quarta-feira, dezembro 10, 2008

Portugal 58

O preço de uma paz podre

José Sócrates confessou ainda estar cansado de guerras, mas acabou por admitir que com uma maioria absoluta o Partido Socialista não precisa de comprar a paz, contrariamente ao que sucedeu no Governo de Guterres que optou por acabar com os exames no 8ºano de escolaridade. -- in José Sócrates cansado de "guerras", 9-12-2008 (TSF)

Já escrevi o que penso sobre este tema (1).

No essencial, a verdade continua a ser esta: os professores e os sindicatos querem tão só manter o status quo. E o governo, quer poupar dinheiro.
Do embate destes dois oportunismos resultou a monumental derrapagem social do sector educativo, cujas consequências podem ainda vir a ser fatais para este governo. Lembre-mo-nos do que aconteceu em Paris quando Sarkozy era ministro da segurança interna, ou do que se está a passar agora mesmo na Grécia. O material necessário para uma combustão social espontânea está aí. Basta lançar-lhe um cigarro distraidamente aceso para cima!

O senhor Sócrates deve demitir a actual ministra, pois já não serve para nada. Mas deve, ao mesmo tempo, dirigir-se directamente ao país sobre este assunto e desafiar a Oposição parlamentar para um consenso razoável e urgente sobre a questão da avaliação. Esta deveria obviamente conduzir o sector a um sistema selectivo de progressão na carreira, na minha opinião, totalmente descentralizado. O director da escola, os conselhos científico e pedagógico, a avaliação entre pares e as associações de pais deveriam ser os principais responsáveis pelas avaliações de competência e de carreira. O ministério deveria ficar fora desta cadeia de decisão!

Mas para que isto funcione, terá que haver liberdade de escolha do estabelecimento de ensino para onde queremos enviar os nossos filhos. E estes também deverão poder tomar parte nas decisões. Deve, por outro lado, manter-se um sistema de classificação dos estabelecimentos de ensino, com consequências práticas no destino das direcções escolares. Onde faltem condições sócio-económicas, o país deve acudir e investir para melhorar. Onde houver facilitismo e oportunismo docentes, a procura diminuirá naturalmente, e abaixo de determinado limiar, os conselhos directivos deveriam cair automaticamente.

Mas este desafio tem que ser feito agora! Para que não passe a oportunidade de uma reforma necessária. E para que o oportunismo sindical deixe de poder comprometer o funcionamento das instituições.

A Oposição deve ser confrontada já!

O PSD e o Bloco têm muito a perder se derem as respostas erradas ao inadiável repto. O PS, por outro lado, terá tudo a ganhar se reorientar a sua estratégia, tendo sobretudo em conta as imposições sociais da recessão em curso (e que não terminará antes de 2010-2011), na direcção de um novo, transparente, simples e equilibrado método de avaliação dos professores. Abandone o oportunismo orçamental! Aproveite a boleia do inevitável aumento temporário do deficit nas contas públicas, usando-a para levar por diante as reformas radicais de que o país precisa para não desaparecer.

O governo que se prepara para hipotecar 13,5% do PIB no salvamento do sistema financeiro, não pode deixar de fazer o essencial para preparar o país, não apenas para lidar com a crise grave que enfrentamos, mas sobretudo para aproveitar da melhor maneira as oportunidades que germinarão no novo ciclo de esperança que se seguir à longa e dura perda de privilégios que nos espera a todos.

A indignação entre os professores foi crescendo devido à complicação escusada dos planos governamentais. E mais ainda por causa da maneira traiçoeira como a actual ministra e secretários tentaram fazer passar uma reforma cujo único fito não declarado é diminuir a factura orçamental a todo o custo. O governo não agiu de boa fé. Em vez de dizer as verdades duras que urge discutir publicamente, andou a jogar ao gato e ao rato com mais de uma centena de milhar de professores!

O sindicato comunista, para não perder o comboio, acabou por encabeçar o movimento, na expectativa de uma oportunidade para "vender a paz" ao governo de José Sócrates. Parece que conseguiu. Mas a que preço?

Pois bem, ao preço de uma paz podre, traduzida no adiamento da necessária responsabilização dos professores deste país pelo esforço fiscal que lhes é dedicado em nome de uma expectativa educativa por cumprir. O corporativismo egoísta triunfou uma vez mais — até ao dia em que os contribuintes resolverem revoltar-se contra uma democracia de burocratas e políticos inimputáveis.

Os trinta e tal deputados que por sua alta recreação resolveram antecipar o fim-de-semana, demonstrando o mais completo desprezo por quem lhes paga os vencimentos, não são a excepção, mas a regra de uma casta de cidadãos que raramente cria riqueza, mas que adora apropriar-se dela.


Post scriptum — Uma leitora atenta, e colaboradora sombra assídua deste blog (MFB), fez-me entretanto chegar notícias de França. Por lá, o sector educativo caminha igualmente para uma sincronização das lutas dos vários actores do sistema, motivada pela mesma ordem de problemas que afecta o caso português. Por sua vez, as mobilizações na Catalunha deverão também estender-se a toda a Espanha à medida que a crise económica fizer sentir os seus efeitos mais dramáticos (falências de empresas e desemprego.) Ou seja, poderemos assistir a uma repetição em larga escala do Maio de 68, desta vez, com uma componente social sobretudo defensiva. A verdade é que o modelo educativo actual deixou de servir a dura realidade que vai ser o reajustamento doloroso das sociedades ocidentais a uma economia pós-consumista, menos liberal e onde a globalização libertina dos mercados financeiros dará inevitavelmente lugar a uma nova ordem do comércio mundial, assente na protecção justa dos mercados e sobretudo numa dispersão internacional mais equilibrada dos rendimentos, quer dizer, menos imperialista. Os Estados Unidos e a Europa vão ter mesmo que aprender a conviver num planeta pós-imperialista! E o senhor José Sócrates, como no início deste artigo sublinhei, que se deixe de triunfalismos apressados e ponha em marcha um plano de transparência democrática para lidar com este explosivo dossier. Não atire beatas ao chão! PERIGO DE INCÊNDIO!!
Appel aux manifestations dans l'Education nationale

NOUVELOBS.COM | 10.12.2008 | 10:16. Enseignants, lycéens et parents d'élèves prévoient des dizaines de rassemblements, d'actions et de défilés dans toute la France contre la réforme de Xavier Darcos.
...
A l'origine de cette mobilisation, sans appel à la grève: les principales fédérations de l'Education, des organisations lycéennes et étudiantes les parents de la FCPE, ou encore des mouvements pédagogiques, qui entendent notamment protester contre les suppressions de postes d'enseignants (13.500 prévus en 2009).
...

Les élèves s'opposent notamment à la réforme du lycée voulue pour la rentrée 2009 en seconde par le ministre de l'Education Xavier Darcos, qui prévoit, en moyenne, une baisse du nombre d'heures d'enseignements lors d'une année divisée en deux semestres.
Dans un communiqué, l'organisation lycéenne Fidl, qui avait mobilisé vendredi quelques milliers de lycéens à travers la France, annonce qu'elle "appellera à des dates de manifestations nationales en janvier".

NOTAS
  1. Da inépcia burocrática à manipulação sindical (11 MAR 2008); Professores: indignados ou manipulados? (11 MAR 2008); O fim antecipado de uma maioria absoluta (9 MAR 2008); Jogos de Polícia (8 MAR 2008).

OAM 489 10-12-2008 02:10 (última actualização: 10:40)

3 comentários:

Jose Silva disse...

Caro António,

Não há a nível mundial muitas empresas ou organizações do tamanho e competências do ME: Gerir a carreira de 200 000 funcionários !!!

Se as escolas públicas fossem privatizadas e o ensiono público gerido via vales-educação ou mantendo-se públicas se fossem tuteladas pelas autarquias ou regiões, seria muito menos estalinista.

Acho que o que precisamos mesmo é de uma Lisboa pós-imperial !

António Maria disse...

Mário,

Aquilo é um pesadelo sem fim!
É preciso acabar com o centralismo (dizes bem, Estalinista!) do Estado na área da educação. Precisamos de um MIX equilibrado entre ensino privado completamente autónomo (sem subsídios estatais!), ensino cooperativo, e ensino público descentralizado: regionalizado e municipalizado. A situação actual é insustentável. E a sistemática desautorização do poder central que se tornou uma moda madeirense, mas que em breve pode pegar nos Açores, e mesmo nalguns municípios do Continente, é a pior maneira de forçar os idiotas da 5 de Outubro e de São Bento a mudar o que tem que ser mudado. Quanto antes!

João Soares disse...

Estimado António Pinto
Lamento discordar consigo em parte nesta área. Desidério Murcho deveria como investigador que é, apresentar mais factos...para podermos debater...Os professores titulares e o critérios que os presidem são igualmente melhores professores, sendo os futuros "tecnoburocratas" do sistema, penalizando a componente pedagógica....pior antevê-se que serão (ou seremos todos nós) delegados de informação "pedagógica"....subjugados ora centralmente ora pelo "director"....

António diz:
"O director da escola, os conselhos científico e pedagógico, a avaliação inter pares e as associações de pais devem ser os principais responsáveis pelas avaliações de competência e de carreira. O ministério deve ficar fora desta cadeia de decisão!"

A solução não passa para as cartas educativas....sabemos muito bem que o espaço físico nacional está completamente desordenado, ao sabor dos autarcas, sujeito a critérios perniciosos dos PIN, etc....

"Deve, por outro lado, manter-se um sistema de ranking dos estabelecimentos de ensino, e este deve ter consequências práticas no destino das direcções escolares. Onde faltem condições sócio-económicas o país deve acudir e investir para melhorar. Onde houver facilitismo e oportunismo docentes, a procura diminuirá naturalmente, e abaixo de determinado limiar, os conselhos directivos devem cair automaticamente."

....também não prevejo mais eficiência nos rankings...A melhor política educativa é aceitar e promover as diferentes tipologias e opções de ensino (porque não se fala no ensino doméstico, por exemplo?) e ao ministério cabe a contratação dos recursos humanos e uma avaliação externa.

João Soares