sexta-feira, abril 22, 2011

Italianos põem barbas de molho

União Europeia precisa de prova de esforço
Italy proposes new Treaty change

Italy's Finance Minister Giulio Tremonti called yesterday (19 April) for a new revision of the EU Treaties in order to equip the European Union with updated tools to face immigration, the economic crisis and energy challenges — EurActiv, 20-04-2011.

Itália antecipa um debate inevitável: a União Europeia pode não sobreviver à presente crise, que tem ainda pela frente cinco ou dez anos de doloroso empobrecimento, sem um debate radical sobre os seus efectivos desígnios. É preciso saber se o que está em causa é a criação de uma economia baseada numa nova moeda ajustada à diversidade europeia, ou se, pelo contrário, o que está em causa é a imposição a todos os povos europeus de uma economia baseada no euro-marco. Se for este o caso, o mais provável é que a Europa volte a dividir-se entre a estepe germânica e eslava, e a velha Europa ocidental, mediterrânica e atlântica, que então se voltará de novo para os continentes americano e africano em busca de uma nova base financeira de sustentação. Claro que teremos que pagar as nossas dívidas, mas não o dinheiro perdido pelos piratas, bancos aventureiros, especuladores e fundos de investimento imprudentes, no casino da especulação imobiliária e dos derivados.

O colapso português veio mostrar que, depois de nós, se continuar a proliferar o egoísmo nacional entre os vários estados europeus, a troika baterá às portas da Espanha e da Itália. No entanto, se estes dois gigantes europeus forem ao tapete, pouco ou nada sobrará do sonho europeu. Uma Europa a duas velocidades, com duas taxas de juro directoras, soçobrará antes de ver a luz do dia, pois tal cenário significaria a colonização inevitável dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha) pela Alemanha, França, Holanda, Dinamarca e Áustria. Ora não é disto que rezam os tratados europeus!

Seria muito grave que as elites corruptas dos PIIGS aceitassem, numa primeira fase, expropriar pela via fiscal os respectivos cidadãos e empresas, para depois entregarem os bens de raiz e capitais espoliados, não apenas aos credores legítimos, mas também aos especuladores sem nome da actual crise financeira mundial. Seria o caminho mais curto para uma guerra civil europeia.

Do ponto de vista da teoria económica e das soluções técnicas que possam efectivamente ajudar a superar a trapalhada em que estamos todos metidos, há ainda muito trabalho por fazer, e seria bom que as negociações actualmente em curso com a troika encarregue de desenhar o resgate financeiro de Portugal, em vez de um mero palco de imbecilidades mediáticas para eleitor oportunista entender, permitissem verdadeiramente discutir e encontrar soluções pragmáticas, eficazes e equilibradas.

Li a carta de Eduardo Catroga ao homenzinho que substituiu o imprestável, demitido, arredado e desgraçado ministro das finanças de Sócrates, Teixeira dos Santos. Mais verdade e transparência nas estatísticas e nas contas públicas, menos Estado, menor captura deste pelo máfia palaciana e partidária das PPPs (é mesmo, Eduardo Catroga?), menos expropriação fiscal da riqueza criada e da poupança privada, privatizações integradas em objectivos de crescimento económico, um sistema bancário fortalecido e orientado mais para a economia real do que para o financiamento imparável da despesa pública — em suma, austeridade, sim; mas abrindo uma janela de oportunidade ao crescimento, sem o que, o objectivo do resgate não será conseguido.

Estou em geral de acordo com as intenções. O documento deveria ter sido, porém, mais concreto, explicitando sobretudo as grandes obras que não devem realizar-se, por mal pensadas e desnecessárias (autoestradas escandalosamente inúteis, aeroporto de Alcochete, ou as barragens do Sabor, Tua e Fridão, por exemplo), ou cuja concretização, embora estrategicamente justificada e até acordada com terceiros países, deve ser adiada até que o pior da presente crise passe (por exemplo, a ligação ferroviária em bitola europeia —para pessoas e mercadorias — entre o Pinhal Novo e Caia, ligando a grande Lisboa, Setúbal e Sines a Espanha e ao resto da Europa).

Por outro lado, falta uma proposta concreta dirigida à troika, sobre a modalidade concreta do resgate. Recomendo a este propósito uma discussão interessante iniciada por António S Mello e John E Parson em volta da proposta surpreendente do governador do banco nacional irlandês, Patrick Honohan, de indexar os pagamentos da dívida irlandesa ao crescimento do Produto Nacional Bruto do país.

Só com austeridade (receita da troika), não vamos lá (e nisso o PCP e o Bloco têm razão). Mas fazendo depender o grau da austeridade e o resgate da dívida apenas dos resultados do crescimento, também não, pois pode transformar-se rapidamente, e uma vez mais, numa ilusão contabilística à medida da criatividade dos melhores vigaristas. Antonio S Mello e John E Parson sugerem, pelo contrário, uma variante da regra de Taylor (1993) para disciplinar as finanças dos PIGS no contexto de uma moeda regional. A discussão só agora começou, mas promete! Espero que Eduardo Catroga leia Betting the Business, antes de fechar o programa do PSD — que o senhor dos Passos tem vindo a sangrar às pinguinhas!

A Eurolândia, para sobreviver, terá no essencial que prosseguir com determinação três objectivos estratégicos:

   1. criar um verdadeiro governo económico e financeiro comunitário, decorrente da composição partidária do parlamento europeu, solidário, transparente e com poderes de imposição executiva sobre os estados nacionais (os que não adaptarem as respectivas constituições às novas regras deverão assumir o preço da sua independência e abandonar o euro);
   2. defender a economia europeia no quadro de uma divisão internacional do trabalho mais equilibrada e justa, e de uma revisão urgente da organização do comércio mundial, evitando sobretudo cair na armadilha do endividamento indirecto (défice comercial) e directo (emissão de dívida europeia) a favor da China, país com uma agenda imperial evidente;
   3. promover o rejuvenescimento demográfico da Europa, seja pela via de uma discriminação fiscal positiva aplicada à natalidade, seja pela adopção de políticas de imigração selectivas e condicionadas à aceitação prévia das leis europeias (processos pró-activos de legalização; contrato de cidadania europeia, etc.)

Se os directórios partidários, capturados pelos interesses mesquinhos de cada nação e grémio, continuarem a assobiar para o lado, e não encararem com coragem os verdadeiros problemas da Europa, estaremos inexoravelmente condenados à decadência e mesmo a um empobrecimento inesperadamente rápido e muito acentuado.

1 comentário:

António Maria disse...

Controlar o financiamento especulativo dos negócios, restringindo as operações OTC, é um caminho inevitável. A discussão prossegue. Ler este artigo no FT de 25 de abril, onde é citada a proposta de Antonio S Mello e John E Parson.