domingo, abril 28, 2013

Seguro: obrigado, Cavaco!



Vai fermoso e mais seguro


O secretário-geral do PS já está em campanha eleitoral. O encerramento do XIX Congresso socialista assinalou para António José Seguro uma nova fase. Avançou com propostas políticas, anunciou os seus Estados Gerais e pediu uma maioria absoluta para formar Governo. Mas garantiu que, devido ao “estado de emergência” do país, mesmo com maioria absoluta, fará coligação governativa. Público, 28 abr 2013.
A unidade do PS não foi total. Fora dos 251 eleitos para a Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos, ficaram deputados da chamada ala socrática, como Fernando Serrasqueiro, José Lello ou André Figueiredo. Jornal de Negócios, 28 abr 2013.
A negociação para a elaboração da lista única para a Comissão Nacional acabou já o sol nascia. O que se julgava ser um processo relativamente fácil, uma vez que se tratava de uma lista única - marca da imagem de unidade com que o PS quer sair de Santa Maria da Feira -, foi uma dor de cabeça ainda maior do que manda a tradição. Expresso, 28 abr 2013.

António José Seguro comprou um seguro de vida chamado Pedro Passos Coelho. E deve a sua salvação de uma cruel execução partidária, por incrível que pareça, à criatura de Belém. É simples de entender, não é? Não? Ora vejamos:

  • A crise da coligação agrava-se sob o impacto da austeridade, a qual permite a formação de uma verdadeira fronda (incluindo personagens de todos os partidos do leque parlamentar, ex-presidentes da república, sindicatos, entidades patronais, corporações, o manipulado movimento Que se Lixe a Troika! e até o próprio Presidente da República) para derrubar o governo, apesar da sua legitimidade e da sua maioria.
  • José Sócrates instruiu António Costa para derrubar o Tó Zé num congresso antecipado, apostando na queda a curto prazo do governo. “Qual é a pressa?”, perguntou o aterrorizado secretário-geral do PS. Foi a crise de 23-30 de janeiro de 2013.
  • António Costa, um aparachic de compêndio, recua à última da hora, tendo supostamente negociado a permanência das tropas de José Sócrates em lugares-chave do partido (viu-se hoje que a garantia não era muito forte).
  • José Sócrates, impaciente, decide aterrar na RTP a 28 de março, passando deste modo inopinado ao ataque — um ataque, percebe-se agora, desesperado.
  • O previsível chumbo do Orçamento pelo Tribunal Constitucional, que viria a ocorrer a 5 de abril, é o gatilho que supostamente ditará o fim da coligação, nomeadamente por iniciativa de Cavaco Silva, recolocando o PS no centro da cena política.
  • Entretanto, o fiasco de Chipre e a chegada em força da crise financeira, nomeadamente associada às dívidas soberanas, a países como a França e Holanda, vai forçar uma flexibilização no discurso alemão e um abrandamento das exigências por parte da Troika, nomeadamente na Irlanda e em Portugal — há quem tenha cheirado isto mesmo, a tempo...
  • Por um lado, o economista presidente percebeu o que iria ocorrer depois do fiasco de Chipre, e por outro, ficou assustado com o ataque desferido por José Sócrates na entrevista à RTP e reiterado no primeiro programa da série que contratou com o infeliz Miguel Relvas (um erro colossal, certamente resultante de um conselho crasso… de quem?)
  • O Tribunal Constitucional chumba parte do Orçamento, como previsto; agrava-se a crise política; o Primeiro Ministro dirige-se a Belém, como aqui recomendámos, e exige uma clarificação de Cavaco Silva. Terá dito algo parecido com isto: Senhor Presidente, ou fica comigo ou vai ter que aturar o Sócrates. Qual prefere?!
  • Cavaco decide o que era expectável em face dos dados disponíveis, e numa breve nota enviada à imprensa assassina politicamente José Sócrates, garante estabilidade presidencial ao governo (agora só mesmo o frágil Portas poderá derrubar o governo), e lança uma inesperada rede de salvação a António José Seguro!
  • A 13 de abril confirma-se o que já se esperava, sobretudo depois das declarações de Durão Barroso na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional: Vítor Gaspar consegue mais tempo e até o horizonte de um pequeno perdão nos juros devidos da parte do BCE (cortesia de Mario Draghi, que Vítor Constâncio anunciou urbi orbi).
  • No dia 25 de abril o Presidente da República garante solenemente a estabilidade constitucional à coligação, adverte o PS sobre a rigidez do peso da dívida, e portanto da necessidade de se poder contar com o PS para amplos consensos que venham a ser exigidos no curto e médio prazo, e desanca de forma fria os partidos que andaram nos últimos meses a organizar esperas e cercos ao presidente e a quase todos os ministros do governo.
  • A fronda, em suma, começou a desfazer-se apesar da gritaria e dos murmúrios que ainda se ouvem. A mudança de tom de Arménio Carlos —um pragmático esperto e experimentado— foi um sinal agudo desta mudança.
  • As tropas de José Sócrates e os secretários de Mário Soares montaram um verdadeiro assédio a António José Seguro durante a reunião de Vila da Feira. Este, por fim, acabou por perceber a manobra e respondeu da única maneira que tem para se livrar de José Sócrates: começando a limpar as listas.
  • Como ontem escrevi, o escândalo dos CDS (Credit Default Swap) que rebentou oportunamente na véspera desta reunião magna acabaria por ser a ajuda de Passos Coelho de que o seu amigo Tó Zé tanto precisava, e teve!
  • Dos jovens turcos que escrevem cartas, um, porventura o mais ambicioso e menos comprometido com Sócrates, Pedro Nuno Santos, foi sacrificado no altar dos equilíbrios internos.
Os tempos que aí vêm continuarão a ser muito duros. A crise do sistema político-partidário, neo-corporativista, devorista e populista que arruinou o país está longe de terminar. O processo do regime está em curso, mas em câmara lenta. Muitos chegarão em breve à conclusão de que o tempo de reformar o sistema partidário, sem o que o regime não muda, chegou. Espero que os escrevinhadores de cartas cor-de-rosa a António José Seguro percebam também que só conseguirão preservar a identidade do PS, sem cair na tentação de uma nova dissolução neoliberal nas malhas do poder, se entretanto surgirem novos movimentos políticos arejados e autónomos com vontade de fazer realmente renascer a democracia portuguesa das cinzas em que o Bloco Central a deixou.

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