitar o cruzamento da navegação local.

3—Com a vinda da ferrovia para costa da Caparica poderia transformar esta zona num nova “Linha de Cascais”.

4—Possibilitar uma extensão de cais superior a 2.000 metros (que poderá ir até 4.000 na direcção de Almada) e instalação de 16 pórticos a permitir atracação simultânea de 4 grandes navios.

5—No caso de acidente, que origine derrame de hidrocarbonetes, menos poluição nas águas interiores do estuário e mais facilidade aos meios de a combater e eliminar.

Mas por certo a decisão Governamental irá ser tomada após ouvidos pelo menos os Técnicos do Porto de Lisboa, os Engenheiros Construtores Portuários, os Pilotos da Barra, os Armadores, os Capitães dos Navios, os Transitários, os Engenheiros Hidrógrafos da Marinha e os Ambientalistas, e se estivermos errados pedimos desde já as nossas desculpas a Vª Exª pelo precioso “tempo que vos ocupámos”.

Com os nossos cumprimentos, atenciosamente,

Joaquim Ferreira da Silva
(Capitão da Marinha Mercante)

Membro da Secção Transportes da Sociedade de Geografia
Membro Emérito da Academia de Marinha
Membro da Confraria Marítima de Portugal
Membro dos Amigos do Museu de Marinha.
Presidente da Fundation TECNOSUB – Terragona.
Ex- Director da Escola Náutica.
Ex- Director de Projectos Formação Pessoal da Organização Marítima Internacional (ONU)
Ex- Secretário Geral do CILPAN

NOTAS

  1. Miguel Sousa Tavares fez ontem mais uma triste figura na SIC mostrando um desenho em que supostamente defendia que um porto tem que estar condicionado à rede ferroviária, quando é precisamente o contrário! O porto de Sines existe porque é um porto natural de águas profundas, e a ferrovia é que, obviamente, terá que adaptar-se à localização do porto. Neste caso, terá mesmo que colocar carris com bitola europeia se quiser que os contentores e os graneis viagem para lá de Badajoz sem a chamada rotura de carga, i.e. sem forçar as mercadorias a mudarem de comboio em Badajoz, para seguirem viagem até ao destino.

    E a propósito da cegueira oportunista deste governo em matéria de ferrovia (uma cegueira obviamente comprada pelo BES e pelos Mota, Coelhone e Outros Piratas Lda.) convém repetir que corremos o sério risco de em breve nos transformarmos numa ilha ferroviária.

    Senhor ministro da economia, fale com quem sabe e deixe de ouvir o condottieri Monteiro!

    Em breve todas as linhas ferroviárias, de passageiros, carga ou mistas, que se dirigem a Portugal serão apenas compostas de carris assentes com bitola UIC (vulgo europeia) e correspondentes sistemas de eletrificação, sinalização e prevenção de acidentes, o que tornará inviável o trânsito de comboios portugueses em Espanha. A ideia de que os 'nossos' comboios poderão usar eixos telescópicos é uma fantasia sem futuro e que, no caso do transprte de mercadorias, é pura e simplesmente impossível ou incomportavelmente caro.

    Não demorará sequer meia dúzia de anos para que o transporte ferroviário português de pessoas e mercadorias fique completamente isolado na sua rede de bitola ibérica, entretanto descontinuada em todas as ligações de fronteira entre Espanha e Portugal.

    A UE tem vindo a investir vultuosos fundos na ferrovia que Portugal deitou ao lixo. Ficaremos, pois, cada vez mais dependentes do novo sistema ferroviário espanhol, em Badajoz, Salamanca e Vigo, pois os nossos próprios portos perderão competitividade para os portos espanhois entretanto interoperáveis com a nova rede europeia de transporte ferroviário em bitola UIC. A rodovia, cada vez mais penalizada pela carestia dos combustíveis líquidos (ler o recém publicado Key World Energy Statistics by OECD, 2014) e por taxas anti-poluentes agravadas (ver o caso francês recente) tornarão as nossas exportações menos competitivas.

    Como escrevia recentemente quem sabe mais do que nós sobre ferrovia...

    “O único projecto compatível com as redes transeuropeias (CEF) e em condições de poder ser candidatável a estes fundos europeus, agora novamente anunciados pela UE, beneficiando de co-financiamento (fundo perdido) na ordem dos 85 % (os restantes 15 % podem ser financiados pelo BEI e rapidamente devolvidos pelo Estado Português—logo que cobre os impostos e taxas associados a esta obra) é o projecto da linha Poceirão-Caia e sua extensão até Sines, já considerado pela ELOS. Há que esclarecer que não se trata de uma “linha TGV”, mas sim de uma linha de bitola europeia ligando Lisboa e Sines directamente ao centro da Europa, concebida para tráfego misto de mercadorias e de passageiros, este último classificado no tipo 1 da alta velocidade (= ou > 250 km/h).

    Receio bem que, por desleixo deste e do anterior governo, já não haja tempo para preparar a candidatura de uma 2ª linha (Aveiro-Vilar Formoso), também incluída nas redes transeuropeias, logo com o mesmo nível de financiamento.
    E muito menos seremos capazes de apresentar um projecto credível, como regulamentarmente é exigido, relativamente à futura linha Lisboa-Porto, a 3ª componente do Corredor Atlântico, um dos 9 que compõem o “core” das redes ferroviárias transeuropeias.

    Lá se vai, pois, um bom contributo para a melhoria da competitividade nacional e seu efeito na economia, bem como uma excelente oportunidade para a redução da importação de combustíveis fósseis e da consequente emissão de gases indesejáveis.  Será que os autores (ou mentores) do “compromisso para o crescimento verde” pensaram nisto?  Ou ficam satisfeitos com a mera cobrança de impostos?” — LS
Última atualização: 13/10/2014, 19:22 WET

1 comentário:

João disse...

Excelente artigo. Infelizmente o lobby do cimento contínua a esmagar-se sobre nós, povo impávido e inculto. Só seremos livres quando,ironicamente, o mandar-mos fazer tijolo. Mas quando?!!